Sistema para diagnóstico rápido foi descrito por pesquisadores dos Estados Unidos e do Brasil
A detecção precisa dos vírus dengue e Zika diretamente em amostras de pacientes, sem a necessidade de preparações ou equipamentos laboratoriais, tornou-se possível graças à união de Sherlock e Hudson – sim, desta vez Watson ficou de fora.
O novo sistema para diagnóstico rápido foi descrito por pesquisadores dos Estados Unidos e do Brasil na edição de 26 de abril da revista Science. O assunto é a capa da edição.
Desenvolvida no Broad Institute, vinculado ao Massachusetts Institute of Technology (MIT) e à Harvard University, a plataforma de diagnóstico Sherlock (abreviação em inglês para Desbloqueio Enzimático Específico de Alta Sensibilidade) permite detectar ácidos nucleicos (RNA e DNA) em vários tipos de amostras, de forma bastante específica, por meio de uma reação enzimática que pode ser feita em um tubo de ensaio ou em tiras de papel, mesmo longe do laboratório.
Para isso, os cientistas adaptaram uma enzima chamada CRISPR-Cas13, capaz de reconhecer ácidos nucleicos, acrescentando moléculas repórter que indicam a presença de um alvo genético, como um vírus.
Até agora, para processar as amostras de pacientes nessa plataforma, era necessário extrair e isolar os ácidos nucleicos ali presentes, o que requer infraestrutura laboratorial e pessoal treinado, dificultando a realização em campo.
Para facilitar e baratear o processo, a equipe coordenada por Pardis Sabeti no Broad Institute criou o Hudson (abreviação em inglês para Aquecendo Amostras Diagnósticas não Extraídas para Obliterar Nucleases), um tratamento químico e térmico para ser usado nas amostras com o objetivo de inativar certas enzimas que, de outra forma, degradariam os alvos genéticos.
O novo método possibilitou à enzima detectar seu alvo diretamente em fluidos corporais como saliva, urina ou sangue. As amostras podem então ser processadas por Sherlock e os resultados finais, positivos ou negativos, são facilmente visualizados em tiras de papel.
“Ferramentas rápidas e sensíveis são essenciais para diagnosticar, monitorar e caracterizar uma infecção. Este sistema está nos aproximando ainda mais de um diagnóstico rápido e fácil de usar, que pode ser implantado em qualquer lugar”, disse Sabeti em comunicado do Broad Institute.
Colaboração brasileira
A validação do novo sistema foi feita com amostras de pacientes brasileiros coletadas no âmbito de um projeto apoiado pela FAPESP e coordenado por Maurício Lacerda Nogueira, professor da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp).
“Temos feito estudos epidemiológicos com a dengue nos últimos 15 anos e, mais recentemente, também com o Zika. Isso nos permitiu ter uma coleção de amostras muito grande e bem caracterizada”, disse Nogueira à Agência FAPESP.
As amostras usadas no estudo foram colhidas entre 2015 e 2016, época de grande circulação tanto do Zika quanto da dengue na região de São José do Rio Preto. A plataforma Sherlock se mostrou capaz de processar as amostras e apresentar os resultados em menos de duas horas.
“Selecionamos uma série de amostras capazes de representar um desafio para qualquer método novo. Dengue e Zika são vírus muito parecidos, que frequentemente apresentam resultados cruzados nos testes. Essa plataforma Sherlock conseguiu diagnosticar com 100% de acerto, mesmo as amostras mistas, ou seja, positivas para mais de um vírus”, contou Nogueira.
O pesquisador conta que há mais de 10 anos tem colaborado com pesquisadores do MIT na busca por tecnologias rápidas e baratas de diagnóstico, que possam ser usadas em campo para monitorar epidemias em tempo real.
“Uma das grandes vantagens desse tipo de tecnologia é a facilidade de adaptar o teste para se adequar às necessidades do momento. Caso surja uma epidemia com um vírus novo, é possível rapidamente desenvolver o kit com os reagentes e levá-lo ao local. Porém, ainda estamos a alguns anos da aplicação comercial desse tipo de método”, disse Nogueira.
No artigo, o grupo de Sabeti mostrou ser possível desenvolver rapidamente ensaios adaptados para discriminar, usando a plataforma Sherlock, os quatro sorotipos do vírus da dengue e as diferentes linhagens do Zika que circularam pelo Brasil entre 2015 e 2016.
Além disso, os pesquisadores desenvolveram ensaios capazes de identificar nos patógenos variantes genéticas (polimorfismos) com relevância clínica. No caso do Zika, a plataforma conseguiu discriminar as amostras de pacientes que continham uma mutação em uma proteína viral chamada prM, que, segundo pesquisa publicada na Science em 2017, poderia contribuir para o desenvolvimento de microcefalia fetal.
Já no caso do HIV, vírus causador da Aids, Sherlock se mostrou capaz de identificar variantes genéticas associadas à resistência aos medicamentos antirretrovirais.
A evolução do PCR
Como ressaltaram os autores, os métodos existentes para detectar o material genético de vírus em amostras, como é o caso da reação em cadeia da polimerase (PCR, em inglês) em tempo real, são bastante sensíveis e rapidamente adaptáveis. No entanto, necessitam de equipamentos caros e extenso preparo das amostras em laboratório.
Já os testes capazes de detectar antígenos virais não necessitam de tanta infraestrutura, porém, apresentam menor sensibilidade e especificidade na detecção do patógeno.
“Um método diagnóstico ideal combinaria a sensibilidade, a especificidade e a flexibilidade das técnicas moleculares com a rapidez e a facilidade de uso das técnicas baseadas em antígenos. Tal tecnologia poderia ser rapidamente desenvolvida e aplicada diante de um surto viral emergente e seria útil tanto para vigilância epidemiológica como para uso na rotina clínica”, disseram os autores no artigo.
Para Nogueira, as técnicas que usam enzimas da família CRISPR para a detecção de ácidos nucleicos podem representar a evolução dos testes do tipo PCR.
Outras duas pesquisas sobre o tema foram publicadas na edição da Science de 26 de abril – uma delas para detecção do vírus do papiloma humano (HPV) em amostras de pacientes.
Veja o artigo Field-deployable viral diagnostics using CRISPR-Cas13 (doi: 10.1126/science.aas8836), de Cameron Myhrvold, Mauricio L. Nogueira e outros.
Fonte: Agência Fapesp
Deixe um comentário