Gestores públicos, engenheiros, professores e alunos da área da Engenharia da Universidade Federal do Ceará discutiram "A tragédia de Brumadinho e a política nacional de segurança de barragens"
A partir dessa discussão conjunta realizada pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e a Academia Cearense de Engenharia (ACE), a intenção é fazer um encaminhamento de propostas de ações para os órgãos do poder público, no âmbito nacional, que possam contribuir para a melhoria da segurança de barragens.
“A ideia é que a gente aja proativamente e encaminhe algum documento em nível nacional. O Ceará é referência na questão de barragens. Nós temos muita coisa a contribuir com o Brasil. Não podemos ficar de fora dessa discussão”, disse o diretor do Centro de Tecnologia (CT), professor Carlos Almir Monteiro de Holanda. Ele coordenou a mesa com o engenheiro civil Victor César da Frota Pinto, presidente da Academia Cearense de Engenharia.
A palestra foi proferida pelo professor titular aposentado da UFC e engenheiro civil Antônio Nunes de Miranda, possuidor de larga experiência na área de engenharia civil, com ênfase em geotecnia e segurança de barragens. Miranda abriu a palestra com uma foto de bombeiros resgatando o corpo de uma vítima da lama em Brumadinho, destacando que “por trás da palestra técnica há, antes de tudo, uma tragédia humana”.
Mariana
Referência nacional sobre o assunto, mostrou modelos de barragens de rejeitos e lamentou que, mesmo com a Lei n° 12.334 de 2010, a qual criou a Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB), tenha ocorrido o rompimento da barragem de Mariana (MG) em 2015, e que esse desastre não tenha servido de exemplo para se evitar uma nova tragédia, como a da barragem Mina Córrego do Feijão, da empresa mineradora Vale, em Brumadinho (MG), no último dia 25 de janeiro.
À época do rompimento em Mariana, ele alertou, de forma pública, sobre os riscos daquele modelo que usa rejeito da mineração para a construção do dique, o qual vai sendo ampliado à medida que a barragem enche. Ele disse que a engenharia de barragens tem recursos para lidar com os riscos e que essas construções são feitas para ter segurança, mas considera que pode ter havido falha na engenharia geotécnica para provocar o rompimento.
Para o Professor Miranda, não é com uma mudança apressada na legislação ou na “prisão de antemão” de engenheiros que o problema poderá ser resolvido. Daí a importância, para ele, de um evento como o ocorrido na UFC, com a participação de diversos profissionais e estudiosos da área capazes de gerar propostas para os governantes. “Agora é sair com uma nota firme”, afirmou.
Questionamentos
Pela Agência Nacional de Águas (ANA) participou do debate o engenheiro civil Rogério de Abreu Menescal, formado pela UFC e especialista em assuntos relacionados à Gestão da Segurança de Barragens. Ele comentou que nos últimos 19 anos mais de 800 “acidentes e incidentes” com barragens ocorreram no Brasil, com diferentes níveis de gravidade. Na área da mineração citou desde um ocorrido em 2001 em Rio Verde (MG), com cinco mortes, ao de Brumadinho, que já conta com mais de 100 mortos e centenas de desaparecidos.
Sobre os desastres de Mariana e Brumadinho, ele considera que muitos questionamentos precisam ser feitos, mesmo diante da legislação sobre segurança de barragens. Entre as questões, colocou: O que as instituições e conselhos nas áreas de engenharia, recursos hídricos, têm feito ou podem ajudar a melhorar a gestão da segurança de barragens no Brasil “além da gestão do conhecimento”? O que cada profissional da área pode fazer para melhorar os “padrões ético e técnico da engenharia nacional”?
Ele indagou também se as escolas de engenharia estão dando a devida “importância para as fases pós-construtivas” de um projeto, não apenas o planejamento e execução. Questionou ainda o papel de órgãos fiscalizadores, como a própria ANA, “que só exigem Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) e não ‘experiência mínima’ para aceitar estudos, projetos, construção e operação de barragens. Isso é razoável?”
Luto
Docente da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA) na área de Solos e com 26 anos de experiência como engenheira do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), engenheira civil Vanda Tereza Costa Malveira considerou a data do desastre em Brumadinho “um dia de luto”, especialmente para os profissionais e professores da área. “A gente não trabalha nem forma pessoas para matar gente”, disse.
Uma barragem, segundo ela, pode romper por conta de fatores como aumento de chuvas na área, mas um rompimento como o ocorrido em Brumadinho é questionável, ainda mais porque foi divulgado que houve uma vistoria técnica em setembro do ano passado. Ela defende um melhor diálogo entre os técnicos (engenheiros) e a sociedade para que desastres dessa natureza não venham a ocorrer novamente.
Fonte: Ascom UFC
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