Pesquisador da UFC colabora na descoberta de novo gigante gasoso similar a Júpiter que pode guardar segredos sobre um planeta como a Terra
Uma descoberta relevante até mesmo para o estudo de identificação de uma possível nova Terra. Essa é uma das possibilidades de um exoplaneta (planeta fora do sistema solar) até então desconhecido da ciência que foi descoberto por pesquisadores do Departamento de Física da Universidade Federal do Ceará (UFC), em parceria com outras universidades, nacionais e internacionais.
Localizado em um aglomerado de estrelas na constelação de Altar, o planeta foi batizado de IC 4651 9122B. Ele foi descoberto por uma equipe de dez cientistas de diferentes países, dentre eles o professor e astrofísico Daniel Brito de Freitas, coordenador do Stellar Team, do Departamento de Física da UFC. A pesquisa é liderada pelo professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Izan de Castro Leão.
Com aproximadamente 1,2 bilhão de anos de idade (é relativamente novo se comparado ao nosso sistema solar, que tem cerca de 4,6 bilhões de anos), o novo exoplaneta tem características similares a Júpiter, mas é ainda mais gigante que este: sua massa é, pelo menos, 6,3 vezes maior. Tanto isso quanto sua posição no sistema estelar favorecem condições para a formação de um ou mais planetas rochosos similares à Terra entre o planeta encontrado e a estrela a qual ele orbita.
Isso porque Júpiter cumpre, em nosso sistema solar, um importante papel de “protetor gravitacional”. Por conta de sua massa exacerbada, ele atua como uma espécie de escudo para asteróides, impedindo que estes saiam de sua órbita e cheguem até a Terra. Sem Júpiter, é provável que nosso planeta jamais tivesse tido tempo de se desenvolver biologicamente.
Como o novo exoplaneta também tem essa característica massiva, os pesquisadores dizem ser possível a existência de um outro planeta, tão protegido quanto a Terra, entre o 9122B e a estrela, assim como a Terra está entre Júpiter e o Sol. “Se houver algo lá, com certeza está protegido do ponto de vista gravitacional, então um planeta pode ter evoluído biologicamente”, diz o professor Daniel Brito.
Bamboleio gravitacional
A confirmação disso, porém, depende de uma série de outros estudos mais sofisticados. Para encontrar o 9122B, os pesquisadores usaram a espectroscopia através da variação da velocidade radial, que se baseia na mudança de cor da luz emitida pela estrela provocada pelo bamboleio gravitacional.
Por meio da variação dessa velocidade, é possível determinar não só as características físicas do objeto analisado, como massa e tamanho, mas também o movimento de afastamento e aproximação da estrela (como no vídeo abaixo). Em síntese, foi observando o movimento da estrela próxima ao exoplaneta que eles descobriram a existência deste.
“Visualmente, em um momento a estrela se afasta e, em outro, ela se aproxima. A diferença de comprimento de onda entre se afastar e se aproximar nos dá uma ideia de quem está interferindo no movimento da estrela”, explica o pesquisador.
Desse modo, é possível medir a velocidade com a qual ela se distancia e fica mais próxima, representada em um gráfico que determina essa oscilação (como na figura abaixo). A amplitude dessa oscilação vai dizer se o que está interferindo no movimento da estrela é muito grande ou pequeno. Por exemplos, o bamboleio que a Terra faz no Sol é mínimo, na escala de centímetros por segundo, enquanto a influência do 9122B na sua estrela está na escala de quilômetros por segundo.
Coletando a luz dos astros
Já para detectar o possível planeta entre a estrela e o 9122B, seriam necessárias técnicas como a fotometria, que, diferentemente da espectroscopia, coleta a luz dos astros. “Apontamos um instrumento em órbita para aquele aglomerado de estrelas e observamos se aparece alguma assinatura na luz emitida pela estrela. O grande problema é que um planeta tipo-Terra pode ser confundido com atividade magnética”, diz Daniel.
