No Brasil, a razão se tornou impotente quando confrontada com a cobiça, a violência, a ganância e a insensatez
“A marcha da insensatez: de Tróia ao Vietnã” é um livro da historiadora norte-americana Barbara W. Tuchman (1912-1989). Foi publicado em 1984 e fez grande sucesso. Autora de vasta obra, foi duas vezes laureada com o Prêmio Pulitzer. Neste livro, ela aborda o que considera a insensatez que justifica o título: o fato dos governos adotarem políticas contrárias aos próprios interesses (ou as do país) e analisa quatro conflitos em que a insensatez teve conseqüências desastrosas: A Guerra de Tróia, a Reforma Protestante, a Guerra pela Independência dos Estados Unidos e a Guerra do Vietnã (a autora analisa a total insensatez na condução da guerra pelos sucessivos presidentes norte-americanos. No caso do envolvimento no Vietnã, desde o apoio de Roosevelt à política francesa na Indochina até a sua vergonhosa retirada em 1975).
O que ficou demonstrado, analisando cada um dos casos, é o fato de que a razão se tornou impotente quando confrontada com a cobiça, a violência, a ganância e a insensatez.
Para ela, um mau governo combina três coisas, que associadas tem conseqüências danosas: a tirania – o qual a história oferece muitos exemplos – a ambição (a autora cita vários exemplos, como a intenção do rei Filipe II de conquistar a Inglaterra em 1588 com a chamada “Armada invencível” sendo derrotado pelas tropas, bem menores, da Rainha Elizabeth) e a insensatez que, ao longo da história não faltam exemplos.
No livro “Guerras estúpidas: um guia sobre golpes fracassados, ações sem sentido e revoluções ridículas” (Editora Record, 2013) Ed Strosser e Michael Prince relatam vários casos de estupidez, tiranias, ambições, incompetência e, claro, insensatez cujas consequências são conhecidas (outro exemplo citado é o da Alemanha nazista que amplia a insensatez Caso a autora com racismo, violência, assassinatos etc.).
Mas o pior é que a marcha da insensatez não apenas continua (o livro vai até a Guerra do Vietnã), mas parece se acelerar e o Brasil também dá sua contribuição. Caso a autora ampliasse os exemplos e pudesse analisar o Brasil, teria muitos exemplos, como os desatinos na Guerra do Paraguai (1865-1870) etc., e mais ainda se chegasse ao governo de Michel Temer, no qual houve um grande avanço do retrocesso e da insensatez. São muitos exemplos. Fiquemos com apenas um, para ilustrar.
O exemplo diz respeito à Petrobrás: É sensato um país abdicar de suas riquezas? Em nome de quem e em troca de que? Vejamos o decreto n. 9188 de 1 de novembro de 2017: ele regulamenta a lei das Estatais e autoriza a venda sem licitação dos ativos das empresas de economia mista. Sem licitação e com a alteração de diversos artigos da Constituição, com ênfase para a participação de empresas estrangeiras. São 41 artigos que tratam de um conjunto de ações que visam transferir para controle de empresas estrangeiras setores nacionais estratégicos, iniciada com a venda dos ativos da Petrobras e a entrega das jazidas do pré-sal às petroleiras estrangeiras.
O processo continuou. No dia 14 de junho de 2018, Michel Temer sancionou a lei que autoriza a Pré-Sal Petróleo S.A. (PPSA) – empresa estatal responsável por administrar a parte do pré-sal que fica com a União no regime de partilha – a vender óleo do pré-sal diretamente para empresas “preferencialmente por meio de leilão”. A permissão já constava numa medida provisória (MP) que entrou em vigor de ser sancionado depois de aprovada pelo Congresso Nacional em maio de 2018. Pela regra anterior a PPSA somente poderia comercializar o óleo do pré-sal se contratasse a Petrobras ou fizesse concorrência pública.
Dois meses antes, a Petrobrás havia decidido vender até 60% de sua participação nas refinarias de Landulpho Alves, na Bahia, Abreu e Lima, em Pernambuco, Alberto Pasqualini, no Rio e a Presidente Getúlio Vargas, no Paraná.
Só não o fez porque uma decisão cautelar do ministro Ricardo Lewandowski, do STF (Supremo Tribunal Federal) determinou que a venda de ações de empresas públicas e sociedades de economia mista, inclusive de suas subsidiárias, “demanda prévia autorização do Legislativo quando está em jogo a alienação do controle acionário”.
