É muito triste que a maioria das pessoas que declaram voto no candidato que defende a barbárie esteja principalmente na faixa dos 16 aos 34 anos e também entre os mais ricos e os mais escolarizados
As eleições gerais de outubro 2018 se darão em meio a uma grande polarização, tal como ocorreu nas eleições de 2014. De lá para cá em nada diminuiu, ao contrário, a entrada em cena de um (pré) candidato, Jair Bolsonaro, ampliou ainda mais.
Suas declarações são quase sempre polêmicas e para Jânio de Freitas, ele “mobiliza o que há de pior no Brasil e está levando pelo país afora, com maior presença nas áreas mais conturbadas, a sua pregação da violência e da arma como ‘um direito dos cidadãos’, em detrimento das condutas legais“ (A voz da violência 15/07/2018, Folha de S. Paulo).
A referência à sua pregação de violência foi um discurso que ele fez no dia 13 de julho de 2018 em Eldorado dos Carajás, sul do Pará, no qual defendeu os policiais que participaram do massacre de 19 trabalhadores (e mais de 60 feridos) ocorrido em 17 de abril de 1996. Para ele “Quem tinha que estar preso era o pessoal do MST, gente canalha e vagabunda. Os policiais reagiram para não morrer” e ainda que “Esses marginais que cometeram esse crime não merecem lei, não. Merecem é bala.”
Estas frases são apenas algumas das muitas ditas por ele como deputado (exerce o sétimo mandato consecutivo. Foi eleito pela primeira vez a deputado federal em 1990 pelo Partido Democrata Cristão/RJ). Como lembra o cientista político Miguel Lago no artigo “Civilização e Barbárie (site da revista Piauí, 16 de julho de 2018) ele já havia afirmado que” não pagaria a mulheres salários que se equiparam aos dos homens, que ‘ninguém gosta de gays’ e ainda debochou das torturas sofridas por presos políticos durante a ditadura e em sua página do Facebook, postou um vídeo em que diz ao filho da jornalista Miriam Leitão – que foi presa política e colocada num quarto escuro com uma jibóia – “Coitada da cobra.”
Em uma entrevista para a revista Veja (2 de dezembro de 1998), ele disse que a ditadura chilena comandada por Augusto Pinochet, que matou e exilou milhares de pessoas, mas para ele “devia ter matado mais gente” (Pinochet, cometeu crimes como genocídio, tortura, fuzilamentos e desaparecimento oficial de 3.197 vítimas e milhares foram exilados. Deu um golpe em 11 de setembro de 1973 e governou uma ditadura até 1990. Em 1998 o juiz espanhol Baltasar Garzón decretou sua prisão em Londres, acusando-o de genocídio, terrorismo e tortura,e depois foi condenado não apenas por violação dos direitos humanos, como também por corrupção).
Em 1999, afirmou ao programa “Câmera Aberta” que era “favorável à tortura” e chamou a democracia de “porcaria” e que se fosse presidente, não havia “a menor dúvida” de que “fecharia o Congresso” e de que “daria um golpe no mesmo dia”.
Em 2011, Preta Gil, filha de Gilberto Gil, participou de um quadro do programa do CQC e enviou a seguinte pergunta para ele: “o que você faria se seu filho se apaixonasse por uma negra?”. E a resposta foi: “Preta, eu não vou discutir promiscuidade com quem quer que seja. Eu não corro esse risco. Meus filhos foram muito bem educados e não viveram em ambiente como lamentavelmente é o teu”.
Em junho de 2011 em uma entrevista para a revista Playboy afirmou que seria incapaz de amar um filho homossexual “Não vou dar uma de hipócrita aqui: prefiro que um filho meu morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí. Para mim ele vai ter morrido mesmo … Se um casal homossexual vier morar do meu lado, isso vai desvalorizar a minha casa! Se eles andarem de mão dada e derem beijinho, desvaloriza
No plenário da Câmara dos Deputados, ele disse à deputada Maria do Rosário (PT-RS) que não a estupraria “porque ela não merece” e por considerá-la “muito feia”. Ele se tornou réu em duas ações penais por injúria e apologia ao crime de estupro e no início de abril de 2018, foi intimado a prestar depoimento no processo a que responde no Supremo Tribunal Federal (STF).
Também disse à deputada Benedita da Silva, quando ela fazia um discurso criticando os que lincharam um menor que havia praticado pequenos furtos no Rio de Janeiro, que ela deveria adotar o infrator para provar a todos que tem “um grande coração” e que daria o endereço da deputada ao menor para que ele fosse praticar furtos na rua dela.
Afirmou também que sua filha, caçula de cinco anos, foi resultado de uma “fraquejada” e não se pode esquecer, o seu voto no impeachment de Dilma Rousseff (PT) no dia 17 de abril de 2016 no qual homenageou o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, um dos mais notórios torturadores e assassinos da ditadura, um sádico que chegou a levar crianças para ver as mães sendo torturadas.
E tem mais: No dia 3 de abril de 2017, ele deu uma palestra no Clube Hebraica, no Rio de Janeiro, na qual ofendeu e depreciou a população negra e às comunidades quilombolas, bem como incitou à discriminação contra eles. Afirmando, entre outras coisas, que tinha visitado uma comunidade quilombola e que “o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas” e que “não fazem nada, eu acho que nem pra procriador servem mais”.
