Para responder a essa pergunta aparentemente simples, o professor Gláucio Brandão dá dicas e ensina o caminho a seguir
Por que é que as perguntas mais simples não são tão simples de serem respondidas? Exemplos: “Por que o céu é azul?”. Ou uma, com a qual meu filho mais novo me presenteou um dia destes e me fez pensar na forma, e não no conteúdo, de como perguntamos: “Papai, dá para abrir uma porta sem quebrar ela?”. Olhei para a porta da sala e vi que, literalmente, não abrimos a porta e sim a sala. A porta continua inteira! Abrir portas é coisa para bombeiro ou marceneiro, e custa caro repor! As crianças e sua ausência de barreiras…
Olhando para a pergunta que encabeça esta coluna, feita por aluna nossa, a qual chamarei por “Cris”, vejo que apenas a forma da pergunta é que é simples. A complexidade está no conteúdo. A famosa equação de Einstein, que relaciona energia e massa, só possui cinco caracteres: E,=,m,c,2. Muito simples! Colocá-los na ordem certa é capaz de produzir muita energia boa para a humanidade, como é o caso da energia nuclear. Colocá-los na mesma ordem e entregá-las em mãos erradas, mudando o propósito da mesma equação, pode-se destruir mundos, como é o caso também da energia nuclear! Colocar na ordem certa (…) a mesma energia (…) mãos certas ou erradas (…) Dá o que pensar!
Em menor escala, mas considerando a startup uma energia concentrada, podemos produzir os mesmos efeitos. Criar coisas (para as pessoas) ou desperdiçar esforços (tentativa e erro – veja por este lado: maior a incerteza, maior o ganho!) dependerá das mãos certas (equipe e parceiros), da ordem imaginada correta (propósito ou proposta de valor) e de recursos para manter a equipe motivada, pois toda aventura tem um custo. Este será alto, se o retorno for baixo. Assim, a forma dessa energia se manter por muito tempo está na capacidade de “explodir” como uma reação em cadeia – átomo a átomo, em grande escala – a qual, em termos de startup, estão nas características de repetibilidade e escalabilidade!
E então Cris, dá para começar por aí? Mas saiba que usarei bem mais do que cinco caracteres, pois não tenho o cérebro do Albert e nem pretensões de um Nobel!
Primeiro de tudo: “O que é uma startup?”
Pegando o conceito de Eric Ries, o guru do movimento Lean Startup, pode-se dizer que “uma startup trata-se de um grupo de pessoas à procura de um modelo de negócios repetível e escalável, trabalhando em condições de extrema incerteza”.
A parte de “um grupo de pessoas” é óbvia. Ser “repetível” diz respeito a produzir e entregar o mesmo produto sem onerar a própria estrutura. Em outras palavras, produzir mais sem investir um vintém, o que dá um aumento das vendas com um custo marginal zero. A Netflix, por exemplo, entrega o mesmo filme a diferentes clientes sem alterar sua estrutura e, praticamente, sem incremento de custeio. A característica “escalável” remete ao ato de poder crescer indefinidamente, contemplando uma demanda reprimida e criando outra. “Trabalhando em condições de incerteza” é a mais fácil de explicar: estamos no Brasil!
“Modelo de Negócio” é como a startup transforma seu trabalho em dinheiro. Pode ser por clics em seu site (Google), downloads de aplicativos (games em geral), acesso a músicas (Spotify), chamada por serviço (iFood), transações financeiras (Fintech) etc.
O que “pega”, na verdade, é a “proposta de valor”, aquilo que dá sustentação ao modelo de negócio; a razão de existir da startup; aquilo pelo qual os clientes apostam e aportam seu “cascalho”. Como encontrar ou criar uma proposta de valor que mantenha o modelo de negócio robusto? Onde encontrar problemas para resolver? Como gerar auto-oportunidades?
