Empreendedorismo Inovador Entrevistas

quarta-feira, 25 julho 2018

O engenheiro Gláucio Brandão assina a nova coluna do portal, onde pretende mostrar que é possível uma Ciência mais empreendedora

“Pensemos o Empreendedorismo de forma científica e a Ciência de forma empreendedora”

Gláucio Brandão

Um sonhador por excelência e um inovador por vocação, que já na infância planejava construir um homem biônico, inspirado na série de TV “O homem de seis milhões de dólares”. Com essa ideia na cabeça e o gosto pela Matemática e a Física, Gláucio Bezerra Brandão traçou seu caminho de aprendizados.

Esse pernambucano inquieto nasceu em Caruaru, mas ainda com dois anos de idade mudou-se com seus pais para Recife. No Ensino Médio, cursou Telecomunicações na Escola Técnica Federal de Pernambuco (atual IFPE) e depois ingressou na Engenharia Eletrônica na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Foi bolsista nos Institutos de Física e Biofísica, o que o aproximou ainda mais de seu desejo de infância. “Era um sonho que se realizava: na minha cabeça “genial”, para construir um homem biônico, tinha de dominar a Eletrônica e a Biologia”, lembra sorrindo.

O mais novo colunista do Nossa Ciência é professor do Mestrado Profissional em Tecnologia e Inovação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Mestre em Biofísica e Radiobiologia pela UFPE e Doutor em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Foi fisgado pelo tema Inovação e Empreendedorismo ainda no Recife, nos anos 2000, quando uma startup o convidou para fazer parte da equipe. Ele conta que na época nem existia esse conceito de startup para designar as jovens empresas inovadoras. “Comecei a acordar para esse viés de Ciência realmente aplicada e protegida”, afirma.

Nessa entrevista ele conta sua trajetória e revela como pretende promover ainda mais o conceito de Educação-Tecnologia-Inovação na coluna “Empreendedorismo Inovador”. Confira o tema de estreia: A Educação que precisamos aprender.

Nossa Ciência: Como e quando se decidiu pela Engenharia?

Gláucio Brandão: Decidi-me pela Engenharia desde muito jovem, pois inspirado pela série “O Homem de Seis Milhões de Dólares”, queria construir um homem biônico, que era o tema da série. Gostava muito de Matemática e Física. Então, meus pais me orientaram a estudar e fazer o teste de admissão para a Escola Técnica Federal de Pernambuco (ETFPE). Assim, aos 13 anos, nos idos de 1981, entrei no curso de Telecomunicações, que era o mais próximo da Eletrônica que havia. E o mundo se abriu para mim!

Lá, a trajetória foi cheia de altos e baixos, como o de qualquer adolescente que se acha super esperto. Tive um desempenho entre brilhante e razoável: o primeiro nas disciplinas das exatas. O segundo, nas outras mais gerais. Questão de vocação! Sobrevivendo ao ensino médio, e ainda mais interessado pela eletrônica, prestei vestibular para a UFPE. Passei!

Lá dentro, se já me sentia esperto na ETFPE, passei a me auto denominar “gênio” (Mas só pra mim mesmo. Haviam muitos outros gênios lá também. A concorrência ancorada em ego é brutal!).

NC: E como a ciência entrou na sua vida acadêmica?

GB: Com dois anos de curso na UFPE, passei numa seleção para bolsista IC (Iniciação Científica) no prestigiado Instituto de Física de lá. Depois de um ano de bolsa, um pouco decepcionado com o excesso teórico, apareceu a chance de concorrer a uma bolsa na Biofísica. Submeti-me e fui aprovado. Era um sonho que se realizava: na minha cabeça “genial”, para construir um homem biônico, tinha de dominar a Eletrônica e a Biologia. E mergulhei fundo! Lá, fui orientado por uma das melhores pessoas que conheci em minha vida: o professor Mauricy Motta. Um médico com doutorado na Engenharia Biomédica, na França, e com uma “visão além do alcance”! Meu Guru!

NC: Essas experiências ajudaram a definir o seu Mestrado?

