Eleições nem sempre significam estabilidade, especialmente quando antecedidas de uma grande polarização política e ideológica
Não há uma relação necessária entre eleições e estabilidade e/ou instabilidade política. No entanto, eleições, especialmente as presidenciais, antecedidas por um clima de grande polarização política e ideológica pode levar, pós eleição, a governos constituídos com base de apoio fragmentada no Congresso Nacional e sem consistência programática (e ideológica) com conseqüências imprevisíveis, entre elas, de instabilidade política, como ocorreu com Dilma Rousseff depois das eleições de outubro de 2014.
Os momentos que antecederam o golpe de 1964 levou ao que o cientista político Wanderley Guilherme dos Santos chamou de paralisia decisória. Um presidente sem maioria parlamentar que não conseguia avançar no que se chamou de reformas de base porque o congresso – que representava os interesses das classes dominantes hostis a João Goulart – não aprovava e foi criado o clima que possibilitou a intervenção militar, ou seja, ajudou a criar as condições para a instauração de uma ditadura que durou 21 anos (aliada a outros fatores, mas esse parece ter sido um dos seus importantes componentes).
E quanto as eleições de outubro de 2018? A continuar como está – e nada parece indicar que vai mudar – a possibilidade de que a realização de eleições possa contribuir para a estabilidade política não parece ser o cenário mais provável.
Isso não significa afirmar que eleições não sejam importantes, embora alguns acontecimentos recentes possam pôr em xeque a possibilidade de sua realização, entre outros fatores porque as classes dominantes ainda não tem um candidato competitivo eleitoralmente, mesmo com Lula fora do páreo. Para o jornalista Luis Nassif, que tem acompanhado e analisado com muita acuidade o cenário político brasileiro, o assassinato de Marielle Franco e de Anderson Gomes, o atentado à caravana de Lula e ainda o que ele chamou de Fachin News (as supostas ameaças ao Ministro Luiz Edson Fachin) “aumentaram a sensação de descontrole. Imediatamente alguns setores viram nisso o álibi para adiar as eleições. Mas nenhuma tese de adiamento seria minimamente viável se significasse a prorrogação do mandato de Temer. Só os absolutamente sem-noção apostariam nisso. Se Temer for derrubado, fortalece-se a hipótese do adiamento das eleições, com o país sendo entregue ao deputado Rodrigo Maia (…) e assim “ tornar mais agudo o quadro de descontrole, para posterior aparecimento da bandeira salvadora do adiamento das eleições”.
No Congresso Nacional, o clima não parece ser também dos mais otimistas. A considerar o resultado da mais recente pesquisa divulgada pelo Painel do Poder (projeto desenvolvido pelo Congresso em Foco em parceria com o Instituto Brasileiro de Pesquisa e Análise de Dados) é o pior prognóstico aferidos da cinco pesquisas feitas desde 2017. Algumas das principais lideranças do Congresso Nacional são céticas quanto a uma eventual redução da crise política mesmo com as eleições sendo realizadas e seus resultados aceitos.
A pesquisa tem por objetivo “A aferição das tendências predominantes nas duas casas legislativas quanto ao relacionamento com o governo federal, a avaliação de políticas públicas e de temas específicos da pauta parlamentar e a influência de grupos organizados no Congresso Nacional”. E assim, visa monitorar as percepções “daqueles que mandam no Congresso Nacional”.
Na pesquisa mais recente foram entrevistados 52 parlamentares entre senadores e deputados considerados como os que têm papel relevante no Legislativo “respeitando-se a proporcionalidade em cada Casa, entre governistas e oposicionistas e as divisões regionais, como líderes partidários, membros das Mesas Diretoras da Câmara e do Senado, presidentes de comissões e influenciadores das principais bancadas temáticas, (produtores rurais, dos direitos humanos, sindicalistas, evangélicos etc.).
A constatação é que, para a maioria, a instabilidade política não vai diminuir: apenas 19,2% acham que sim, enquanto 40,4% consideram que vai aumentar e 36,5% que continuará, ou seja, 76,9% são pessimistas em relação a possibilidade de que haverá estabilidade política, mesmo com a realização das eleições.
O cenário, portanto, não é animador nem mesmo dentro do Congresso Nacional. No entanto, há questões muito relevantes em jogo. Se não houver eleições, o que vai ocorrer? Intervenção militar? Nesse sentido, o fundamental para os que se empenham para a sua realização deve ser a manutenção do regime democrático. Antes, durante e principalmente depois das eleições.
Mas, como manter o estado democrático de direito quando nos momentos que antecedem as eleições, há um avanço do Estado de Exceção? Quando nos referimos à preservação da democracia é, também, no sentido de assegurar as eleições e respeitar seus resultados, mas uma coisa é a competitividade e os resultados eleitorais, outra, fundamental, deve ser a estabilidade do governo eleito. Senão, como governar?
É certo que a instabilidade de um governo não resulta necessariamente na instabilidade do regime, mas também é possível que de governos instáveis e que prolongue, como ocorreu no período de João Goulart (1961-1964) acabe por desestabilizar não apenas o governo, como a própria democracia.
Para isso, numa democracia, os atores políticos devem aderir às regras do jogo democrático, o que implica aceitar uma eventual derrota nas eleições. Essa adesão é fundamental para a estabilidade política. Uma questão central, portanto é que todos os competidores aceitem essas regras. O entendimento deve ser o de que os custos da derrota eleitoral numa democracia devem ser menores para as forças políticas derrotadas do que os benefícios de subverter a ordem democrática.
Outro aspecto importante para estabilidade política, além da aceitação dos resultados da eleição, é que a radicalização não resulte em alternativas autoritárias. Nas eleições de 2014 os questionamentos dos derrotados sobre a lisura do processo eleitoral, com o indispensável apoio da grande mídia, levou a uma crise política que se ampliou até o impeachment de presidenta Dilma Rousseff em agosto de 2016 (claro que o impeachment não foi resultado apenas desses questionamentos, há outros componentes, mas este não deve ser desprezado).
No presidencialismo de coalizão – que é o que temos – a estabilidade dos governos dependem também da estabilidade das coalizões: a falta de sustentação política no parlamento é uma situação potencial de crise e instabilidade. Portanto, há a necessidade de um arranjo institucional que propicie a formação de coalizões estáveis responsáveis pela vitória eleitoral para garantir a estabilidade política dos governos (e do regime).
O problema é que a forma como se constituem e principalmente como se mantém as coalizões, tem graves conseqüências: como elas não se constituem em função de programas e ideologias, nem sempre se mantém e quando um ou mais partido sai da base de sustentação do governo, por divergências políticas ou por oportunismo, como aconteceu com a saída do PMDB e depois de outros partidos como o PP e PSD, do governo Dilma Rousseff, ampliou a crise cujo resultado foi o impeachment.
No momento, o que parece ser um grande desafio para a democracia no Brasil é a realização das eleições de outubro e a possibilidade da constituição de um governo com a capacidade de manter-se em meio a uma grande radicalização e polarização política, antecedido por um clima de intolerâncias e ódios que deverá continuar durante e depois das eleições.
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Homero de Oliveira Costa é Professor Titular (Ciência Política) do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Homero de Oliveira Costa
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