No entanto, não ficou de todo impune. Em relação às agressões à deputada Maria do Rosário, em 2015 foi condenado pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJ-DF), a pagar indenização de R$ 10 mil por danos morais. Ele recorreu, mas no dia 15 de agosto de 2017 a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve, por unanimidade, a sua condenação
Quanto às declarações racistas em relação aos quilombolas, no dia 2 de outubro de 2017, a juíza Frana Elizabeth Mendes, da 26ª Vara Federal do Rio, o condenou em ação civil pública, ao pagamento de indenização no valor de R$ 50 mil por danos morais coletivos. Na ação, dois procuradores da República no Rio argumentaram que ele “usou informações distorcidas, expressões injuriosas, preconceituosas e discriminatórias com o claro propósito de ofender, ridicularizar, maltratar e desumanizar as comunidades quilombolas e a população negra”. Para a juíza “Impende ressaltar que, como parlamentar, membro do Poder Legislativo, e sendo uma pessoa de altíssimo conhecimento público em âmbito nacional, o réu tem o dever de assumir uma postura mais respeitosa com relação aos cidadãos”
O desrespeito, a defesa da violência para “combater” a violência, o discurso do ódio, pavimenta o caminho que leva à barbárie. São aqueles que negam os valores civilizatórios como a liberdade individual, o respeito aos direitos humanos e a defesa de um Estado Democrático de Direito, no qual ninguém pode estar acima da lei. No caso de Bolsonaro, Miguel Lago afirma no referido artigo que “Existe (…) um candidato que surge dos grotões da história, saído do fundo das contradições do nosso sistema político e que encarna a nova barbárie como alternativa para o país. Jair Bolsonaro desafia o modelo de sociedade iluminista que se construiu no Ocidente nos últimos três séculos (…). Prefere a força às instituições, a tortura aos direitos humanos, a negação da alteridade à liberdade individual (…). Ele é a revanche do obscurantismo sobre as luzes, é a revanche do autoritarismo sobre os direitos dos indivíduos”.
Para ele “um hipotético governo de Bolsonaro abriria a porteira para uma onda de execuções públicas, de linchamentos, de uma violência fratricida na sociedade. Além de representar o retorno dos militares a posições estratégicas e com decisões públicas tomadas em cima de rompantes delirantes (…) para ele, a barbárie “é a pura expressão do ódio irracional”.
A questão é: como explicar que um candidato assim esteja, na ausência de Lula na disputa eleitoral, liderando as pesquisas? Como explicar os resultados de uma pesquisa divulgada em junho de 2018 que mostrou que a maioria das pessoas que declaram voto nele é jovem (se concentram principalmente na faixa dos 16 aos 34 anos) e também entre os mais ricos e os mais escolarizados? Como convencer essas pessoas argumentando que ele nada tem de novo, é um político tradicional com quase trinta anos de mandato e que aprovou apenas dois projetos, que não tem programa consistente nem preparo que o qualifique para exercer a presidência da República, um deputado do chamado “baixo clero”, com mandatos medíocres, inexpressivos?
O fato é que esse tipo de argumento não exerce efeito sobre os seus eleitores. Porque eles não estão interessados em argumentos e racionalidade. Para ele, não deve ser homofóbico, misógino, racista etc., mas “sincero”, “verdadeiro”, “autêntico”, “honesto” etc. e possivelmente, quando ele defende a ditadura, especialmente os jovens, não devem ter muitas informações sobre o que foi a ditadura militar para o país
Creio que o “pano de fundo” para compreender isso é uma sociedade descrente, nas instituições e nos governos. Segundo uma pesquisa publicada em junho de 2018, apenas 2,2% confia no Governo Federal e menos ainda no Congresso Nacional e nos partidos políticos. Essa desconfiança se manifesta também nas pesquisas de intenção de voto para a presidência da República, com altos índices de rejeição aos candidatos e a possibilidade de aumento dos já altos índices de abstenções, votos em brancos e nulos, expressando uma enorme descrença de parcelas significativas do eleitorado.
É nesse vácuo de descrença e desesperança que candidatos “messiânicos” têm ressonância. E se defende abertamente a violência e tem apoio, é também expressão de setores de uma sociedade violenta e intolerante. Numa sociedade saudável, diz Bruno Carvalho, alguém que defende abertamente o assassinato em massa não participaria de nenhuma discussão séria sobre os rumos do país” e que “o bolsonarismo, avesso à complexidade e à reflexão, oferece ao eleitor o conforto das certezas inabaláveis e a convicção de que a responsabilidade é sempre dos outros”(“Não foi você: uma interpretação do bolsonarismo”, Revista Piauí, julho de 2018, n. 142, p.16).
Com seu histórico e principalmente o apoio entusiasta de parcelas da sociedade, não pode nem deve ser subestimado. Há um claro componente de emoção e afetos na decisão do voto e não são com argumentos racionais que se vai mudar o voto dos que já se decidiram e que mesmo sendo minoria (a maioria o rejeita) com um número expressivo de abstenções, votos em brancos e nulos, de indiferença de parcela do eleitorado, pode ser eleito. E se assim for, como alerta Bruno Carvalho “Os que hoje aquiescem ao bolsonarismo ou se deixam seduzir por ele podem ser os facínoras ou as vítimas de amanhã”.
Para os seus eleitores, chamá-lo de racista, machista, homofóbico, fascista etc. não altera as intenções de voto. Muitos dos seus eleitores se identificam com isso. O desafio é como se contrapor ao seu discurso e a sua linguagem (na ausência de discussão programática, porque não existe) aos que não estão convencidos ou que os rejeitam, e tentar compreender os reais motivos de sua ascensão e apresentar alternativas em defesa da liberdade, da igualdade, da tolerância e de um diálogo amplo (e democrático), porque senão, vencendo, estará aberto o caminho para a barbárie.
Leia outro artigo do mesmo autor: A batalha de sentenças
Homero de Oliveira Costa é Professor Titular (Ciência Política) do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Homero de Oliveira Costa
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