GB: Próximo da graduação (1991), e já imerso no mundo “bio”, apareceu a oportunidade de continuar na Biofísica como aluno de mestrado. Uma vez que havia desenvolvido inúmeros equipamentos para os Departamentos de Biofísica, Bioquímica e Medicina foi fácil entrar: na minha sabatina, levei uma foto de todos os equipamentos. Era meu portfólio!

Conclui o Mestrado em Biofísica e Radiobiologia e por aconselhamento do meu Guru, fui bater na UFCG, na prestigiada Pós-Graduação da Engenharia Elétrica, em 1996. Entrei e aprimorei meus conhecimentos sobre Instrumentação Eletrônica e Controle de Máquinas. Também lá, junto de um bocado de gente boa de várias nacionalidades, comecei a me achar menos “gênio”. No final do Doutorado, declarei-me definitivamente uma pessoa normal (risos).

NC: Como surgiu seu interesse pelo empreendedorismo e a inovação?

GB: Em meados de 2000, por conta do desenvolvimento de um equipamento eletrônico para controle de infusão endovenosa, o qual fora meu tema do mestrado, a startup TMED-Tecnologia Médica Ltda (na época não tínhamos esse conceito de startup), situada no Recife, me sondou sob a possibilidade de colocar esse produto no mercado, já que eles possuíam um equipamento similar, só que totalmente mecânico. Topei a parada e fiquei desenvolvendo o Bipsoro Eletrônico e outros dispositivos para a TMED, o qual foi patenteado. Comecei a acordar para esse viés de Ciência realmente aplicada e protegida. A TMED, hoje SA, trabalha nessa linha: utiliza a ciência de forma intensiva como modelo de negócios.

Um pouco mais à frente, nos idos de 2002, uma entrevista por telefone me levou a uma faculdade privada em Feira de Santana, a Faculdade de Tecnologia e Ciências (FTC). Lá, tive como desafio implementar o curso de Sistemas de Informação recém criado. Para encurtar a história, já coordenador de curso, estava a um ano de colocar mais de 150 graduados na área de computação para um mercado inexistente. O desespero bateu. O que fazer? Era o ano de 2004.

Pensando por algum tempo, lembrei-me de meu aprendizado na TMED “Da ciência aplicada e protegida” e do empreendedorismo dos sócios para tocar a empresa. Foi aí que tive um insight: se não temos mercado, vamos criá-lo então!

NC: Como o senhor conseguiu concretizar essa ideia?

GB: Conversei com um grupo de professores e sugeri uma maratona, que hoje teria o nome de hackathon. Para minha sorte e uma conjuração de astros, todos toparam. Como eu queria criar o mercado, tinha de ter empresas. Sugeri então que a ação contemplasse todos os alunos, e que eles “receberiam” notas por isso. Ainda mais, como queria que diferentes saberes em diferentes níveis se encontrassem, sugeri que cada empreendimento criado teria de ter estudantes de todos os semestres. Quando desenhei isso no quadro, percebi que estava montando empresas verticais, com integrantes do 1º ao 8º semestre. Batizei o evento de Mercado de Empresas Verticais – MEV.

A iniciativa contagiou os outros cursos, de modo que chegamos a quase 30 empreendimentos, envolvendo quase 240 estudantes. Destes empreendimentos, cerca de cinco progrediram e se transformaram em empresas reais. Foi uma verdadeira catarse. Provamos que conseguimos criar empresas do zero. A maratona transformou-se no modelo de incubação da rede de ensino na Bahia, que naquele ano contava com aproximadamente 50 mil alunos. Em 2006 saí da FTC, com destino, via concurso claro, à Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

NC: A UFRN foi receptiva ao seu espírito empreendedor e inovador?

GB: Na UFRN pensei em criar uma empresa de sensores biomédicos, para manter aquela chama acesa da Ciência sustentável. Dirigindo-me à Pró-Reitoria de Pesquisa (Propesq), contei da minha vontade de ter uma empresa incubada à Pró-reitora de pesquisa: “O que é empresa incubada?”. Foi a expressão dela. Bom, o resto é história. Perguntaram-me o que era a aquilo e se eu poderia ajudar a resolver essa “falta” na universidade. Topei e em 2007 criei o Núcleo de Aplicação de Tecnologias Avançadas – NATA, uma pequena incubadora no Departamento de Engenharia de Computação – DCA da UFRN. Depois, em 2013 o NATA transformou-se em INOVA-Metrópole, mais à frente ajudei a criar a BIO INOVA (2014), Tecnatus (2014), inPACTA (2014) e I9Agrotec(2016). Hoje temos cinco incubadoras na UFRN. A ideia é sempre a de criar empresas ancoradas em conhecimento, para que se possa gerar soluções para a sociedade e empregar gente!

