O que falta aos cursos das Sociais Aplicadas e Engenharias? Disruptiva

quarta-feira, 28 novembro 2018

Gláucio Brandão observa que empreendedorismo pouco aparece na estrutura curricular dessas áreas e sugere uma renovação geral

Antes que alguém queira criticar um engenheiro eletrônico que nunca leu Chiavenato e não sabe o significado de TGA – claro que a Wikipedia já me entregou este significado: Teoria Geral da Administração – e que está por detonar alguns conceitos da rainha dos Cursos das Ciências Sociais e Aplicadas (CCSA), a ADM (embora não tenha intimidade, vou chamar a Ciência da Administração por este alcunho mais curto por simplicidade vernácula). Vou poder fazê-lo pelo simples fato de a ADM ter me dado este cabimento há alguns anos, idos de 2007, quando criei a primeira incubadora da UFRN, o NATA. Para este modesto texto, incluam, em ordem alfabética, as Ciências Contábeis, Direito, Econômicas, da Informação, Serviço Social e Turismo na sigla ADM, pois todas têm esta como raiz.

Neste período, vários estudantes da ADM vieram ao meu encontro, solicitando orientação acadêmica, já que, na visão e audição deles, eu deveria ser uma espécie de guru. É aquele ser que fala por parábolas, que aparenta sapiência sobrenatural, um calma infernal, que parece ter todo o conhecimento do mundo entre as orelhas e, curiosamente, todo mundo diz entendê-lo, por mais intricado que sejam seus desensinamentos! Bom, se essa não é a definição de guru, era a minha… pelo menos na época. Com uma diferença: fazer me fez pensar como aprender. Por outro lado, pensar no modo “introspecção contínua e concentrada” como um guru, não garante execução de tarefas. E é por aí que vou “cutucar” a dama ADM – por favor, peço que os outros cursos também se sintam cutucados! – pois estava acontecendo algo muito estranho, algo que já registrei no querido portal Nossa CiênciaA educação que precisamos aprender.

Administração e Engenharia

Nunca me considerei um professor, mas um engenheiro que dá aulas. Sendo assim, gosto de modelar com números. Então, fiz um exercício simples para tentar saber por que uma galerinha da ADM foi ao meu encalço: perscrutei, literalmente, a grade do curso de ADM e, para fazer jus às críticas que vou lançar também às engenharias, fui vasculhar aquela que está mais próxima da ADM: a Engenharia de Produção. Vou chamá-la de Produção!

Procurando pelas palavras-chave “Estrutura Curricular” no “pai dos burros digitais”, para ambos os cursos, obtive os seguintes resultados: na grade-ADM contei 48 disciplinas obrigatórias e 67 optativas, portanto 115 disciplinas. Na grade-Produção achei 53 obrigatórias e 25 optativas. Essa soma nos dá redondos 78 componentes. Juntando tudo chegamos a 193, quase 2 centenas de matérias, utilizando o linguajar de meu tempo. O SIGAA entrega tudo!

Vasculhei as grades atrás daquelas disciplinas que lidam com o que há de mais novo e de maior potencial no mundo dos negócios, o feijão-com-arroz das empresas que estão vingando no mundo e que, segundo especialistas, “vai passar”, como diria o poeta. Para cada uma delas coloquei um número, representando as vezes que as encontrei em cada um dos cursos. Seguem os resultados: Empreendedorismo (ADM=Produção=1); Gestão de Projetos(ADM=0/Produção=1); Gestão do Conhecimento(ADM=0/Produção=1); Inovação(0); Propriedade Intelectual(0); Startup(0); Modelo de Negócios-Canvas(0); Validação de Produtos(0); Big Data ou Grandes Números(0); Inteligência Artificial(0); Criatividade(0); Business Intelligence(0); Tração de Mercado(0); Growth Hacking ou Escala(0). Também vasculhei os outros cursos do CCSA, e, fora do eixo ADM, encontrei apenas a disciplina optativa CON4709 – EMPREENDEDORISMO PARA CONTADORES em Contábeis. Claro que foi uma busca injusta, pois não tive como ler todas as ementas. Mas, nesse caso, espero que a máxima “inferir o conteúdo das disciplinas pela capa” não esteja tão distante.

Já consigo escutar minha co-orientanda do mestrado de inovação e colega de bate-papo em inovações aleatórias, Janaína “Seridó” Dantas, soprando: “Você é triste, professor. Não acredito que fez esse levantamento?”. E eu consigo me ouvir dizendo para ela: “Triste são essas grades, essa menina!”. Também já posso ver minha querida diretora do Núcleo de Apoio à Gestão da Inovação da FIERN, Susie Macedo, tentando puxar minha orelha. Nesse caso, a altura me dá uma vantagem temporária. Coincidentemente, ambas administradoras.

