Com quantos orientandos se monta um orientador? Ciência Nordestina

terça-feira, 20 novembro 2018

Helinando Oliveira mostra de onde surgem os números da produção docente e explica "o big crunch da ciência”

-Dizem que as pós-graduações formam poucas pessoas porque os professores orientam poucos alunos. Com isso, chegam ao número mágico de oito por orientador.

– Dizem que a carga horária de aula mínima pode ser de 300 horas/ semestre e que ainda assim sobraria tempo para complementar salário em faculdades privadas.

No entanto, a Universidade e os Centros de Pesquisa carecem, de fato, de infraestruturas tangíveis e intangíveis.

São necessários prédios de laboratórios, equipamentos, alunos, mas também um clima favorável à criação. Clima este que não combina com opressão.

Da mesma forma que uma loja de departamento faz seus clientes se sentirem modelos desfilando e uma pizzaria faz sentir o cheiro da massa no forno, a Universidade precisa exalar sentidos de ciência, ela é o solo sagrado do processo criativo. E a produção de ciência está muito mais para pintura de um quadro do que o apertar de um parafuso.

Estabelecer linhas de produção, métricas e prazos guiados pelo mercado é impor limitação ao livre pensar da Universidade, tornando-a mais um setor de P&D das empresas. No entanto, a lógica é contrária. A produção de conhecimento sobeja startups – as jovens empresas são frutos da produção de conhecimento. O mercado depende da Universidade e não o vice-versa.

De todo modo, didaticamente, seria bom entender de onde surgem os números mágicos de produção docente, gritados aos quatro ventos por gente que nem imagina o que seja a atividade de pesquisa.

O fato é que se há de se respeitar a especificidade de cada área. Em algumas é possível orientar 25 pessoas simultaneamente, enquanto que em outras passar de uma orientação por ano pode ser uma temeridade.

Em algumas áreas é possível publicar dezenas de artigos por ano, enquanto que em outras são necessários anos para que um artigo seja publicado. E isso não significa que uma seja melhor que a outra. Elas são apenas diferentes e, portanto, incomparáveis.

O aspecto produtivista da docência desde muito tempo já descobriu e reconheceu que não se pode colocar diferentes em uma mesma métrica.

E a dedicação exclusiva confirmou que os índices que a ciência carece se dão com o docente imerso no livre pensar da Universidade, em tempo integral.

Reinventar a roda tem destes riscos: podem surgir aqueles que acreditem que se for quadrada, a roda pode girar melhor. Ou outros que queiram reviver o geocentrismo… Acender fogueiras para queimar aqueles que não acreditem ser a terra plana….

E enquanto isso, arde a campanha severa de desvalorização do pesquisador. Aquele mesmo que no alto de suas 300 horas de aula não consegue dar atenção a seus oito doutorandos e nem tão pouco consegue captar recursos para manter seu laboratório. Não dá atenção à família, enfim…

Cansado, ele sucumbe, colapsa, apaga.

Cai em um buraco negro, ao ver toda a sua luz ser esmagada pela força da gravidade.

Ele prova enfim do big crunch (colapso) da ciência, que sufoca a criação pelos índices de criar.

E assim nasce a subserviência.

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Leia o texto anterior: Resiliência científica

Helinando Oliveira é Professor da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) desde 2004 e coordenador do Laboratório de Espectroscopia de Impedância e Materiais Orgânicos (LEIMO).

Helinando Oliveira

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