“Uma possível assimetria entre matéria e antimatéria daria luz na explicação de um dos maiores mistérios da física”, garante autor de artigo publicado na Nature
Pode estar perto a resposta aos versos “Queremos notícia mais séria / Sobre a descoberta da antimatéria”, de Gilberto Gil, cantados no disco Viramundo, de 1976. Quem escreve sobre o feito é o professor Cláudio Lenz Cesar, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), cujo trabalho de mais de 20 anos, é mais uma vez reconhecido com a publicação de um artigo na revista Nature (disponível aqui). A publicação traz a medida mais precisa e acurada sobre antimatéria. A medida da frequência na transição 1S-2S em antihidrogênio, num salto da camada “K” para a camada “L”, excitada por um laser ultrapreciso referenciado ao relógio atômico foi realizada com acurácia de 2 partes por trilhão. O artigo é da Colaboração Alpha, do Centro Europeu para Pesquisa Nuclear (CERN, na sigla em inglês).
“Essa medida com 12 algarismos significativos adentra um regime inexplorado na comparação entre matéria e antimatéria, onde surpresas podem se revelar. A partir dessa precisão, possíveis discrepâncias entre matéria e antimatéria não contrariaram experimentos prévios que chegaram a 11 algarismos e níveis maiores de energia. Uma possível assimetria entre matéria e antimatéria daria luz na explicação de um dos maiores mistérios da física: porque o Universo contém somente material primordial e não antimatéria ou igual quantidades de ambas. A comparação entre matéria e antimatéria testa a simetria fundamental da física de Carga-Paridade-Tempo (CPT), que é base do Modelo Padrão da Física, o contexto onde são organizadas as partículas fundamentais e suas interações”, explica.
Aprisionamento do antihidrogênio
De acordo com o press-relase da UFRJ, o feito é a coroação de 20 anos de trabalho, começando na colaboração Athena, que produziu os primeiros antiátomos de hidrogênio, seguindo na colaboração Alpha, onde foi realizado o primeiro aprisionamento e a primeira excitação a laser do antihidrogênio, publicado na Nature em 2017. Esses experimentos baseados na espectroscopia a laser contaram com a participação e know-how fundamental do grupo brasileiro no Alpha. O professor Cláudio Lenz Cesar realizou essas medidas há 20 anos com hidrogênio aprisionado, no Instituto de Tecnologia de Massachusets (MIT). Uma série de conhecimentos muito técnicos e específicos como servo-sistemas e tratamento fotoquímico dos espelhos, que foi fundamental para os resultados de 2017, quanto detalhes da teoria da forma da linha espectral foram trazidos a esse experimento. Para os recentes resultados, a cavidade ótica criogênica – essencial para aumentar a potência do laser para excitação dos átomos – foi totalmente desenvolvida pelo grupo brasileiro. “Trata-se de uma contribuição fundamental sem a qual essa medida não poderia ter sido realizada em 2017”, reforça a publicação.
Além de Cláudio Lenz Cesar, também no grupo de brasileiros no Alpha os professores Daniel de Miranda Silveira e Rodrigo Lage Sacramento, e o doutorando Bruno Ximenez Alvez, que operou o experimento e sistema de laser para essas medidas. Daniel Silveira foi coordenador de algumas rodadas experimentais para esse dados, e Rodrigo Sacramento foi responsável pelo comissionamento do equipamento principal do experimento: o criostato e armadilha magnética do Alpha. No desenvolvimento da cavidade ótica criogênica, publicada no jornal Review of Scientic Instruments, houve contribuições do pesquisador do Inmetro, Álvaro Nunes de Oliveira, dos alunos de graduação Lucas da Silva Moreira, da UFRJ e Lawson Kosulic, do MIT, e também dos professores Wania Wolff e Victor Brasil.
Em entrevista ao Nossa Ciência, em 2017, o cearense Cláudio Lenz Cesar demonstrou preocupação com o corte de recursos que vem atingindo fortemente a ciência brasileira. Agora, duas variáveis poderão interferir nos estudos. A primeira é que o grupo brasileiro busca recursos para instalar no CERN a técnica MISu, desenvolvida na UFRJ para poder aprisionar hidrogênio na mesma armadilha do antihidrogênio, o que vai possibilitar chegar a comparações de 14, 15 ou 16 algarismos significativos. A segunda preocupação, informa o professor, é a busca constante de bons alunos, que queiram desvendar a antimatéria, que é um dos maiores mistérios da física.
Relógio da antimatéria faz tic-tac
O pesquisador garante que a medida agora alcançada, que dá origem ao artigo na Nature, é um feito histórico e “representa um excelente exemplo de pesquisas em Física Fundamental na área de Altas Energias em colaboração científica internacional com componente de tecnologia desenvolvida no Brasil.”
Será que a natureza vai confirmar essa simetria entre matéria e antimatéria, ou vai nos mostrar uma surpresa abrindo todo um novo leque de fenômenos e teoria física? Será que o relógio de antimatéria faz tic-tac na mesma frequência que o de matéria no campo gravitacional? Será que o antiátomo cai sob ação da gravidade com a mesma aceleração que o átomo? Para o professor Lenz Cesar, “essas são perguntas fundamentais e que agora podem ser respondidas com altíssima precisão, no caso da espectroscopia a laser, e precisão incremental no caso da medida balística da aceleração de gravidade.”
O grupo brasileiro tem tido apoio parcial de instituições como CNPq, FAPERJ, FINEP e da Rede Nacional de Física de Altas Energias. Lenz Cesar explica que o experimento foi realizado no Desacelerador de Antiprotons (AD) no CERN, “onde todos os outros grupos competidores também se concentram, pois é a única infraestrutura no mundo capaz e dedicada a esse tipo de pesquisa.”
Ouça: Entrevista com o físico Cláudio Lenz Cesar no podcast Frontdaciência
Mônica Costa
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