Participando de uma banca da aluna Camila Guimarães, ao lado dos professores Francisco Irochima (esq) e Irami Araujo Filho.

NC: O que falta para o Brasil decolar no que envolve Educação-Tecnologia-Inovação?

GB: Uma única palavra-chave talvez não responda a esta pergunta, mas eu tenho uma forte candidata: vontade política!

Bastava criar uma pauta em que se atrelasse a solução de problemas ao currículo escolar. O crítico não é ter problemas, mas sim não ter ferramentas para resolvê-los. Resolver os problemas é o que garantirá os empregos, do presente e no futuro. É o que torna a vida viva. Não criá-los, claro, mas resolvê-los! Não existem currículos motivadores, provocantes, que enxerguem que temos: problemas diferentes. Então, pasmem, porque insistimos em formar pessoas iguais?

Não temos que perguntar a nossos ‘pimpolhos’ o que eles querem ser quando crescerem, e sim o que eles querem resolver quando crescerem? Isso faz toda a diferença, pois vamos manter muita gente ocupada e trabalhando suas diferenças, em vez de tentarem ser os mesmos profissionais disputando as mesmas poucas vagas, para resolver ‘únicos tipos de problema’. Esta abordagem, a meu ver, focada em problemas, geraria muito mais perspectivas.

NC: E no Nordeste esse “trinômio” tem funcionado?

GB: Sim. Em alguns centros de excelência. O Porto Digital, no Recife Antigo (Pernambuco), é o melhor exemplo deles. O PD movimenta hoje perto de 5% do PIB de Pernambuco, possui mais de 400 empreendimentos instalados, emprega mais de 5 mil pessoas de altíssima formação, com salário médio próximo aos R$ 5 mil, é um dos 10 parques tecnológicos mais importantes do mundo, no quesito tríplice hélice: Governo, Academia e Indústria atuando em uníssono! E nessa linha também estão o Instituto Metrópole Digital, as cinco incubadoras da UFRN, as ações do Sebrae e da Federação das Indústrias do Rio Grande do Norte (Fiern), com editais, encontros, fomentos de empresários etc.

NC: Como é promover inovação no Rio Grande do Norte, um dos estados mais pobres da federação?

GB: Contribuindo com uma participação de 0,89% do PIB nacional, o RN disputa os três piores lugares entre os 27 Estados. Junte-se a isso uma cultura de empreendedorismo de comércio, de subsistência, por parte de pequenas, médias e grandes empresas. Temos uma Universidade (nesse caso em todo o Brasil) que faz uma ciência aberta, sem modelo de resultados ou de aplicação. Quando se olha para o Governo, o plano é se eleger e se preparar para a próxima eleição. Não há estratégia de curto, médio ou longo prazo. Assim, mostrar para esses players que a inovação mantém a competitividade da sociedade e que isso acontecerá com ações articuladas dos três juntos, eu diria que é como ‘lutar com um leão por dia’! A frase original trocaria o verbo por matar, mas, se eu fizesse isso, teria a perspectiva de acabar com os leões, o que me deixaria esperançoso. Luta-se hoje, amanhã ele volta. Entretanto, estou otimista. Alguém me perguntaria, por que? E eu diria sorrindo: não temos opções (risos).

NC: Quais são suas expectativas em relação à coluna Empreendedorismo Inovador?

GB: Excelentes. Inovadoras. Sendo um veículo com o qual eu me identifico do ponto de vista de ser uma proposta séria, quase solitária, que quer mostrar quem somos, o que fazemos e onde podemos chegar, pretendo que o Nossa Ciência, através da coluna, continue mostrando a opinião dos colunistas sem poda. Pois é assim que se faz Ciência, pois ela não tem viés!

Edna Ferreira

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