Fazendo uma analogia com o ensino da pesca, o professor Glaucio Brandão mostra a importância de buscar um desafio inovador
“Não basta dar o peixe ao Homem, temos que ensiná-lo a pescar!”, diz um velho provérbio. Durante centenas de anos, este ditado recebeu várias adaptações, incrementos, decrementos, distorções, apropriações e por aí vai. Como toda Ciência que se preza tem por característica o falseamento, do contrário vira um dogma – como diria K. Popper, o contexto da inovação pede para tentarmos derrubar jargões de modo a modernizá-los… e torná-los Ciência. Sendo assim, acrescentarei minha visão inovadora ao ditado, sem pretensão alguma de torná-lo um marco, pois deixarei espaço para que outros possam falseá-lo.
A tilápia
Pegando um trechinho da Wikipedia, temos que: “As tilápias são peixes criados para alimentação humana, sendo a sua carne bastante apreciada, pois é leve e saborosa. Em algumas regiões o peixe é colocado nos arrozais, depois de plantado o arroz, onde cresce até ao tamanho pronto para consumo (12–15 cm), na mesma época em que o arroz está pronto para a colheita. A tilápia-do-nilo foi um dos primeiros peixes a serem criados em aquicultura pelos antigos Egípcios (4000 anos)”.
Estão vendo: é capaz de o ditado ter sido inspirado realmente na tilápia! Mas, cronologia à parte, escolhi a tilápia porque é um peixe que muito aprecio, de fácil cultivo, encontrado nos quatro cantos do país, sendo adequado à nossa analogia proverbial.
Retalhando a tilápia
Voltando ao ditado, sabemos que ele está ultrapassado. Vamos então à minha versão.
Admitindo que existe o peixe, vamos ter que ensinar a pescar. Este ato contém um método, já que precisa ser passado adiante. Quando isso acontece, nasce o dueto guru-pupilo. Este pupilo, por sua vez, terá de passar seu conhecimento para outro, de modo que a cadeia não seja interrompida e ele não precise sustentar outrem. À medida que se transfere o conhecimento, novas técnicas são acrescidas ao primeiro método. Pronto, nasce uma metodologia e com ela uma escola. Bum: faça-se a Universidade! Uma fatia da tilápia está agora com a universidade, que desenvolverá estudos para aprimorar cada vez mais a metodologia. Na sequência, percebendo o guru que pode ensinar a mais pupilos e que seu ato de ensinar é valioso e custa um pouco de seu tempo, faz um acordo com os guris de modo a ser retribuído por hora-de-ensino-pesca. Ou seja, a cada pesca realizada por guris-iniciados, ele recebe um percentil de pescado. Opa: crie-se o Comércio!
Alguém vendo este contexto de fora, e sabendo que o guru começa a ter excedente de peixe, resolve conversar com todos e propor uma logística de armazenamento e transporte para suprir regiões onde a pesca é escassa. Essa atividade faz criar, de uma só vez, o empresário, o atacado e o varejo, dependendo da quantidade de peixe a ser transportada. Mais adiante, sabe-se que nem toda parte do peixe pode ser aproveitada. A Universidade, estudando profundamente os resíduos descartados, sugere que pode utilizar a pele da tilápia para enxertos em pele humana, os ossos para farinha, as vísceras para adubo e mais: pode modificar o DNA da tilápia para torná-la mais resistente a doenças e ainda mais produtiva. Nascem, de uma tacada só, as Ciências Básica e Aplicada. E tem mais, a comunidade percebe que nem todos têm condições de aprender ou não podem mais pescar (Por vários motivos. Isto está na distribuição gaussiana!) e que terão de ficar dependentes de outros. Como não se pode deixá-los morrer de fome – o próprio guru já pode estar neste contexto, dada a idade – e que alguém deverá cuidar dessas questões de coleta e distribuição, surge o representante de classe e o programa social.
Observem que a tilápia já está para lá de retalhada. Mas não para por aí: alguns vão dizer que não comem a cabeça; outros preferem o filé. Alguns vão querer as barbatanas e a calda. Surgem então as classes sociais, as quais irão brigar por fatias específicas, gerando uma baita estratificação e a flutuação de preços. Não se pode cobrar por barbatanas o mesmo que se cobra pelo filé! As tilápias modificadas, criadas em cativeiro, vão exigir alimentação diferenciada, ao mesmo tempo em que produzem mais dejetos do que a natureza pode dar conta. Crise ambiental, dirão. Nascem os Ecologistas!
Muitos atribuírão consciência à tilápia. “Essa tilápia foi minha avó em outra encarnação. Ela parece com um tio distante”. Pronto, a espiritualidade está implantada!
No cativeiro, observa-se que a tilápia limpa bem o arrozal. Sugere-se então que uma tilápia mais rápida e com melhor visão poderia limpar o plantio de pragas de forma mais eficiente. Desenvolvem-se e implantam-se órteses e olhos biônicos na tilápia. Surge a tilápia-borg.
Embora a logística implantada inicialmente funcionasse bem, o preço de algumas partes da tilápia fez com que algumas partes dela “se perdessem” no caminho, não chegando ao consumidor final. Os desvios, agora inerentes ao processo, dão início à corrupção.
Bom, e não tendo mais nenhuma parte da tilápia a ser retalhada, aquele comerciante do início, cobrado pelos clientes desejosos, começa a ser cobrado pelo produto. Não tendo saída, empenha promessas de entrega da tilápia, ora pedindo adiantamento por uma tilápia que nem sequer existe – totalmente virtualizada, ora inflacionando o preço para fornecer o produto de forma mais rápida, ora pegando tilápia em outra comunidade. Tem origem o Mercado de Ações.
A Tilápia da Inovação
Agora que mostrei meu ponto de vista, fica mais fácil explicar meu desejo de acrescentar mais “um ponto ao conto”. A Universidade precisa ampliar a visão de seus pupilos, e de seus gurus, para a nova maneira de se pensar a pesca. Ignorar ou não observar o que está acontecendo no “ambiente pesqueiro” nos deixa atrasados socialmente. Colocar pupilos nesse novo barco, com novas redes e descortinando o que está além do peixe, é um desafio inovador.
Assim, o novo provérbio a ser seguido pela Universidade deveria ser: “Não basta dar o peixe ao Homem, temos que ensiná-lo a entender a Tilápia da Inovação!
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Leia a edição anterior: Precisamos de estudantes 7.5
Gláucio Brandão é gerente executivo da inPACTA, incubadora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Gláucio Brandão
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