100 anos da Primeira Guerra Mundial Coluna do Jucá

quinta-feira, 22 novembro 2018

Uma ilusão autodestrutiva envolveu na guerra os avanços científicos e tecnológicos de maneira nunca antes vista

Há mais de 100 anos, em 11 de novembro de 1918, encerrava-se a Primeira Guerra Mundial. A loucura autodestrutiva desse episódio resultou na morte de milhões de pessoas. Os senhores da guerra foram muito bem-sucedidos em transformá-la em um evento tecnológico. Submarinos, aviões, metralhadoras, tanques e comunicação sem fio, para citar alguns exemplos, mostraram como os interesses políticos e ideológicos podem nortear as aplicações tecnológicas.

Tais interesses também encontraram refúgio em parte da comunidade científica da época, inserindo-a em ilusões descabidas por meio da militarização da química acadêmica e industrial. A destruição em massa causada pelas armas químicas − os símbolos da guerra − mostraram para o mundo como se pode fazer uso dos avanços científicos com finalidades sobre as quais não faz sentido falar em razão, pelo menos sob uma perspectiva civilizatória.

Talvez grande parte da geração nascida em meados da década de 90 desconheça a música A Canção do Senhor da Guerra, de autoria de Renato Russo. Com a morte do cantor e compositor da banda Legião Urbana em 1996, a banda encerrou suas atividades e músicas, como a citada, saíram da vitrine. Um trecho da letra dessa música, a qual era cantada por uma geração inteira, dizia que a guerra “gera empregos, aumenta a produção // Uma guerra sempre avança a tecnologia, mesmo sendo guerra santa, quente, morna ou fria”.

Fritz Haber, ganhador do Prêmio Nobel de Química em 1918, e considerado por muitos como o pai da guerra química.

A prova disso fora o desenvolvimento de um método economicamente viável de fabricação da amônia pelo alemão Fritz Haber, o que lhe rendeu o Prêmio Nobel de Química em 1918. Houve ainda o aperfeiçoamento industrial desse método (processo Haber-Bosch), por Carl Bosch e Friedrich Bergius, o que também lhes renderam o Prêmio Nobel de Química em 1931. O aperfeiçoamento tecnológico desse processo foi revolucionário para época, tendo o mesmo sido empregado, entre outras coisas, para a produção em larga escala de matérias-primas utilizadas na fabricação de explosivos durante a primeira guerra mundial.

A tecnologia de alta pressão desenvolvida no processo Harber-Bosch permitiu ainda a Fritz Haber o desenvolvimento e aperfeiçoamento de armas químicas, como o gás cloro, o qual fora condicionado em cilindros como cloro líquido e utilizado na segunda batalha de Ypres, na Bélgica, em 1915. A utilização de armas químicas desencadeou uma corrida científica/tecnológica por parte de outros países para a fabricação de artifícios semelhantes com uma característica em comum: a capacidade de aniquilar em massa os inimigos. Os gases mostarda e fosgênio refletem bem esse cenário, inclusive nas consequências horrendas advindas dos seus usos.

Roupas de proteção contra ataques químicos durante a primeira guerra mundial Fonte: National Archives and Records Administration (The New York times 2018/11/10)

A história da guerra, as suas consequências, os seus desdobramentos, os vestígios ambientais duradouros deixados durantes os combates, as ideologias, a ganância, a arrogância, a vaidade, os sentimentos supremacistas, a aversão ao outro ou mesmo o desejo de subjugá-lo, mostram com clareza que, num momento posterior ao ocorrido, não há razão que justifique os horrores da guerra. Antes do início de uma guerra parece que o presente não consegue reter a razão, apenas o futuro – no momento da assinatura do armistício.

Hoje, os avanços científicos e tecnológicos podem disponibilizar um arsenal de armas muito mais eficientes − entenda-se letais − e diversificadas, que podem ter como alvo qualquer indivíduo. A ilusão descabida que marcou a presença das armas químicas no primeiro conflito mundial também se fez presente no segundo, só que dessa vez por meio das armas nucleares. Espera-se que não falte razão para impedir o uso de armas biológicas, ou até mesmo um consórcio das três, num eventual terceiro conflito mundial.

Que a história centenária dos avanços científicos e tecnológicos utilizados como armas de guerra sirvam de inspiração e vinguem como fantasmas que assombraram a humanidade apenas nas histórias de ficção científica.

Referências

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Thiago Jucá é biólogo, doutor em Bioquímica de Plantas e empregado da Petrobrás.

Thiago Jucá

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