Para entender, imagine um eletrocardiograma com quedas acentuadas para baixo de forma padronizada. A distância entre cada queda representa o tempo levado pelo planeta para dar uma volta em torno da estrela. Ou seja, em algum momento, o planeta “cobre” a visão da estrela e há uma diminuição brusca na assinatura da luz (algo similar a um eclipse). Se essa queda é muito acentuada, significa que ali há algo tão grande quanto o exoplaneta descoberto.
Entre os pontos de queda, há ruídos que podem ser causados por muitas coisas, até mesmo pela própria atividade magnética da estrela. “Conseguimos ver um Júpiter porque ele obscurece muito o disco da estrela, bloqueando boa parte da luz”, ressalta o pesquisador. Já no caso de um planeta como a Terra, de pouca massa, a interferência na luz seria quase imperceptível, o que dificulta o trabalho de distingui-lo dentro do ruído.
Novidade na astrofísica
O que os pesquisadores precisam fazer é encontrar procedimentos matemáticos e computacionais para conseguir verificar, dentro do ruído, a assinatura de um planeta, algo que seria uma novidade para o campo da astrofísica. Isso permitiria até encontrar planetas em ruídos que já foram constatados antes, mas que não foram estudados a fundo.
O professor Daniel esclarece que isso é particularmente difícil se considerarmos o efeito natural da estrela, que está sempre borbulhando e pulsando. Essa pulsação periódica pode ser confundida, por exemplo, com um planeta em uma escala tão pequena quanto a da Terra. “Mas uma pulsação não pode jamais ser confundida com um Júpiter, porque a expansão e a contração precisariam ser muito grandes, algo que ninguém vê uma estrela fazendo.”
Uma outra saída é construir um espectrômetro capaz de detectar aquela pequena variação na velocidade radial da estrela. Um consórcio internacional do qual o Prof. Daniel faz parte busca a construção de algo que pode ajudar nessa tarefa: um espectrômetro de alta resolução para fazer medidas de espectroscopia de trânsito planetário.
A missão é chamada de NIRPS (Explorador de Exoplanetas no Infravermelho Próximo). Com ela, é esperado que no início da próxima década seja possível encontrar planetas como a Terra orbitando estrelas mais frias que o Sol, onde a zona de habitabilidade é mais próxima da estrela e, portanto, requer um tempo de observação menor do que o período orbital da Terra em relação ao Sol, que é da ordem de 365 dias.
O time
Os estudos do Stellar Team são desenvolvidos em parceria com universidades no mundo todo e com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte. A espectroscopia foi feita com o equipamento HARPS (um buscador de planetas por velocidade radial com alta resolução), acoplado a um grande telescópio localizado no Chile e operado pelo Observatório Europeu do Sul, parceiro do grupo.
A pesquisa que descobriu o IC 4651 9122B será publicada na conceituada revista Astronomy & Astrophysics e inaugurou a linha de pesquisa em exoplanetologia no Departamento de Física da UFC. Para o Prof. Daniel, a descoberta é um marco na história da ciência cearense, trazendo o estado para a elite mundial dos “caçadores de exoplanetas”. “Encontrar um exoplaneta não é uma tarefa fácil. Em 25 anos, a ciência descobriu pouco mais de 3.700 deles, dentro de uma gama de meio milhão de estrelas observadas”, diz.
Ele defende que esses são estudos que contribuem com a humanidade não só do ponto de vista tecnológico, mas também nos auxiliam a entender qual é nosso papel no cosmos, dada a grandeza do universo observado. “Todos os nossos conflitos estão encolhidos nesse ‘pálido ponto azul’ que chamamos de Terra. Se olhássemos mais para o céu do que para o chão e víssemos o reflexo de todas as pessoas no cosmos, talvez a humanidade fosse melhor”, acredita.
Veja uma reprodução gráfica e outras informações sobre o exoplaneta no site da Nasa.
Fonte: Agência UFC
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