O professor Gláucio Brandão explica o que acontecesse quando uma marca rompe a barreira material e implanta-se no imaginário coletivo e pode contar com a ajuda dos nossos cinco sentidos
Você já se perguntou o que é a UFRN? Qual o seu formato, barulho ou cor? Se ela tem cheiro ou gosto; quanto ela pesa? Às vezes alunos chegam para mim e dizem: “Mas professor, a UFRN só vai autorizar assim!”. Ou, falando sobre a alma da instituição: “O SIGAA avisou que…”. Então vejam: até falar com a gente, ela fala. Sinistro! Mesmo assim, adoro levar a UFRN para passear no bolso, no parachoque do carro. Em agendas…
Se não faz sentido perguntar por tudo isto, a questão que vem na sequência é: mesmo que não possa definir algo corretamente, será que esse algo realmente existe ou não passa de imaginação? Minha avó diria: “Parece conversa de trancoso!”.
Antes de irmos à resposta, de acordo com o Google Maps, a UFRN possui localização geográfica 5Q6X+4C Natal, RN. Segundo a Wikipedia, tem perto de 43.000 pupilos ativos no sistema, algo em torno de 5.000 funcionários (aqui coloco professores e técnicos) e não faço ideia do número de terceirizados. Vamos deixar por 50.000, ou mais modernamente falando, 50K viventes. Este número supera a população da Princesa do Seridó (Currais Novos, para os não íntimos). Pergunto novamente: esse ser fabuloso, com características femininas, de imensa estatura e que pode ser levada no bolso existe? E por que é que tanta gente quer entrar aqui?
E a resposta é… Não, não existe fisicamente! Ela é o que os filósofos chamariam de Ordem Imaginada. Tanto não existe que é eterna! (Acho que agora me superei e perderei metade dos leitores neste ponto. Peço que aguardem um pouco mais, pois farei o link com as startups!).
Deixa eu me explicar! Se um hecatombe acontecesse e a UFRN fosse desintegrada, em quanto tempo vocês acham que ela seria soerguida? Eu diria que em um tempo menor do que o de nossas vidas, com certeza. Primeiramente, ela funcionaria em sedes improvisadas. Manifestações populares encheriam o cruzamento da Av. Salgado Filho com a Bernardo Vieira (o inferno na Terra) clamando por nova estrutura. O governador da época faria disso sua bandeira prioritária. Instituições internacionais disputariam por investir recursos, para mais tarde ter seu nome ligado a esta sexagenária instituição. Arrisco em dizer que teríamos até doações de CPF e CNPJ. Mas, peraí, ela não foi destruída? E a resposta é sim, só que fisicamente! Logo, a gloriosa UFRN, se não eterna, é duradoura. Ressurgiria das cinzas, não importando o número de vezes que fosse destruída!
Assim, quando digo que a UFRN atingiu o status de ordem imaginada, quero dizer que a marca, o brand, superou a estrutura física. Ganhou alma. Ou seja: não se pode apagar a UFRN. A marca não morre, pois rompeu a barreira material e implantou-se no imaginário coletivo. É difícil mexer num imaginário coletivo, pois é um tipo de pensamento criado por muita gente, por muito tempo e de forma pensada. Por exemplo, para qualquer pessoa, mesmo que não tenha passado pela experiência, dá asco o simples fato de pensar em meter a mão em um balde cheio de minhocas, embora sabendo que este ato seja inofensivo. Acho que faz até bem para pele?!…
Branding Sensorial Único
No artigo O Cliente Universal descrevo o que a galera do design sabe há muito tempo: nosso cliente será “tão nosso” à medida em que eu consiga estimular a maior quantidade de seus sentidos e com a maior intensidade possível.
Vejam bem: se eu falo em pipoca com guaraná consigo dissociar de uma certa telona? Alguém aqui sabe o que duas orelhas pretas redondas lembram? E o Just do It nos remete a alguma coisa? Não sei vocês, mas quando eu vou a determinado shopping de nossa cidade que fica ali em frente ao IFRN (Por questões de propaganda, omitirei o nome. Depois explico.), dirijo-me ao terceiro piso só para passar em frente à mmartan. O cheiro da loja é de matar! Por incrível que pareça, dá uma “pancada” em meus sensores maior do que as lojas de perfumes do ramo. E não é só isso: a sensação de conforto que os “paninhos fofos” expostos, associado ao cheiro e à vitrine micrometricamente organizada, me faz parar e contemplar a loja como se fosse uma obra de arte. Porém, consigo permanecer fora. A esposa não! Só em falar, parece que estou sentindo o cheiro de lá.
Então vejam: para uma pessoa que nunca comprou nada nessa loja (exclua minha digníssima dessa frase), o fato de essa ser a primeira loja que vem à minha mente dentre tantas que existem para o meu perfil nesse shopping, não dá a vocês a sensação de que criaram algum tipo de feitiço?
