O professor Eduardo Sequerra aborda as possíveis consequências no desenvolvimento embrionário diante das tragédias que envolvem o contato com metais
Estamos todos revoltados com a repetição do grave crime ambiental causado por empresas de mineração no estado de Minas Gerais. Centenas de pessoas morreram imediatamente e não temos a menor ideia de quantos organismos de outras espécies também foram vítimas. Passados alguns dias, começamos a ouvir as consequências a longo prazo, que incluem a contaminação de rios que são ecossistemas importantes e servem de suprimento de água para milhões de pessoas. Sabemos que diversos animais e plantas adultos ainda vão morrer, mas e os embriões? Quais são as consequências da contaminação com metais para o desenvolvimento embrionário?
Desde que os primeiros animais surgiram, há uns 600 milhões de anos atrás, embriões encontram com metais. As concentrações destes metais variaram e afetaram aqueles animais ancestrais. Em 2015, Vandenbroucke e colaboradores mostraram que cistos de fitoplâncton marinho e ovos de animais marinhos possuem uma alta taxa de malformações em fósseis do fim do Paleozóico. Curiosamente, as rochas das épocas com muitos organismos malformados possuem altas concentrações de metais como ferro, alumínio, molibidênio e bário. Assim, nossos ancestrais e seus embriões sempre viveram em meios onde metais estavam presentes. Mas apesar de existirem concentrações de metais permissivas ao desenvolvimento embrionário, elevações nas suas concentrações tiveram efeitos catastróficos, com contribuições para eventos de extinção em massa.
Diferente dos embriões de mamíferos, a maioria dos embriões de animais de nosso planeta são órfãos. Isto é, eles estão expostos ao ambiente, longe de seus pais. No entanto, embriões não são seres indefesos às concentrações flutuantes de metais. Embriões expressam uma série de moléculas que utilizam três estratégias para reduzir a toxicidade de metais, o bloqueio da sua entrada nas células, o seu transporte para fora delas e a mudança de sua natureza química. A principal classe de moléculas que trabalha na remoção de metais das células são os transportadores ABC, presentes em embriões de equinodermos, moluscos, nematódeos, mamíferos e em nossas placentas. Em 2004, Hamdoun e colaboradores mostraram que a concentração necessária para matar embriões de ouriços-do-mar com uma substância tóxica, a vinblastina, diminui 25 vezes se estes não estiverem expressando o transportador ABC. Assim, embriões atuam ativamente para se defenderem de substâncias tóxicas. Mas suas defesas tem limites.
Um dos casos mais famosos de malformações congênitas causados por crimes ambientais é a contaminação da Baía de Minamata, no Japão, com mercúrio por uma indústria química. Adultos com altos níveis de contaminação desenvolveram quadros de neurodegeneração. Mas outro fenômeno que ficou claro foi que em grávidas contaminadas com concentrações menores, embriões eram mais suscetíveis do que suas mães. A este fenômeno dá-se o nome de janela de suscetibilidade. Assim, em qualquer crime ambiental que envolva a contaminação por metais, esperamos que hajam áreas com altos níveis de contaminação, onde todos são afetados, e outras com menores níveis de contaminação em que os embriões, ou organismos jovens, ainda em desenvolvimento, são as principais vítimas.
Obviamente que sabemos muito pouco ainda sobre a composição da lama que escorre pelo rio Paraopeba e em breve contaminará o São Francisco. Alguns artigos, no entanto, já analisaram o potencial tóxico das águas do Rio Doce contaminadas pelo crime anterior, o da Samarco. Quadra e colaboradores, por exemplo, mostraram que mesmo água coletada a centena de quilômetros da represa que rompeu é capaz de induzir erros na divisão de células de cebola, como cromossomos aberrantes, semelhante ao que vemos em células de câncer. Espécies de peixes endêmicas no Rio Doce desapareceram, mas não sabemos se foi um efeito direto sobre a vida dos adultos ou se sobre a sua reprodução e o desenvolvimento de embriões. Mesmo que interrompido o consumo de água do Paraopeba por humanos, é muito difícil garantir que não iremos consumir organismos contaminados e bioacumulantes destes metais. Sabemos também que a não ser que aconteça um surto de malformações causadas por estes contaminantes, é muito difícil mostrar a relação da causa com o efeito. Isto exige um corpo médico atento, comprometido com a notificação, podemos ter muitos casos mas cada médico só ver um. E precisamos fortalecer a ação de grupos de pesquisa que gerem informações a curto e longo prazo.
Referências:
Hamdoun AM, Cherr GN, Roepke TA, Epel D (2004) Activation of multidrug efflux transporter activity at fertilization in sea urchin embryos (Strongylocentrotus purpuratus) Developmental Biology, 276: 452-462.
Quadra GR, Roland F, Barros N, Malm O, Lino AS, Azevedo GM, Thomaz JR, Andrade-Vieira LF, Praça-Fontes MM, Almeida RM, Mendonça RF, Cardoso SJ, Guida YS, Campos JMS (2019) Far-reaching cytogenotoxic effects of mine waste from Fundão dam disaster in Brazil. Chemosphere, 215: 753-757.
Vandenbroucke TRA, Emsbo P, Munnecke A, Nuns N, Duponchel L, Lepot K, Quijada M, Paris F, Servais T, Kiessling W (2015) Metal-induced malformations in eraly Paleozoic plankton are harbingers of mass extinction. Nature Communications DOI: 10.1038/ncomms8966
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Eduardo Sequerra
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