Criatividade e atitude empreendedora são itens que devem completar os estudantes universitários para aproximá-los das empresas e do mercado
Dia após dia, sou confrontado com questões bipolares, aquelas questões que te colocam na posição de marisco, lutando contra o rochedo e a maré. Posicionarei no rochedo a Universidade, dado ao arsenal de conhecimento pesado e quase estático, já que as mudanças científicas, e de postura, acontecem de forma linear, incremental e previsível; nomearei o Mercado de maré, dada à sua volatilidade, crescimento não linear, exponencial e imprevisível. Sobra para gente o marisco. E o porquê desta analogia? Vou clarear com frases que ouço do Mercado, quando realizo capacitações junto a empresas, e em sala de aula, meu ganha-pão diário. “Professor, os estudantes que estão saindo da Universidade estão dessincronizados com nossa realidade!”. E, do outro lado: “Professor, isso aí que o senhor ‘tá dando’ serve para que mesmo?”. Bem, sendo docente, sou ou não sou o marisco?
Para que serve a Universidade? O que o Mercado necessita?
A Universidade entra como aquele ente que te dá o embasamento instrucional para que você consiga entender tudo que a humanidade tem feito até agora. É um grande repositório de ideias, de fatos, de ferramentas que nos são dadas para que possamos aprender a errar diferente. A esse conjunto histórico eu chamo de Ciência Congelada (Sinceramente, não sei quem disse isto, nem se fui eu mesmo, mas acho essa frase bonita!). Ela se configura como um ritual o qual, ao se submeter, nos é forçado uma mudança drástica de mindset. Ou seja: mesmo que você não saia dela, o ato de entrar, ou de querer entrar, te força a pensar diferente. Assim, ela serve para te dar uma nova visão de mundo. Já o Mercado, em minha visão, é a fonte de troca. Ele contém o complemento daquilo que não temos habilidade de fazer. Engenheiros trocam seus engenhos por comida. Cozinheiros trocam seus quitutes por engenhos, para ficar em um exemplo curto e simples. Ao modo de equalizar isto já deram o nome de moeda, a qual, em minha opinião, é apenas a forma líquida do trabalho, o que torna a troca de engenhos por quitutes mais ágil. Bom, então, onde está o descompasso, se os engenheiros e os cozinheiros precisam ser forjados na Universidade e colocados no Mercado, ávido pelos dois? Existem funções para ambos!
Estudante mais-ou-menos
Há muito nossa cultura valoriza o Estudante 10, aquele cujo o IRA, Índice de Rendimento Acadêmico – por saudosismo, vou utilizar a sigla de meu tempo de UFPE – chega perto da perfeição. Esse estudante que não sai do trilho, fecha todas as provas, acostumou-se à criogenia da Universidade, de modo a colher o gelo de seu freezer e despejá-lo no papiro. Nada contra, mas sabemos que o produto tem uma dificuldade muito grande de se diferenciar do molde. Quando isto acontece, chamam de defeito. E aí é que está o problema, ou prob, como diz a galera. Se todo mundo sair igualzinho e o Mercado é volátil, como vamos encaixar as coisas? Muita gente vai “boiar”, e o resultado é óbvio!
Introduzamos então um outro perfil: o Estudante 7.5! Por coincidência, apenas obra do destino, quem me conhece sabe que este foi meu IRA na faculdade. Ninguém é perfeito… Mas, como um puro exercício metafórico, vamos utilizar este estudante imaginário.
O Estudante 7.5 está resignado. Não tem o peso crítico cultural imposto ao Estudante 10. É mais livre para errar sem ser notado, pra sair do trilho e experimentar outras paisagens. Nunca será lembrado: “Lembra daquele cara IRA 7.5?”. Porém, tem um grande desafio: preencher os outros 2.5 com alguma coisa, pois o cérebro sadio é aquele que trabalha 100%, além do fato da autoestima, quando confrontar o Estudante 10, e poder dizer “tenho outras habilidades, boy!”.
Preenchendo os outros 2.5
Vamos agora ao outro lado da moeda, quero dizer, do cérebro. A neurociência atribui ao lado esquerdo do cérebro a lógica e ao direito a criatividade. Isso para os destros! Ou seja: temos que treinar ambos os lados, se quisermos utilizá-los bem. Criamos então um bom álibi para a galera dos 7.5. Já que o Mercado precisa que se faça a conexão dele com a Universidade, por que não utilizar o lado criativo, inovador e dar-lhe a função empreendedora? Na verdade, a função empreendedora-inovadora, sendo bem estrito?
Ora, nossas instituições de ensino superior possuem espaços para a ciência empreendedora, chamados incubadoras. Sendo você um 7.5, já se questionou se a incubadora não é a sua outra cara-metade, ou melhor, sua cara-um-quarto, aquele espaço que faltava para completar seu 10, e, de quebra, o locus mais próximo do Mercado? O Mesmo vale para os habitantes do Mercado: será que se deveria bater à porta da incubadora ao invés da sala de aula, para cobrar a sincronia com o todo?
Chegamos então à resposta do impasse às duas perguntas colocadas lá em cima a este marisco: ambos, empresas e estudantes, não deveriam fazer as perguntas, mas se unirem de forma a construir essa ponte, pela qual devem fazer passar as insatisfações de ambos. A incubadora tem esse papel. Os estudantes, todos, devem reservar o espaço 2.5 para a criatividade. E, como em num passe de magia empreendedora, a sincronia acontecerá e o gelo será quebrado.
Em defesa dos 7.5, invoco Bill Gates, Steve Jobs, Mark Zuckerberg e Michael Dell, monstros da tecnologia que não concluíram uma universidade, ou se você preferir, eles “entraram e nunca saíram”. O IRA deles é, portanto, menor do que o do estudante imaginário citado acima.
Sejamos mariscos ativos e não simplesmente reativos pois, parafraseando uma música antiga,
“mexilhão que dorme a onda leva”!
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Leia a edição anterior: O Cliente Universal
Gláucio Brandão é gerente executivo da inPACTA, incubadora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Gláucio Brandão
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