Olhando para o Brasil, temos um campo fértil em problemas. Mas cérebros sujeitos aos mesmos problemas tenderão a trabalhar no sentido de resolvê-los da mesma forma. Embora o resolvam, soluções iguais não geram inovação. Talvez para quem partir à frente. Soluções iguais não alimentam startups. Problemas iguais não resolvidos sim, pois geram escalabilidade.
Gerando auto-oportunidades
Primeira dica: Em Criando inovação através do pensamento por princípios, descrevo, a partir de um tipo de raciocínio muito utilizado por Elon Musk, como observar o que já funciona e tentar eliminar o raciocínio dito por analogia, seguindo os passos:
Lá eu explico como o australiano da Tesla parte de um carro convencional e chega ao autônomo. O carro continua fazendo a mesma coisa. É o pensamento por analogia que sustenta a inércia psicológica. É o pensamento por analogia que faz com que você utilize o termo “abrir” ao invés de “mover” a porta. O que se quer é abrir a sala. Nesse caso, abrir a mente. Assim, olhando para o que já funciona e reduzindo suas funções pouco eficientes aos princípios fundamentais, teremos uma grande chance de gerar auto-oportunidades.
Segunda dica: Gerada a oportunidade, sugiro em Como criar criatividade, a partir de coisas comuns e criar coisas diferentes, usando os seguintes eventos:
Agora ficou “facim, facim”, né não? Encontro um problema, reduzo-o aos seus princípios, detecto algumas anomalias, procuro por requisitos insolúveis e, para fechar com chave de ouro, conecto aquilo que, em princípio, parecia ser inconectável! Pronto: tenho a minha proposta de valor matadora!
Mas deixa eu conectar tudo então. Olhando para a figura da Forbes, a qual aponta os vinte principais motivos que fazem as startups quebrarem, o motivo que encabeça “não atender a uma necessidade do Mercado” ganha de todos os outros dezenove com ampla margem de vantagem. Ou seja: produtos/serviços que ninguém precisa podem ser entendidos como produtos que já existem ou que cumprem função nenhuma. Você tem de pensar em um produto, modelo de marketing, serviço diferente. Logo, se vai partir para criar uma proposta de valor, passe por estes dois filtros que recomendei e você terá uma grande chance de gerar auto-oportunidades.
Como criar uma startup: a receita!
Finalmente, respondendo à pergunta de Cris, agora vem o mais simples, a aventura: vamos botar tudo isso em um Canvas. Começando por uma proposta de valor consistente, veja se você resolve mesmo a bronca de um nicho de clientes através do encaixe problema-solução, validando sua hipótese com questionários. Ao mesmo tempo, tenha certeza de que está com a galera certa. Veja se suas habilidades pessoais se complementam. Comecem a desenvolver protótipos e, quase que imediatamente, testem com clientes do coração. Deu certo, o feedback foi positivo? Temos então um produto minimamente viável. Hora de investir mais no produto e testar em outros nichos, para não termos uma validação viciada. O feedback se repetiu? Bom, invista agora cash, de preferência dinheiro novo, externo ao grupo. Continua dando certo? Massa então: comece a pensar em uma outra solução adjacente, pois o mar vai ficar vermelho daqui a pouco. Voltamos ao início então!
Agora, Cris, que terminei a epopeia, posso dizer que muitos problemas do mundo podem ser resolvidos de forma simples, utilizando apenas sete caracteres. Basta combinar a boa energia com as mãos certas, direcionadas a propósitos sustentáveis.
Para você ver como o simples ato de “abrir” uma porta, sem quebrá-la, dá o que pensar!
A coluna Empreendedorismo Inovador é atualizada às quartas-feiras. Gostou da coluna? Do assunto? Quer sugerir algum tema? Queremos saber sua opinião. Estamos no Facebook (nossaciencia), Twitter (nossaciencia), Instagram (nossaciencia) e temos email (redacao@nossaciencia.com.br). Use a hashtag #EmpreendedorismoInovador.
Leia a edição anterior: A jornada do empreendedor
Gláucio Brandão é gerente executivo da inPACTA, incubadora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Gláucio Brandão