No Dia Internacional dos Museus, o entrevistado na sessão Perfil do Pesquisador, Antônio Pavão, defende o papel político da Ciência e dos cientistas
Mais do que um pesquisador, o professor do Departamento de Química da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Antônio Carlos Pavão, é um apaixonado pela Ciência e pelas pessoas. Tanto que tem dedicado grande parte de sua vida à popularização do conhecimento científico com todas as pessoas. Reconhece a Ciência como construção social e defende que ela tem lado e, historicamente, tem dado voz aos vencedores.
Esse pernambucano, conforme título de cidadania conferido pela Assembleia Legislativa em 2013, tem posição política clara: a luta por um mundo melhor é permanente e necessária e ela inclui a apropriação social do conhecimento. Assumindo-se como ainda não curado da “doença infantil do esquerdismo”, que é a pressa em ver resultados da atuação política, afirma que é pacifista e que se tiver uma guerra, sua alternativa é “mato ou morro. Ou fujo para o mato ou fujo para o morro.”
Pavão teve como orientador do doutorado o pesquisador Newton Bernardes, que era muito ligado ao físico Cesar Lattes. Bernardes trabalhou com os ganhadores do Prêmio Nobel de Física de 1972, Bardeen, Cooper e Schrieffer, na Teoria da Supercondutividade.
No dia em que se comemora o Dia Internacional dos Museus, Nossa Ciência publica a primeira parte do perfil desse pesquisador, que criou e dirige há mais de 20 anos o Espaço Ciência, um dos mais importantes museus de ciência do Brasil e local escolhido pelo próprio Pavão para esta entrevista.
Nossa Ciência: Como foi sua vinda para o Recife?
Antônio Pavão: Quando eu vim para Recife, eu fiquei lotado no Departamento de Física da UFPE. Ainda não existia o Departamento de Química que temos hoje e eu desenvolvia pesquisa na área de Física Atômica e Molecular, que é o mesmo significado de Química Quântica. Há uma área de tangência entre Física e Química.
Para ler a segunda parte dessa entrevista, acesse aqui.
NC: Em que ano?
AP: 1979. Eu terminei meu doutorado em dezembro de 1978 e eu, que sou de uma cidade chamada Quintana, que tem 5 mil habitantes, mesmo tendo morado na capital por 10 anos, durante a graduação, o mestrado e o doutorado na USP, nunca me adaptei naquela loucura de São Paulo. E naquele tempo um doutor em Química podia escolher para onde ir. Tinha propostas para o interior de São Paulo – São Carlos e Campinas. Minha mãe era doida que eu fosse para São Carlos para ficar mais perto dela. Tinha também proposta para professor visitante para Salvador e Recife, que eu não conhecia. E eu vim passar o Natal em Salvador e o ano novo em Recife. Quando eu cheguei aqui em Recife, eu falei é aqui mesmo que eu quero ficar.
NC: O que pesou nessa escolha?
AP: Três razões pesaram para eu viesse para Recife. A primeira de ordem acadêmica: eu fui convidado pelo professor Ricardo Ferreira, que é o maior químico brasileiro, e ele queria montar aqui um grupo de Química Teórica, que era na minha área de especialização e ele foi da minha banca de Doutorado. Tinha essa perspectiva acadêmica muito boa de formar um grupo e hoje nós temos na UFPE o maior grupo de Química Teórica do Brasil, e que é conhecido nacional e internacionalmente. Teve uma razão política: na época, eu era militante da Convergência Socialista, um partido clandestino e a gente queria expandir o partido aqui no nordeste. Recife era mais atraente do ponto de vista político e também, é preciso acrescentar, a cidade é um caldo cultural muito interessante, uma cidade bonita, com História marcante no país e no mundo. Montamos o partido, tivemos muito sucesso, ele cresceu muito aqui, fizemos algumas agitações. A terceira razão foi porque o meu orientador do Doutorado, o professor Newton Bernardes, um dia falou assim: Pavão, se você quiser ser um grande cientista, só tem duas alternativas. Ou você nasce em Pernambuco, se referindo a Mário Schenberg, Leite Lopes, Paulo Freire, Leopoldo Nachbin, ou você casa com uma pernambucana. O fato é que ele era casado com uma pernambucana. E depois eu descobri que essa frase nem era dele, ela do (Cesar) Lattes, que também era casado com uma pernambucana.
NC: O que o atraiu para a Química?