Estamos falando então do Branding Sensorial, o conjunto de percepções sensoriais que envolvem uma marca. Devido ao desgaste que os estímulos visuais e auditivos vêm causando ao consumidor, as empresas estão partindo para outros tipos de estímulos sensoriais. Segundo a American Academy of Pediatrics (USA) as crianças americanas até 12 anos são submetidas a mais de 40.000 comerciais de TV por ano, uma média de 109 por dia. Nesse ritmo, ao atingirem 65 anos, terão visto quase dois milhões de comerciais, o que equivale a seis anos inteiros assistindo televisão oito horas por dia, sete dias na semana! Mole? Alguém consegue lembrar de uma propaganda de televisão que chamou a atenção? E, pior: são praticamente preparadas por poucos staffs, o que dá a impressão que são cenas parecidas, com as mesmas vozes ao fundo e os mesmos autores. Quantas vezes estou em um ambiente longe da TV e pergunto aos pimpolhos: “Vocês estão assistindo novela em canal aberto?”. E eles respondem: “Não pai: é um comercial de brinquedo em canal fechado!”. Não preciso explicar que o voicemaker é o mesmo. Isso também acontece nas várias propagandas de diferentes empresas de diferentes ramos para diferentes nichos! Ou seja: estes anunciantes promovem a saturação de dois de cinco sentidos estimulados, além de tentar promover a igualdade de coisas que não deveriam estar no mesmo pacote. Resultado: não estamos mais ligando para propagandas em TV.
E o que tudo isso vem dizer às startups? Que vocês terão de aprender com a mmartam a tornarem suas marcas únicas, ou vão fazer propaganda para outrem, como o caso da propaganda de brinquedo que citei acima, mostrando o quão versátil é o voicemaker. Portanto, o desenvolvimento de uma marca sensorial única vai ajudar sua startup a criar uma ordem imaginada contundente, ao ponto de você poder diversificar seus negócios não pela inovação, ou players, ou tecnologia, mas pela fato da marca em si. Em qualquer lugar do Brasil em que eu chego, se ouço alguém falar em UFRN, já chego junto. Se vejo algo com a inscrição UFRN, tenho a sensação de segurança e credibilidade. Entro!
Criando uma Ordem Imaginada a partir de uma Marca Única
Considerando estes exigentes clientes: Paladar, Audição, Tato, Olfato e Visão, os quais eu abreviei por PATOV, a startup tem de tentar promover a sinestesia dos sentidos ao criar a própria marca. Ou seja: você tem de criar uma marca cujo baricentro dos sentidos seja igualmente estimulado. Eita “pleura”, que diabos é isto? Deixa eu desenhar. Olhem para a estrela azul cujos únicos sentidos estimulados são a Visão e Audição. Uma estrela deformada.
Estrela Deformada
Essa estrela representa o que a maioria das startups faz com a própria marca. Com este tipo de estímulo bidimensional, sua marca será confundida com muitas, causando o efeito de propaganda para o concorrente alheio, como expliquei em A jornada do empreendedor . Sua propaganda, seu estímulo, tem de levar o consumidor de volta à própria startup. Têm de ser únicos! Imagine todo o esforço da mmartan fazendo os consumidores correrem para outra loja? Assim, este estímulo 2D não ajuda essa estrela brilhar. Nem a sua!
Olhemos agora para a estrela azul, com uma bola laranja no meio! (Não me culpem. Joguei basquete por quase 20 anos. Para mim, é uma forte ordem imaginada. Me trás boas lembranças!). Pois bem, à medida que a marca de sua startup, produto, estimula mais de um sentido, nesse caso os cinco, cria-se um centro de equilíbrio central, o qual eu chamo de Baricentro Virtual. O pessoal que entende diz que 80% da comunicação é não verbal (chequem isto, por favor!), o que explica a preferência por entrevistas de emprego do tipo presencial, do contrário, o skype ou hangout, que usam apenas o V e o A do PATOV, resolveriam.
Assim, em brainstorming com seus parceiros, procurem identificar qual dos pontos – ou letras do PATOV, seu produto ou serviço não está alcançando. Quanto mais próximo de uma estrela perfeita sua marca, seu brand, estiver, mais próximo você estará de criar uma conexão emocional com seu cliente e, como expliquei em alguns artigos passados, a propaganda boca-a-boca, que é a mais eficiente de todas até hoje, será o fio que criará a ordem imaginada buscada pelas marcas que querem se perpetuar no Mercado. A UFRN já tem o brand e a ordem dela. Busquem criar a “bola laranja”. Isso é tão importante que coloquei um “brand” bem grande em meu nome: Brandão. (He, he: sem comentários!).
É importante distinguir Marca de Logo. O Logo é apenas o símbolo. A Marca, segundo o professor Philip Kotler, tem pelo menos seis níveis de significância: benefícios, atributos, valores, personalidade, cultura e usuário. Logo, a Marca contém o Logo.
Só para se ter uma ideia da força do brand e da ordem imaginada, alguém aqui suspeita a qual shopping me referi quando falei na mmartam? Em que prédio se pensou quando falei no cruzamento da Salgado Filho com a Bernardo Vieira? Perceberam o poder disso? O nome do prédio, com certeza, veio à mente de vocês instantaneamente. Nem precisei falar.
Bom, deixa eu ir ali consolidar as notas do semestre no SIGAA. Do contrário, esse ser imaginário vai me sinalizar através do contracheque. Imagina se existisse!
Referência:
American Academy of Pediatrics (USA)
A coluna Empreendedorismo Inovador é atualizada às quartas-feiras. Gostou da coluna? Do assunto? Quer sugerir algum tema? Queremos saber sua opinião. Estamos no Facebook (nossaciencia), Twitter (nossaciencia), Instagram (nossaciencia) e temos email (redacao@nossaciencia.com.br). Use a hashtag #EmpreendedorismoInovador.
Leia a edição anterior: Esqueça as Patentes: a Inovação está nas Nuvens!
Gláucio Brandão é gerente executivo da inPACTA, incubadora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Gláucio Brandão
Deixe um comentário