Professor Cleverson Freitas conta como resgatou seu laboratório após um incêndio e alerta para a falta de investimento em segurança nas universidades brasileiras
A entrevista dessa semana foi realizada com o professor adjunto da Universidade Federal do Ceará (UFC), Cleverson Diniz Teixeira de Freitas. Cleverson é biólogo, com mestrado e doutorado em Bioquímica, todos pela UFC, onde já havia sido do quadro efetivo, como técnico de laboratório em Bioquímica. Já foi também professor adjunto na Universidade Federal do Piauí (UFPI), onde atuou como professor do Plano Nacional de Formação de Professor da Educação Básica (PARFOR); coordenador do Curso de Biologia e do Programa de Pós-Graduação Interinstitucional em Educação (DINTER) entre a UFPI e a UFRJ, além de ter sido vice-diretor do Campus Amilcar Ferreira Sobral-Floriano (CAFS-UFPI). O professor Cleverson está lotado no Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular, onde é o chefe do Departamento e orientador de mestrado e doutorado no Programa de Pós-Graduação em Bioquímica. Ele ainda é membro permanente da comissão de Biodiversidade e do comitê interno do PIBITI – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação da UFC, consultor externo do PIBIC – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), e consultor Ad Hoc da Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do estado de Pernambuco (Facepe).
Coluna do Jucá: Em março desse ano ocorreu um incêndio em seu laboratório, o qual foi destruído quase completamente. A fumaça, inclusive, se alastrou pelo prédio do departamento, causando pânico nas pessoas. Felizmente, não houve feridos. Você poderia comentar o que ocorreu?
Cleverson Freitas: A tragédia só não foi maior porque ninguém se feriu, mas foi muita sorte. O incêndio ocorreu a partir de um curto circuito em um ar-condicionado do tipo janeleiro. Este equipamento tinha mais de dez anos de uso e a Universidade não tinha, e continua sem ter, manutenção para este tipo de ar-condicionado. O interessante é que o equipamento de ar-condicionado não apresentava nenhum tipo de problema aparente.
O incêndio nos mostrou como a Universidade inteira ainda está despreparada para tal tipo de acidente. Primeiramente, os extintores de incêndio estavam todos vencidos e sem funcionar, mesmo a chefia tendo solicitado por várias vezes a troca/recarga. Isso fez com que o fogo não fosse controlado logo no início. Outro fato importante é que não existe brigada de incêndio no campus onde fica meu departamento. Na verdade, não sei se existe brigada de incêndio na UFC constante e disponível para ser acionada a qualquer momento. Este fato agravou os danos, haja vista que foi necessário esperar os bombeiros chegarem, por cerca de 30 minutos, para controlar o fogo, o que levou 20 minutos. Somado a isso, o departamento não possui detectores de fumaça ou alarme de incêndio, além da falta de escadas de emergência no piso superior. Para finalizar, não existe treinamento entre os funcionários, professores e estudante para casos como este. Todos estes problemas são comuns em toda a universidade, mas acredito que também no Brasil inteiro. Não são problemas exclusivos da reitoria atual, são problemas antigos que datam desde a construção dos prédios. Depois do ocorrido, várias reivindicações foram feitas pessoalmente ao Reitor, que prometeu fazer o possível para cumpri-las, mas reforçou a falta de recursos.
CJ: Em um período de escassez de recursos, e com cortes irracionais no orçamento destinado às universidades, como tem sido a restauração do laboratório? O mesmo já oferece condições para os estudantes da graduação e da pós realizarem suas pesquisas?
CF: As universidades e instituições públicas estão sofrendo grandes cortes orçamentários. Na UFC não é diferente. Os reitores têm que escolher o que é prioridade, pois o dinheiro não está dando para tudo, porque a Universidade cresceu bastante. Como consequência direta, nossa estrutura física está sendo deteriorada cada vez mais. Não falta apenas uma simples lâmpada ou torneira, falta, inclusive, uma empresa para fazer a manutenção de ar-condicionado ou de extintores. O que aconteceu em meu laboratório poderia ter acontecido com qualquer laboratório do Brasil, pois muitos estão na mesma situação. Quero reforçar que o problema é crônico e em todas as instituições públicas. Será que o incêndio que aconteceu no Museu Nacional do Rio de Janeiro, no dia 02 de setembro, foi ocasionado por falta de manutenção de equipamentos de ar-condicionado ou qualquer outro equipamento? É difícil responder essa pergunta? Não adianta “chorar o leite derramado”. O governo federal deve parar de esperar o buraco do barco aparecer para, só então, tampá-lo. Ele deve cuidar para que o buraco nunca apareça, pois pode correr o risco dele afundar antes do conserto. O que aconteceu no Museu Nacional é algo que não terá volta e não existirá dinheiro que reponha o acervo perdido. Não existem desculpas para o descaso que o museu vinha sofrendo.
A Reitoria, a Superintendência de Infraestrutura e o Centro de Ciências da UFC deram todo o apoio para a recuperação do laboratório. Contudo, tudo foi muito lento por falta de material e de pessoas para realizar as reformas necessárias. Tudo consequência da falta de recursos. Apesar da demora, mais de três meses, o laboratório ficou ótimo. Só tenho a agradecer pelo empenho dos gestores. Mas isso dependeu também do meu esforço contínuo. Comprei até moveis do meu próprio salário, por exemplo. Por outro lado, a Universidade não se comprometeu em substituir ou repor a parte dos equipamentos danificados e reagentes perdidos. São os colegas de trabalho que estão ajudando neste sentido, tanto do meu departamento como do departamento de Biologia. Agradeço bastante a todos eles. Atualmente, o laboratório está funcionando com 90% de sua normalidade, pois ainda falta o conserto de alguns equipamentos. O importante é que não paramos um dia de trabalho. Destaco também, o esforço de todos os meus estudantes e de outros estudantes do departamento em todas as etapas deste processo.