Voltando ao relato, junte-se a tudo isso o que o fato de que 80% das carreiras atuais não existirão mais em 2030, que se prevê que a maior empresa de 2030 será uma escola online (ainda não criada), que Harvard, o MIT e Oxford já entregam alguns cursos, do hall do CCSA, 100% a distância via plataforma edX e percebe-se como estas duas grandes escolas da Universidade brasileira, ADM e Produção, estão precisando fazer um remake.

Por tudo isto foi que, algum tempo depois, comecei a entender porque os pupilos da ADM foram procurar um engenheiro-guri (não por ser novo, mas por ser novato), não iniciado na arte do guru Chiavenato, para ter una conversación com ele! Admirável mundo novo…

“Cara” empreendedora do MIT em 2014

O que está acontecendo?

O mundo mudou de forma muito rápida nestas décadas pós www. A Universidade brasileira nem tanto. Em palestra de inauguração da incubadora Inova Metrópole nos idos de 2013, no Anfiteatro-B do Centro de Ciências Exatas da UFRN, abri uma live com o profícuo empreendedor gaúcho Vítor Pamplona, o qual está conquistando os States com sua startup EyeNetra. Ao vivo e em cores perguntei ao boy egresso da UFRGS, dado ao sucesso do rapaz, qual a diferença entre a Engenharia de lá e a de cá. A resposta veio à queima roupa: “Na teoria, vocês são melhores!”. A plateia, de umas 150 pessoas, foi ao delírio. E aí ele continuou: “Mas (sempre tem um mas) na experimentação prática…”. E, para fulminar ainda mais: “além da experimentação, aqui somos obrigados a empreender”. Touché, Vítor! Preciso dizer mais alguma coisa? Preciso explicar por que egressos do MIT tinham gerado 30.000 startups em 2014, que juntas empregavam 4,6 milhões de pessoas e geravam uma receita de US$ 1,9 trilhões.

Os conceitos da Lean Startup e do Design Thinking pregam o ciclo: construir, medir, aprender e “errar mais rápido para ter sucesso mais cedo”. Não dá para esperar “o canudo” para depois começar a testar. Aí já foi. Caixão e vela preta! E isto é o que está acontecendo: nem simular, simulamos. Nem ensinamos a isto. Estamos saindo dos bancos universitários teóricos pré-www, não cientistas, como se costuma propagar. Cientista experimenta!

Novos Negócios: Negócios Inovadores

Já falei mal do pessoal das Sociais Aplicadas e das Engenharias. Então, para facilitar as coisas, vou desenhar. Olhe a figurinha vermelha e azul! Inovação é prática! Aprende-se a pensar melhor quando se parte por este caminho, pois se recolhe pareceres e busca-se uma ciência dedicada para resolver tais broncas. Aquelas ladainhas emitidas por um lado falando que “os profissionais formados pela universidade não servem para nossas empresas” e “as disciplinas que são oferecidas aqui estão ultrapassadas” têm de acabar. Todos sabem o motivo: professores insistem em ser gurus, em ter todo o conhecimento e atualizado sem a vivência, só adquirida pela prática. São repassadas informações desconectadas da realidade, que carecem de atualização. A indústria não aposta na universidade. Literalmente, nem um centavo. Não interage. Não convida e nem abre seus portões para que se possa adentrar! É um briga de surdos-mudos! Claro, existem os cases, os quais abomino!

Inovação é prática. Universidade brasileira, literalmente, no vermelho.

Claro que este parecer é uma autocrítica. Posso fazê-la, pois estamos nos mexendo, assim como meu grupo de pesquisa que vem atuando na implementação de incubadoras, cursos de pós-graduação, de graduação, inúmeras pesquisas e projetos de extensão há mais de 10 anos na linha do empreendedorismo inovador. Mas isso só não basta. Não dá para ficar esperando pelo próximo REUNI. Somos um case. Eu abomino cases!

Algumas pessoas ficarão um pouco pensativas ou chateadas com a visão de mundo que coloco aqui, mas penso que viver é despertar emoções. Don’t you agree?

Com a palavra o pessoal das Sociais Aplicadas e Engenharias.

Referências

A coluna Empreendedorismo Inovador é atualizada às quartas-feiras. Gostou da coluna? Do assunto? Quer sugerir algum tema? Queremos saber sua opinião. Estamos no Facebook (nossaciencia), Twitter (nossaciencia), Instagram (nossaciencia) e temos email (redacao@nossaciencia.com.br). Use a hashtag #EmpreendedorismoInovador.

Leia a edição anterior: Inovação ou Qualidade?

Gláucio Brandão é gerente executivo da inPACTA, incubadora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Gláucio Brandão

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