A bióloga Gracielle Higino explica seu projeto IGNITE, um curso voltado para jovens cientistas e que foi selecionado pela chamada pública Camp Serrapilheira
A entrevista dessa semana foi realizada com a bióloga, graduada pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Gracielle Teixeira Higino. Gracielle é mestre em Diversidade Biológica e Conservação nos Trópicos, também pela UFAL. Atualmente é doutoranda em Ecologia e Evolução, pela Universidade Federal de Goiás. Gracielle teve a oportunidade de realizar o curso Evolution: A course for Educators, oferecido pelo American Museum of Natural History dos Estados Unidos. Ela também faz parte do Grupo de Estudos sobre Evolução Biológica. Além disso, ela foi selecionada na primeira fase do Camp Serrapilheira, uma chamada pública para divulgadores científicos, com a proposta do curso de divulgação científica voltado para jovens cientistas, IGNITE.
Coluna do Jucá: Gracielle, mais de 871 propostas foram recebidas pela chamada pública Camp Serrapilheira. Dos 50 projetos selecionados, o seu foi um deles. Você poderia falar um pouco da sua proposta?
Gracielle Higino: A minha proposta para o Camp é falar dos projetos abertos em divulgação científica e convidar os divulgadores a compartilharem o conhecimento deles com os iniciantes. Os projetos abertos têm valores muito alinhados com os da comunidade de divulgadores aqui do Brasil: eles prezam pela colaboração, pelo respeito, por ouvir e contribuir. Os projetos abertos também são transparentes, ou seja, tudo está registrado e acessível. A meu ver, a transparência e a colaboração dos projetos abertos são características que podem potencializar a formação de novos divulgadores. E foi por isso que nasceu o IGNITE. A divulgação científica precisa cada vez mais de ajuda, de gente fazendo isso das mais variadas formas. E muitas pessoas se interessam, sim, por fazer divulgação, o que é ótimo! Mas existe uma grande lacuna entre se interessar por fazer e realmente fazer, e esta lacuna engloba insegurança, falta de direcionamento, falta de exemplo… Por outro lado, temos divulgadores maravilhosos na estrada há bastante tempo, com os mais variados históricos, com as mais variadas habilidades. Por que não convidar essas pessoas para ajudar aquelas que querem começar, mas não sabem como? O IGNITE é uma ponte entre estes dois lados para diminuir a lacuna que eu mencionei anteriormente.
Coluna do Jucá: Chamadas públicas como as do Camp Serrapilheira, voltadas para divulgadores científicos, ainda são incipientes no Brasil, apesar do grande interesse despertado. Despertou-se para a divulgação científica, ou a crise nos recursos destinados à ciência nacional tem “mudado a direção dos ventos”, ou ainda velhos paradigmas estão sendo desfeitos e novos estão surgindo quanto a essa temática?
GH: Eu acho que aconteceu de tudo um pouco. A divulgação científica não é coisa recente, ela só tem ganhado novos formatos, acompanhando acertadamente a cultura. Nós encontramos espaço e aprendemos a fazer divulgação científica sem necessariamente estarmos vinculados a um órgão de popularização da ciência, a um instituto de pesquisa, ou a uma editora, por exemplo. Talvez tenhamos ficado mais confiantes, também, e percebemos que todos têm algo para ensinar. Do ponto de vista acadêmcio, alguns editais de financiamento têm começado a pedir que os pesquisadores pensem em como divulgar os resutados obtidos nas suas pesquisas (e esta é uma tendência mundial). Por outro lado, ainda existe uma desvalorização muito grande em relação a estas atividades dentro da academia. Raramente as atividades de divulgação são pontuadas em concursos, e muitas vezes nossos colegas acham que estamos perdendo um tempo que deveria ser empregado produzindo publicações de alto impacto. Acontece que pesquisa e divulgação não são atividades mutuamente excludentes e andam muito bem juntas. O Serrapilheira é um instituto visionário neste cenário, com iniciativas bastante ousadas e que vêm fazendo uma verdadeira revolução. Seus editais incentivam formas diferentes de pensar e de agir, dando uma chacoalhada no formato meio antiquado da academia. A chamada para o Camp me surpreendeu demais, e o número de propostas submetidas mostra o quanto tem coisas interessantes espalhadas pelo Brasil que a gente não conhece; o que nos leva a uma pergunta: por que não conhecemos estes 871 projetos?
Coluna do Jucá: Livros como “O Gene Egoísta” de Richard Dawkins, “O Contato” de Carl Sagan, e “Uma Breve História do Tempo” de Stephen Hawkins, são grandes best-sellers da literatura científica mundial. Todos foram responsáveis por divulgar e popupalarizar a ciência de maneira inimaginável. Porém, o hábito da leitura, segundo a Unesco, é peculiar em países onde a leitura é uma tradição nacional, e o hábito de ler vem de casa, o que não é o caso do Brasil. Diante do contexto brasileiro, ferramentas digitais de divulgação científica, como o IGNITE, são ainda mais imprescindíveis?