AP: Eu sou de uma geração que foi muito influenciada pela história da bomba (nuclear), energia nuclear e eu sempre me destacava em Ciências e Matemática. Juntando com isso tinha outros interesses meus, que foram cultivados por alguns professores. Naquela época, no ensino médio, a gente podia escolher entre o Normal, o Clássico e o Científico. Normal era para ser professor; Clássico para as Ciências Humanas e Sociais; e Científico para as áreas de Exatas e eu escolhi o Científico, o que caracterizava uma tendência minha. Eu sai do interior para São Paulo para fazer Física, mas no cursinho, eu conheci ‘uma Química’ que eu ainda não tinha sido exposto a ela, a Química Quântica, a Química Teórica, a Química mais moderna, não aquela Química clássica dos laboratórios fedorentos, de se manipular materiais de reações químicas. Eu me empolguei com a Química, mas nunca abandonei a Física porque durante a graduação convivia com o pessoal da Física, fazia algumas disciplinas isoladas lá e depois a minha pós-graduação foi no Instituto de Física da USP. Na Química, eu realmente me acertei. Hoje eu fico brincando, eu chamo os físicos de proto-químicos, um dia eles vão chegar lá…(risos)
NC: E a política?
AP: Ainda em São Paulo, em 1974, eu entrei para um partido clandestino chamado Liga Operária, que é um partido Trotskista ligado à Quarta Internacional e que tinha uma posição política que era da luta pelo Movimento de Massas. Naquele tempo tinha duas linhas que lutavam contra a Ditadura, uma pela luta armada, outra pelo Movimento de Massas. Eu sempre fui pacifista. Nunca me envolvi diretamente na política (partidária). Tive muito na raiz da fundação do PT, mas nunca fui do PT. A minha política era construir um partido revolucionário e o PT não é um partido revolucionário. Aqui em Pernambuco, eu tive que depor na Polícia Federal por causa de uma greve já na década de 1980. Hoje eu aprendi muito, sei que essa é uma luta permanente. Eu continuo numa linha Trotskista.
NC: O que mudou na ação política? Há conexão entre a luta e a prática?
AP: E hoje como é que eu conecto essas coisas? Claro que eu faço do Espaço Ciência uma continuidade dessa minha luta. Eu tenho uma compreensão maior da importância da divulgação do conhecimento, da socialização do conhecimento científico. No socialismo do Marx, sabe-se que a produção é social e a apropriação é individual. E ele fala que se a produção é social, a apropriação também tem que ser social. No caso do conhecimento é a mesma coisa. A produção do conhecimento científico é social, muito embora alguns levem a fama, como Einstein, Darwin, esse mito que a gente cria do cientista. Mas a gente sabe que Einstein só pode desenvolver a sua Teoria da Relatividade, quando a Teoria dos Espaços Multidimensionais já estava desenvolvida. Pouca gente conhece Lawrence (Hawdrik Lawrence), mas ele também praticamente desenvolveu a Teoria da Relatividade. A produção do conhecimento científico é social, portanto a apropriação também tem que ser social. Daí a necessidade histórica da divulgação científica e da educação científica e é isso que eu trabalho! Quer dizer que eu continuo assim com esse meu afã revolucionário, construindo a sociedade socialista, construindo esse mundo mais justo. Esse é um caminho que não se vê resultados tão imediatos, não se vê muitos resultados, mas a gente sabe da influência que isso daqui tem na cabeça do visitante. Por exemplo, depois de 21 anos que estamos aqui é muito comum encontrar pessoas que falam: ah, quando eu era criança, visitei o Espaço Ciência, hoje eu sou físico, eu sou engenheiro, sou médico … Aqui todo dia, toda hora eu saio e vejo menino pulando, aquela alegria, aquela coisa da surpresa, o brilho nos olhos. Isso me dá uma satisfação pessoal muito grande de perceber que esse trabalho também está dando fruto. É todo um trabalho que a gente queria ver logo o fruto, aquele esquerdismo nosso – o Lenin dizia que o esquerdismo era a doença infantil do comunismo – mas eu continuo ainda no esquerdismo, essa doença infantil, querendo que as coisas aconteçam logo.
NC: Como é a sua produção científica? Tem orientandos?
AP: Hoje contando com Mestrado e Doutorado, incrível, nem sei como eu me viro, mas eu tenho uns 15 alunos.
NC: Como é a sua rotina?
AP: Em geral, às segundas, quartas e sextas eu fico no Espaço Ciência. Às terças e quintas eu vou para a Universidade. Quatro dos meus alunos são orientandos de um Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências, que é uma conexão que a gente tem como a Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Continuo na minha área de pesquisa em Química Teórica, trabalhando com temas como Magnetismo, Supercondutividade, Carcinogênese Química, Fundamentos de Química Quântica, Catálise. O químico teórico está mais livre para transitar por diversas áreas. E como eu quero ganhar o Prêmio Nobel, eu sigo o conselho do Linus Pauling. Ele falava que a melhor forma de você ter uma boa ideia, é você ter várias ideias. Tivemos sucesso em alguns trabalhos que a gente fez. Na minha vida pessoal, eu reduzi uma coisa que eu fazia muito. Eu trabalhava à noite, nos fins de semana, levando trabalho para casa. Hoje ainda faço isso, mas pouco. Eu reservo meu final de semana para minha família, para meu jardim, para minha horta.
Deixe um comentário