Pesquisa revela relação entre a doença e regiões vulneráveis socialmente em Natal, e aponta bairros críticos na capital potiguar
O Brasil possui a segunda maior incidência de casos de hanseníase no mundo – superado apenas pela Índia, de acordo com dados do Ministério da Saúde. Em 2016, o país identificou mais de 25 mil casos da doença, o que representava 11,6% do total global de novas ocorrências. A hanseníase é uma doença infecciosa crônica, causada pelo Mycobacterium leprae, sendo considerada um grande problema de saúde pública nos países em desenvolvimento. Mas a incidência da doença poderia estar relacionada à vulnerabilidade social? Pesquisadores do grupo Georisco, do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) demonstraram que sim e apontaram as regiões mais críticas na capital potiguar.
A pesquisa foi elaborada em Natal (RN) por Letícia Cruz como trabalho monográfico para conclusão do curso de Bacharelado em Geografia, com o auxílio e orientação do professor Lutiane Almeida. “A pesquisa demonstrou que os setores censitários onde há uma maior incidência da doença são os considerados mais vulneráveis socialmente, com classificação correspondente a Muito Alta, confirmando a hipótese inicial. Os bairros mais incidentes são o de Lagoa Azul e Nossa Senhora da Apresentação, localizados na Zona Norte da cidade. Ambos apresentam uma grande concentração de setores censitários com alta ou muito alta vulnerabilidade social”, explica Letícia Cruz.
Saúde x aspectos sociais
De acordo com a pesquisadora a ideia desse trabalho surgiu durante períodos de estágio que cumpriu na Secretaria Municipal de Saúde de Natal, onde constatou a importância das análises geográficas na tomada de decisões na área saúde. “Notei que há uma riqueza de dados ligados as diferentes enfermidades e muitas vezes o processo de análise dos mesmos se tornaria mais fácil com a sistematização e criação de mapas, organizando o conteúdo existente. Para demonstrar essa importância, busquei elaborar a pesquisa na minha monografia cruzando os dados da saúde e aspectos sociais dos setores censitários de Natal, resultando em análises quantitativas e qualitativas”.
A pesquisadora esclarece porque escolheu a hanseníase para seu estudo.
Partindo das observações de Letícia Cruz, os pesquisadores resolveram colocar a prova a hipótese de que os locais mais vulneráveis socialmente também são os que possuem maior incidência da doença. Para isso, foi feita a espacialização dos casos registrados da doença nos anos de 2010 a 2015 no município e foi elaborado um Índice de Vulnerabilidade Social para avaliar as condições de vida da população dessas localidades.
Índice de vulnerabilidade social
Os pesquisadores criaram o Índice de Vulnerabilidade Social (IVS) que tomou como base de dados o Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).O IVS foi classificado em Muito baixo, Baixo, Médio, Alto e Muito Alto. Nas tabelas disponibilizadas pelo Instituto, foram extraídas informações relacionadas ao domicílio, renda e características do entorno dos mesmos.
“Os dados brutos, em sua maior parte, foram somados e relacionados entre si a fim de gerar variáveis, uma categoria de análise mais abrangente. As variáveis foram padronizadas, utilizando fórmulas matemáticas, e inseridas em um intervalo entre 0 e 1. A partir dessas variáveis foram criados indicadores agregados, uma categoria de análise ainda mais abrangente. O resultado foram divididos em quatro fatores, sendo eles: aspectos gerais dos domicílios, renda dos domicílios, características do entorno dos domicílios e escolaridade. Cada variável foi ponderada igualmente dentro de cada fator, somando 100%. Ademais, os fatores também foram ponderados em relação ao total, possuindo, cada um, 25% do valor”, ressalta a pesquisadora.
Metodologia
A metodologia da pesquisa também incluiu uma revisão bibliográfica dos temas principais do trabalho, tais como urbanização, risco, perigo, vulnerabilidade e hanseníase, bem como a aplicabilidade da Geografia na área da saúde. Posteriormente, foram obtidos os dados de ocorrência da hanseníase em Natal nos anos de 2010 a 2015, disponíveis no SINAN (Sistema de Informação de Agravos de Notificação do Governo Federal) e fornecidos pelo Departamento de Vigilância à Saúde, da Secretaria Municipal de Saúde de Natal. Esses informes foram espacializados, levando em consideração o local de moradia dos pacientes, informação constante na planilha de dados extraída do SINAN. “Foi feita uma verificação do logradouro e do número da residência com a ferramenta Google Street View, no programa Google Earth, para que fosse possível georreferenciar a moradia do paciente. A partir disso, foram feitas análises e comparações da incidência”, detalhou Cruz.
A pesquisadora explica como foram realizadas as comparações e análises.
Perfil dos infectados
Dentro do cruzamento de informações realizado pelos pesquisadores foi feita a análise do perfil dos pacientes infectados primeiro de forma quantitativa e depois as pessoas foram divididas conforme o nível de escolaridade, sexo e idade, de acordo com as informações fornecidas pelo SINAN.
Em relação ao nível de escolaridade, o trabalho revelou uma maior ocorrência de casos em pessoas com escolaridade até o ensino fundamental, destacando as que não o concluíram. Há também uma incidência de casos em pessoas com ensino médio completo, somando trinta e cinco casos. Já no que tange à idade, os adultos, com idade entre 18 e 59 anos, são os mais afetados pela doença. Neste quesito, as classes foram divididas entre crianças, adolescentes, adultos e idosos.
Apesar dos diferentes parâmetros analisados, a pesquisadora destaca que quanto ao sexo não foi possível determinar um padrão.
Contexto estadual
A pesquisa foi divulgada nas mídias locais bem como na Revista Brasileira de Geografia Médica e da Saúde Hygeia, a fim de tornar público os métodos e resultados. O trabalho também foi encaminhado à Secretaria Municipal de Saúde de Natal, mais especificamente ao Programa Municipal de Controle de Tuberculose e Hanseníase de Natal, que propôs uma parceria para a elaboração de mapas complementares para auxiliar no planejamento de ações e campanhas em escolas de Natal.
Como próximo passo, o grupo de pesquisa pretende ampliar a área de investigação.
Edna Ferreira
Excelente pesquisa!
Um trabalho que realmemte deve ser publicado.
Tomara que o setor de saude faça bom uso dos seus dados.
Parabens.