Mulheres são mais afetadas, por ter menos tempo para cuidado pessoal e lazer num contexto de longa jornada semanal de trabalho, diz pesquisa da UFBA
Mulheres têm menos tempo para cuidar de si e, por isso, são mais propensas do que os homens a desenvolver sobrepeso e obesidade. E a situação se agrava quando se trata de mulheres negras e pardas, com menos escolaridade e que não contam com os serviços de uma empregada doméstica.
Essas são algumas das conclusões do estudo “Gender, time use and overweight and obesity in adults: Results of the Brazilian Longitudinal Study of Adult Health (ELSA-Brasil)” (“Gênero, uso do tempo e sobrepeso e obesidade em adultos: resultados do Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto”, em tradução livre), de autoria da professora Karina Pinto, da Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia (UFBA). O artigo foi publicado na edição de março de 2018 da revista científica PLOS ONE, de conceito qualis A1.
“Quando comparamos dados relacionados a homens e mulheres, percebemos que há uma redução e fragmentação maior no tempo da mulher. Se olharmos o tempo como recurso finito, trata-se de uma grande desvantagem”, afirma Karina.
A escassez de tempo e seu impacto sobre a saúde, em especial sobre excesso de peso corporal, e as diferenças dessa relação entre mulheres e homens são abordados no artigo, que estabelece uma relação entre tempo e saúde para pensar como rotinas de trabalho e de família afetam a saúde de homens e mulheres e traz evidências de que, entre as mulheres, não ter tempo para cuidado pessoal e lazer num contexto de longa jornada semanal de trabalho está sim associado ao ganho de peso. O artigo é resultado da tese de doutorado de Karina e tem como coautoras as pesquisadoras Estela Aquino e Rosane Barreto, da UFBA, Maria da Conceição Almeida do Instituto Gonçalo Moniz, da Fiocruz-BA, e Rosane Griep e Lucia Rotenberg, da Fiocruz-RJ.
Karina Pinto afirma que “estamos numa época de aceleração dos tempos sociais” e que, por isso, “é preciso analisar a relação entre tempo e saúde de maneira cuidadosa e minuciosa, de modo a enxergar o conflito que envolve demandas de trabalho e de família e sua determinação na qualidade de vida das pessoas”. A questão de gênero é central para essa investigação, pois o estudo mostra que demandas da vida profissional e familiar se dão de forma assimétrica para mulheres e homens.
Sobrecarga de trabalho pesa mais para mulheres
A forte desigualdade na divisão de tarefas domésticas que, inclusive em países desenvolvidos, sobrecarrega mais mulheres do que homens, é um importante elemento para entender o maior impacto na relação tempo e saúde no público feminino, segundo o artigo. Essa condição é ainda mais intensa quando há a presença de filhos ou de alguém dependente de cuidados.
Os dados de mais de 12 mil servidores públicos ativos, participantes do Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (ELSA-Brasil), que congrega cinco universidades federais – UFBA, UFMG, USP, UFRGS, UFES – e um centro de pesquisa – Fiocruz-RJ – foram utilizados nesta pesquisa. O artigo utilizou dados relacionados às coletas do ELSA-Brasil feitas entre os anos de 2008 e 2010.
A pesquisa revela que as mulheres são quem mais percebe a insuficiência de tempo para cuidado pessoal e lazer, 34,5%. Entre os homens, esse número é de 23,8%. Além das diferenças de gênero, outros fatores são destacados na análise da relação entre tempo e saúde. O estudo observou que, tanto em mulheres quanto em homens, a percepção de tempo insuficiente para cuidado pessoal e lazer foi maior entre pessoas com maior nível de escolaridade e entre as que se autodeclararam brancas.
A análise mostrou também que mulheres e homens possuíam uma alta incidência de sobrepeso e obesidade, porém, enquanto o sobrepeso foi maior entre os homens, 45%, a obesidade se mostrou mais expressiva entre as mulheres, 23,9%. Já no grupo de mulheres sem filhos, foi encontrada a menor incidência do excesso de peso.
A professora explica que a obesidade e o sobrepeso são duas condições de excesso de peso que impactam na saúde do sujeito e são medidas pelo índice de massa corporal. Porém, a primeira condição é marcada por um excesso de gordura que pode chegar até a um estágio mais severo, a obesidade mórbida. Já o segundo, está relacionado ao sujeito estar acima do peso desejável para manter a saúde.
Negras e pardas, com menos escolaridade e sem empregada
O estudo constatou ainda que mulheres com menor escolaridade tinham uma maior tendência de serem obesas, 30,1%. Já entre homens, quanto maior formação acadêmica, maior a incidência de sobrepeso, 45,4%. Mulheres autodeclaradas como negras e pardas apresentaram maior predominância de sobrepeso, 36,7%, e obesidade, 27,4% – tendência que não foi confirmada no público masculino.
Por outro lado, mulheres que contam com os serviços de uma empregada doméstica foram o grupo menos propenso à obesidade, 18,1%. O artigo destaca ainda que as práticas sociais brasileiras se inserem nesses dados em razão de ainda ser comum no Brasil, de modo semelhante a outros países subdesenvolvidos, a existência de empregada para realizar tarefas domésticas. Entre o grupo de mulheres sem filhos foi encontrada a menor incidência ao excesso de peso.
A pesquisa também se apresenta como um importante instrumento para pensar políticas públicas para atenuar diferenças sociais que cercam os gêneros e a falta de tempo à promoção da própria saúde pelos sujeitos sociais. Exemplificando, Karina Pinto relata que a existência de creches para os trabalhadores não beneficia apenas crianças, mas também os pais que passam a ter menos um fator de preocupação, “o que impacta diretamente na qualidade de vida dos trabalhadores e, em especial, das mulheres”.
O artigo é o segundo baseado na tese de doutorado de Karina Pinto, defendida em 2013. O primeiro foi publicado na Revista de Saúde Pública, em setembro de 2015, e abordou a análise de propriedades psicométricas de itens para mensurar o conflito trabalho-família. O terceiro, que ainda vai ser publicado, abordará a relação entre conflito trabalho-família e saúde mental.
ELSA-BRASIL
No momento, o Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (ELSA-Brasil) realiza a chamada Onda 3 ou terceira etapa de realização de exames e entrevistas nos Centros de Investigação do estudo. Na UFBA, cerca de 60% dos participantes já compareceram à Onda 3 e o agendamento continua aberto, com perspectiva de conclusão em outubro de 2018. Nessa etapa do estudo, os participantes realizam entrevistas, com questões sobre hábitos alimentares, prática de atividade física, relação com o trabalho e fazem exames, como eletrocardiograma, retinografia, bioimpedância e coleta de sangue e urina, além de novos procedimentos clínicos, que incluem a medida da força muscular de membros inferiores e avaliação de desempenho físico. Os voluntários têm recebido os seus resultados de exames com uma média de oito dias.
O Estudo, que faz parte de uma rede de pesquisa, é financiado pelo Ministério da Saúde (Decit) e Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (Finep e CNPq). Em Salvador, o Centro de Investigação do ELSA-Brasil fica localizado na avenida Araújo Pinho, 513, no Canela. Informações pelo telefone (71) 3283-7480 / 3283-7497, pelo e-mail com.elsa@ufba.br ou no site www.elsa.org.br
Veja o artigo “Gender, time use and overweight and obesity in adults: Results of the Brazilian Longitudinal Study of Adult Health” publicado na PLOS ONE.
Fonte: Ascom UFBA
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