Para especialistas, esse evento meteorológico pode influenciar pouco as chuvas nessa região do Brasil
De acordo com prognóstico divulgado pela Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme), o El Niño influenciará pouco no regime de chuvas do Nordeste, em função da sua intensidade fraca ou moderada. É claro que isso vai depender da temperatura das bacias do oceano Atlântico nos próximos meses. Para especialistas do International Research Institute for Climate and Society (IRI), da Universidade da Colúmbia (EUA), até fevereiro de 2019, as águas da superfície do Pacífico equatorial devem manter-se mais quentes que o normal, , indicando a permanência do El Niño. O fenômeno terá intensidade de fraca a moderada, durante o período de janeiro a março. A partir de março, começará a perder força.
O aumento progressivo nas temperaturas das águas do Pacífico equatorial levaram à formação de um El Niño modoki. Este tipo de El Niño ocorre quando o aquecimento das águas daquele Oceano é irregular, tendo impactos mais brandos no clima da maior parte do Planeta.
Nas condições atuais, está havendo a transição de um El Niño modoki para um El Niño clássico. As águas do oceano Pacífico, na região mais próxima do Peru, que influencia mais diretamente o clima no Brasil, já estão aquecidas de forma mais regular e as temperaturas se intensificaram nas últimas semanas. Dessa forma, a configuração de um El Niño clássico depende agora apenas da resposta da atmosfera, já que se trata de um fenômeno climático baseado nessa interação.
A resposta atmosférica a um evento de El Niño clássico ainda não está ocorrendo. Como ainda não existe uma grande diferença entre as temperaturas da superfície do mar das regiões do Pacífico Oeste e Leste, os ventos alísios (ventos do Leste) continuam normais. Quando há um grande gradiente entre as temperaturas das duas regiões oceânicas, ocorre o enfraquecimento dos ventos do Leste equatorial, caracterizando-se como uma típica resposta da atmosfera a um evento de El Niño clássico.
A seguir, iremos apresentar como ocorre a formação desse fenômeno no oceano e na atmosfera, analisando as possíveis influências do Pacífico e também do Atlântico no regime de chuvas da região Nordeste do Brasil.
A dança do oceano com a atmosfera influencia chuvas no Nordeste
As imagens acima mostram como o El Niño contribui para afastar nuvens de chuvas da região Nordeste, comparando-se com o cenário oposto, nos casos em que acontece a formação da La Niña (esfriamento das águas do oceano Pacífico).
Quando ocorre um El Niño, há uma espécie de dança do oceano com a atmosfera, cujo compasso é dado pela temperatura da superfície do mar. Existe um sistema atmosférico, conhecido como Circulação de Walker, conforme representado nas imagens acima, que corresponde ao movimento e à intensidade dos ventos, de acordo com as variações térmicas na superfície.
A Circulação de Walker possibilita que algumas áreas sejam mais chuvosas do que suas regiões relativamente vizinhas. Onde estiver mais quente, maior será o movimento ascendente dos ventos, ficando mais fortes e levando à formação de chuvas. Uma mudança na temperatura do mar faz com que toda a Circulação de Walker se modifique.
As alterações na temperatura da superficie do mar influencia na distribuição das chuvas tropicais e no padrão da circulação atmosférica (dinâmica dos ventos). Nas áreas onde a temperatura das águas é maior do que a média (El Niño na região central do Pacífico), há o aumento das chuvas naquela região, em função de os ventos do Leste equatorial ficarem mais fracos do que a média.
Em anos de El Niño, com a elevação das temperaturas na costa oeste da América do Sul, a circulação dos ventos é deslocada, ficando entre a América do Sul e a Oceania, onde tende a chover mais. O processo altera toda a Circulação de Walker, influenciando outras áreas.
Nas regiões do Leste da Amazônia e Nordeste do Brasil, em anos de El Niño, em geral, registram-se chuvas abaixo da média climatológica. Uma das razões se deve não somente à presença das águas quentes da corrente El Niño, mas também às mudanças na atmosfera próximas à superfície do Pacífico, com o enfraquecimento dos ventos alísios (que sopram de leste para oeste) na região equatorial.
Com esse aquecimento do Oceano e com o enfraquecimento dos ventos, observam-se mudanças da circulação na atmosfera, nos níveis baixos e altos, provocando variações na distribuição das chuvas, em regiões tropicais e de latitudes médias e altas. Assim, quando há um gradiente de temperaturas bem acentuado no Pacífico, os ventos ficam fracos sobre essas regiões, inibindo a formação de chuvas no Nordeste, no período da estação chuvosa, de fevereiro a maio.
Quase mil municípios brasileiros já enfrentam seca e estiagem
O El Niño, em sua condição clássica (canônica), é caracterizado por chuvas regulares acima do normal na região Sul do País e estiagem ou seca no Nordeste. As demais regiões brasileiras acabam não sendo tão afetadas por esse fenômeno.
Uma das preocupações quanto às chuvas são seus efeitos potencialmente danosos, relacionados a excesso ou escassez, que afetam principalmente o setor agropecuário, segmento importante do setor produtivo brasileiro.