GH: Uma vez participei de uma mesa redonda com a Aline Ghilardi e ela disse que a divulgação científica é uma “guerra de vários fronts”. Eu não poderia concordar mais! E é por isso que o IGNITE precisa ser um projeto aberto, para que pessoas com diferentes especialidades possam contribuir e atender os mais diversos públicos. Nós precisamos dos livros, com certeza, mas também precisamos dos memes, dos gifs, dos vídeos, dos podcasts, dos zines, dos museus, da rua… Todos os meios são igualmente importantes, porque as pessoas são diferentes. Algumas formas de divulgação serão mais naturalmente absorvidas por um público e não tanto por outro, crianças gostam mais de uma coisa, adultos gostam mais de outra, nem todo mundo tem acesso à internet… Imprescindível é sermos criativos e inclusivos.
Coluna do Jucá: Em 1962, a bióloga e escritora americana Rachel Carson, publicou o livro Primavera Silenciosa (“Silent Spring”), o qual é considerado o precursor do movimento ambiental moderno e, até hoje, um dos mais influentes dos EUA. O livro não só despertou a consciência pública para a questão ambiental, como foi responsável por mudanças que culminaram na proibição do uso do inseticida DDT nos EUA. Atribui-se em grande parte o sucesso do livro à capacidade de Carson de se comunicar com os não-especialistas. Como divulgadora científica, você considera que esse é o maior gargalo a ser superado para que as questões de cunho científico alcancem o grande público?
GH: Os gargalos são os mais variados, de modo que fica difícil identificar o maior deles. Com certeza, a habilidade de mudar sua linguagem conforme seu público é muito importante na divulgação científica, mas existem outras barreiras que podem parar até mesmo os melhores comunicadores. A falta de incentivo é algo recorrentemente apontado entre os pesquisadores como motivo para não estarem envolvidos em um projeto de divulgação científica. Se considerarmos os pós-graduandos, que são os pesquisadores que mais têm contato com a literatura científica mais atual, que são os responsáveis pela maior parte da produção científica, como eles se sentirão motivados a fazer divulgação em um sistema que é frequentemente perverso, sobrecarregado, recebendo um salário que não os valoriza? Por outro lado, também existe uma falta de contato entre cientistas e comunicadores, tanto para os cientistas aprenderem a se comunicar, quanto os comunicadores aprenderem sobre ciência. Eu costumo dizer que a divulgação científica é uma conversa, onde é tão importante ouvir quanto falar. Não adianta a gente mudar nossa linguagem, se a gente não sabe qual a linguagem do nosso público.
Coluna do Jucá: Falar a respeito da evolução biológica é um desafio, até mesmo dentro da universidade. Muitos vieses ideológicos são inseridos nessa temática, em especial, aqueles de caráter religioso, o que acaba polarizando uma discussão, muitas vezes, estéril. Para você, que fez o curso de evolução para educadores, do Museu de História Natural dos EUA, qual o maior desafio para tratar, divulgar e/ou popularizar essa temática?
GH: Acho que o primeiro deles é o comunicador entender muito bem sobre Evolução. Não é um tema fácil, apesar dos fundamentos serem simples. É bastante comum encontrarmos cientistas experientes que não entendem muito bem a teoria em sua completude, e também é comum encontrarmos falhas graves a este respeito ainda nos cursos de graduação. Na questão da comunicação, o cuidado com o discurso deve ser ainda maior. Evolução não é algo óbvio e intuitivo, embora pareça, depois que a gente aprende sobre ela. A empatia é fundamental, especialmente para não correr o risco de fazer o público se sentir confrontado ou ridicularizado. Como eu disse anteriormente, ouvir é tão importante quanto falar, e neste caso não é diferente: entender as dificuldades e as motivações de rejeição pode fazer sua comunicação ser muito mais eficiente. Do ponto de vista cognitivo, as grandes escalas são um grande desafio. As pessoas costumam pensar em evolução somente em grandes períodos de tempo, com mudanças enormes, coisas realmente difíceis de imaginar. No entanto, evolução acontece o tempo todo e tem relação direta com o nosso dia-a-dia. Saber usar estes exemplos e explicar estes processos de forma mais próxima da realidade das pessoas parece ser um bom caminho.
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Leia o texto anterior: Os cuidados da saúde mental dos universitários
Thiago Jucá é biólogo, doutor em Bioquímica de Plantas e empregado da Petrobrás.
Thiago Jucá
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