No dia seguinte (3 de julho de 2018) a Petrobras teve de anunciar a suspensão da venda de 60% de sua participação em ativos de refino e a formação de parcerias no setor de refinarias e logística no Sul e no Nordeste. Pela mesma razão, também informou que suspendeu processos de desinvestimento na Araucária Nitrogenados e na TAG (Transportadora Associada de Gás). A direção da empresa informou que está “avaliando medidas cabíveis em prol dos seus interesses e de seus investidores”. É curioso. Interesses de quem? Dos investidores e não os interesses do país… A justificativa é a de que a venda de ativos é estratégico para a redução da dívida da empresa.
Na matéria “A Petrobras destruída”, publicada em 4 de julho de 2018 na revista Carta Capital, o jornalista Carlos Drummond entrevista o ex-presidente da Petrobrás, José Sergio Gabrielli. Entre outros aspectos ressaltados, como a crítica à chamada “Gestão corporativa pró-mercado” do governo de Michel Temer, ele afirma que os “principais conflitos geopolíticos do mundo giram em torno da garantia do acesso ao petróleo”. No caso do Brasil, desde 2007, com a descoberta do pré-sal, autosuficiência em petróleo, ampliaram-se os interesses e a cobiça de empresas estrangeiras do setor e com o governo Temer, iniciou-se o desmonte da estatal, “em parceria com o Congresso e o Judiciário”, especialmente com a Lava Jato “que ajudou a desmantelar a maior cadeia produtiva do país”.
Como diz Drummond “os crimes cometidos por um punhado de ex-funcionários malfeitores por maiores que sejam não explicam o método e a pertinácia utilizados para saquear as reservas de petróleo e gás desnacionalizados a preço vil”.
Um dado relevante citado por Gabrielli é que as grandes empresas controlam um volume muito pequeno das reservas internacionais, que estão em sua ampla maioria sob o controle dos estados e empresas estatais. Mas o Brasil caminha no sentido oposto: a destruição da Petrobrás, que como ele diz, encaixa-se no calendário de suprimento de combustíveis dos Estados Unidos e que as petroleiras privadas encontram aqui condições excepcionais para participar da ofensiva internacional de rapinagem do patrimônio que deveria ser do país.
O que fazer e como resistir aos ataques à soberania nacional? Como evitar a entrega do pré-sal a preços vis para petroleiras estrangeiras? Certamente eleger um governo comprometido com o país e seu povo. Nesse sentido, pelo menos quatro pré-candidatos a presidente já anunciaram que, se eleitos, irão retomar os campos do pré-sal que foram entregues (Lula, Ciro Gomes, Manuela D’Ávila e Guilherme Boulos). Mas, no caso de PLs como o do citado exemplo, a única possibilidade é a renovação (para melhor) do parlamento (deputados e senadores). Conseguiremos?
Na eleição presidencial do México, realizada no dia 3 de junho de 2018, foi eleito presidente Andrés López Obrador e sua vitória talvez sirva de referência para a esquerda e progressistas em geral: um dia depois de eleito ele anunciou – e era uma de suas promessas de campanhas – a revisão dos contratos “um por um” das concessões às empresas privadas no setor petrolífero. O México é a segunda maior economia da América Latina e está entre os dez maiores produtores mundiais de Petróleo.
Por que o anúncio? O que ocorreu antes? É que Enrique Peña Nieto, eleito presidente em 2012 (assumiu em 1 de dezembro), um ano depois, em 13 de dezembro de 2013, aprovou uma lei no Congresso que acabou não apenas com o monopólio estatal de exploração e produção de petróleo e gás, mas também de energia elétrica (monopólio da estatal Comissão Federal de Eletricidade (CFE). O governo afirmava pretender atrair investimentos privados e estrangeiros e nesse sentido, entre 2014 e 2018 foram assinados mais de 100 contratos com grandes empresas internacionais. E em que o país melhorou? Que investimentos foram feitos que resultassem na melhoria das condições de vida do povo mexicano? Do ponto de vista da produção de petróleo, uma das consequências foi a queda produção para o menor patamar em 40 anos.
Rever esses contratos e a aprovação da lei no Congresso foi um dos objetivos defendidos na campanha por Obrador. Resta saber se conseguirá reverter esse processo. Da mesma forma que no Brasil, os candidatos comprometidos com o país deverão (ou deveria) fazer. E que o México pelo menos sirva como referência e assim possibilite uma meia-volta da marcha da insensatez…
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Homero de Oliveira Costa é Professor Titular (Ciência Política) do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Homero de Oliveira Costa
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