O El Niño, em sua versão modoki, afetou as regiões do Sul e Nordeste do Brasil. No total, são 977 munícipios com reconhecimento federal de Situação de Emergência, em função de estiagem ou seca, somente neste início de ano. A região mais atingida é o Nordeste. Nesta região, a Paraíba é o estado que concentra o maior número de municípios em Situação de Emergência, com 176 que comunicaram o problema à Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil (Sedec). Essa condição resulta de um acúmulo dos impactos causados pelo El Niño de 2014-2016.
Em outro extremo, cinco municípios do Rio Grande do Sul encontram-se em Situação de Emergência, por causa das fortes chuvas que atingiram o estado, nas últimas semanas.
O quadro de Situação de Emergência é reconhecido pelo Ministério do Desenvolvimento Regional e desencadeia uma série de ações para minimizar os efeitos da seca e estiagem ou mesmo das fortes chuvas. A portaria da Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil foi publicada no Diário Oficial da União, no último dia 14 de janeiro de 2019.
Previsões indicam maior probabilidade de chuvas no Nordeste
De fevereiro a maio, ocorre a estação chuvosa no Semiárido brasileiro. Segundo prognóstico divulgado no último dia 18 de janeiro, pela Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme), para o próximo trimestre, o setor norte da região Nordeste terá maior probabilidade de chuvas dentro da média histórica, em 2019.
A avaliação climática aponta que há 40% de probabilidade para chuvas em torno da normal climatológica, 30% de possibilidade de chuvas acima da média e também 30% de chances de o período se encerrar abaixo do normal.
Em função de o El Niño deste ano apresentar-se com intensidade fraca ou moderada, seja do tipo modoki ou clássico, as previsões indicam que esse fenômeno climático não será decisivo para definir o regime de chuvas no Nordeste.
O que causa as secas mais intensas na região é o El Niño de intensidade forte. No caso de um El Niño modoki, ou mesmo de um El Niño clássico, com intensidade fraca/moderada, não há tanta influência sobre as chuvas no Nordeste.
Para compreender melhor a influência do El Niño no regime de chuvas no Nordeste, bem como a análise de todas as secas da região influenciadas pelo El Niño ou por outros fenômenos climáticos, como a temperatura do Atlântico Sul, recomendamos a leitura do livro Um século de secas: por que as políticas hídricas não transformam o Semiárido brasileiro?
Nesta obra publicada pela Editora Chiado (Portugal), os autores fazem um panorama histórico e analisam toda a história das secas e das políticas hídricas implementadas na região do Semiárido brasileiro.
Vale lembrar que as condições climáticas da região Nordeste também dependem das condições do oceano Atlântico, cuja temperatura das águas da sua superfície ainda estão oscilando.
No oceano Atlântico tropical, há uma tendência de condições favoráveis às chuvas no setor norte do Nordeste, em função da formação do chamado Dipolo do Atlântico. Este fenômeno corresponde, a temperaturas mais frias das águas da superfície (até -1oC), na bacia Norte do Oceano, e um pouco mais aquecidas (até +1oC), na bacia Sul.
Tais condições influenciam positivamente no posicionamento regular da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT) sobre o setor norte do Nordeste, favorecendo as chuvas.
Porém, segundo o monitoramento da Funceme, nas últimas semanas, tem sido observada a redução nas temperaturas do Atlântico Norte e Sul, reduzindo a grande diferença entre as temperaturas das duas regiões do Oceano. Essa situação atual é menos favorável às chuvas sobre a porção norte da região Nordeste do Brasil. Assim, será necessário esperar uma definição mais precisa das temperaturas das bacias do Atlântico, para entendermos melhor a sua influência sobre o clima regional.
A bacia do Atlântico Sul ficando mais aquecida, será favorável para o regime de chuvas do Nordeste Setentrional, mesmo sob influência do El Niño, em intensidade fraca ou moderada.
Atualmente, a configuração é de um El Niño modoki, com temperaturas mais quentes no Pacífico Central. Porém, as temperaturas do Pacífico Leste têm passado por grandes alterações. Portanto, essa configuração pode mudar até o estabelecimento do El Niño clássico.
Segundo Humberto Barbosa, meteorologista do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (LAPIS), a memória dos oceanos também é importante para definir a atual quadra chuvosa. Como o Atlântico Sul também exerce grande influência nas chuvas do Nordeste do Brasil, seu aquecimento irá favorecer as chuvas na região, uma vez que minimiza os efeitos do aquecimento do Pacífico, no caso atual de um El Niño, sobretudo por esse fenômeno está ocorrendo em intensidade fraca ou moderada.
Pouca influência
O El Niño modoki já influencia o clima em algumas regiões brasileiras, levando muitos municípios a entrar em Situação de Emergência, por ocasião de desastres naturais, como seca e estiagem (Nordeste) ou enchentes (Sul).
Todavia, uma previsão recente divulgada pela Funceme indica que o El Niño influenciará pouco no regime de chuvas do Nordeste, em função da sua intensidade fraca ou moderada. É claro que isso vai depender da temperatura das bacias do oceano Atlântico nos próximos meses. Se a bacia do Atlântico Sul voltar a aquecer, é provável que o Nordeste Setentrional receba chuvas em torno da média histórica.
Referências:
Livro: “Um século de secas: por que as políticas hídricas não transformaram o Semiárido brasileiro?”.
Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (LAPIS)
Fonte: site Letras Ambientais
Deixe um comentário