Figura: Foto do Laboratório depois do Incêndio (à esquerda) e depois da reforma (à direita).
CJ: Na indústria, os laboratórios atendem a exigentes normas de segurança, as quais, muitas vezes, baseiam-se em padrões internacionais. Nesses locais, as equipes, o que inclui as lideranças, também estão sujeitas a treinamentos rigorosos para lidar com situações de contingência. Falta essa mentalidade de segurança no ambiente acadêmico, ou a escassez de recursos impede adequações estruturais e treinamentos com vistas a ter um ambiente mais seguro?
CF: Na minha opinião falta sim essa mentalidade, consciência, a qual é mais imprescindível do que o dinheiro, porque um simples treinamento de evacuação do prédio em casos de emergência, assim como visitas ou palestras in loco sobre o assunto, não demandam tantos recursos financeiros. Essa consciência com a segurança é muito importante, porque mesmo em prédios novos, você não encontra esta preocupação com a segurança. Você não vê detectores de fumaça, alarmes de incêndio, ou ainda a presença de capelas de exaustão de gases nos laboratórios de química, por exemplo. Sem contar que não existe uma política de descarte e armazenamento de resíduos químicos.
Sobre as normas, o professor é cobrado de várias formas para manter seu laboratório adequado para a pesquisa. São várias legislações. Podemos citar o Certificado de Qualidade em Biossegurança (CQB) para quem quer trabalhar com organismos geneticamente modificados, por exemplo. São muitas exigências. O meu laboratório possui este certificado e para consegui-lo gastei dinheiro próprio para adequar o laboratório a todas as normas, pois se eu fosse esperar por recursos da universidade iria esperar por um longo tempo, e sem garantia nenhuma de consegui-lo! Assim, as pesquisas e orientações de estudantes estariam prejudicados, e, consequentemente, a publicação de artigos. Se não publicamos, não ganhamos projetos de pesquisa, assim não teremos dinheiro para realizar novas pesquisas. Ou seja, é um ciclo vicioso. Por este motivo, muitos professores fazem o mesmo: gastam do próprio dinheiro para adequar e manter os laboratórios funcionando perfeitamente. Essa parte muitos não sabem. A sociedade não sabe.
CJ: Enquanto gestor, você é o chefe de um departamento que possui um programa de pós-graduação, mas também já foi vice-diretor de um Campus Acadêmico. Considerando-se o aspecto gestão, e traçando-se ainda um paralelo entre ambos os contextos, quais os principais desafios a serem superados no âmbito da universidade pública em uma capital e no interior?
CF: Apesar dos problemas serem os mesmos nas capitais e interiores, como a falta de recursos e burocracia em tudo que é feito, o que contará no final serão as prioridades eleitas pela reitoria. Não é um trabalho fácil, principalmente neste período de cortes orçamentários. O que eu quero dizer é que a depender das prioridades listadas pelo Reitor, algo pode ser executado, ainda que haja restrições orçamentárias. Quando fui vice-diretor do Campus de Floriano-UFPI (200 km da capital Teresina), o reitor da época era sempre muito atencioso, fazia sempre visitas ao Campus e conversava com os professores e diretores sobre as necessidades e prioridades do Campus. Havia um diálogo constante. Com isso, o Campus melhorou bastante, mesmo com todas as restrições orçamentárias da época. Esse tipo de preocupação e visita in loco nos departamentos eu não vejo aqui na UFC. Nunca vi o reitor visitando o meu departamento e conversando com os professores sobre problemas e prioridades. Desde abril, quando ocorreu o incêndio, estamos esperando sua visita para avaliar as consequências do incêndio, assim como as providências tomadas.
CJ: Um levantamento feito pelo Diário do Nordeste mostra que o estado do Ceará perdeu 347 bolsas (Capes, Funcap e CNPq) de mestrado e doutorado entre 2015 e 2017. Um caso emblemático é o do pesquisador Pedro Edson Monteiro, que desenvolveu uma metodologia inovadora de mapeamento de cavernas. O trabalho lhe rendeu o prêmio de Melhor Dissertação de Mestrado em Geomorfologia, concedido pela União da Geomorfologia Brasileira, em 2017. Hoje, Pedro, é doutorando na UFC, mas sem bolsa. Como parecerista Ad Hoc de uma Fundação estadual de amparo à pesquisa, você considera que as pesquisas teóricas, em detrimento daquelas de caráter experimental, representam uma “melhor estratégia de sobrevivência”, considerando-se o contexto atual?
CF: A falta de recursos para financiar bolsas de estudo e a pesquisa está afetando todas as nossas universidades e instituições de pesquisa. Como consequência direta, muitos destes estudantes estão saindo do país, ou ainda, professores estão desistindo de fazer pesquisa. Triste realidade. A regra é simples: sem investimento em pesquisa não há tecnologia. Em pouco tempo, o Brasil voltará a ser um “mero exportador de banana”. Por isso que é importante que se tenha uma boa política federal e estadual de incentivo à pesquisa e ao desenvolvimento tecnológico.
Neste cenário atual, muitos professores e pesquisadores estão realizando parte de suas pesquisas no que chamamos de in silico (usando o computador). Contudo, isso não significa que suas pesquisas sejam simples ou sem relevância. Existem muitas linhas de pesquisas interessantes e de grande relevância internacional. Uma dessas áreas, por exemplo, chama-se bioinformática.
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Leia o texto anterior: Uma ponte entre o interesse e a divulgação científica
Thiago Jucá é biólogo, doutor em Bioquímica de Plantas e empregado da Petrobrás.
Thiago Jucá
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