Lembrar-se de palavras como aquecimento global, descarbonização da economia, energias renováveis, áreas litorâneas, Acordo de Paris e não associá-las à energia eólica e solar, certamente, é algo pouco provável
Quem viaja pelo Litoral Leste do Estado do Ceará, CE-040, também conhecido como Costa do Sol Nascente, em direção ao município de Santana do Matos (BR-304), estado do Rio Grande do Norte, percebe que as paisagens tanto das cidades litorâneas como do belíssimo sertão Potiguar estão mudando. Estas mudanças não dizem respeito apenas às duplicações das estradas ou aos fenômenos associados às chuvas e/ou estiagem. Os cataventos gigantes, tecnicamente conhecidos como aerogeradores, estão mudando o cenário da região a uma velocidade impressionante. A percepção dos ventos fortes e contínuos ao longo de toda essa região, mesmo que intuitivamente, não deixam dúvidas quanto ao potencial do aproveitamento destes para a geração de eletricidade. Lembrar-se de palavras como aquecimento global, descarbonização da economia, energias renováveis, áreas litorâneas, Acordo de Paris e não associá-las à energia eólica e solar, certamente, é algo pouco provável.
A energia eólica já é há algum tempo uma realidade em uma parte da região Nordeste. Essa região ocupa o status de maior geradora desse tipo de energia no país, bem como de detentora da maior capacidade instalada. Mesmo assim, o que é produzido ainda é muito pouco frente ao imenso potencial a ser utilizado. Segundo estimativas da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), o país possui 13 GW de capacidade instalada, porém o potencial eólico seria superior a 500 GW. A redução do custo de geração dessa fonte de energia no país, hoje em desvantagem apenas da energia hidrelétrica, e o desenvolvimento da cadeia produtiva nacional desse segmento, o qual é responsável por produzir grande parte dos equipamentos utilizados, têm contribuído sobremaneira para essa vanguarda. Obviamente os incentivos fiscais e a realização de leilões de energia eólica no Brasil têm atraído muitos investidores. Nesse cenário, os estados que lideram a geração desse tipo de energia, segundo uma ordem crescente, são: Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Sul, Ceará, Bahia e Rio Grande do Norte.
De acordo com o relatório divulgado recentemente, 14 de fevereiro último, pelo Conselho Global de Energia Eólica (The Global Wind Energy Council – GWEC) as nações líderes em instalação e capacidade acumulada são a China e os EUA, respectivamente, ambos seguidos pela Alemanha. Ainda segundo esse relatório, o Brasil alcançou a oitava colocação e com boas perspectivas de galgar posições melhores em um futuro não muito distante. O estado do Rio Grande do Norte lidera a geração de energia pelo vento com aproximadamente 137 parques eólicos, sendo que, dentre estes, o parque de Calangos – na serra de Santana do Matos – representa a maior instalação geradora desse tipo de energia na América do Sul. Mas apesar da frequência e abundância dos ventos ao longo do ano na região, o estado ainda anda a passos lentos na instalação e interligação das linhas de transmissão, o que dificulta o escoamento da energia gerada.
Mesmo com todas as perspectivas positivas dessa matriz energética, que é mais limpa quando comparada a outras fontes ou ainda socialmente menos impactante quando comparada à construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, outras questões têm suscitado muitas discussões a respeito da utilização dessa fonte renovável, tida por alguns como não tão limpa assim, já que, do ponto de vista socioambiental, a mesma tem sido associada a inúmeros problemas. O maior deles diz respeito a compra, posse, grilagem, arrendamento e venda de terrenos para a instalação dos aerogeradores, o que estaria induzindo irracionalmente a especulação imobiliária e, portanto, impactando populações e comunidades no entorno dessas regiões.
Vale lembrar que nos locais onde os ventos são tidos como uma mina de ouro, muitas comunidades e populações sofrem com a pobreza. Outra questão diz respeito aos processos de terraplanagem, compactação da terra, desmatamento e abertura de estradas, os quais estariam afetando as atividades produtivas e econômicas dos moradores das localidades alvo dessas instalações, empobrecendo-os ainda mais. Ou seja, o modelo de instalação e expansão dessa atividade econômica, em alguns locais estaria atrelado a práticas socialmente injustas. Certamente nem todas as regiões devem estar sendo alvo desses modelos predatórios.
Por fim, o boom experimentado com o surgimento dos inúmeros parques eólicos nos últimos anos e o imenso potencial dessa matriz energética no país traz à tona inúmeras reflexões como, por exemplo, acerca da cobrança de royalties. No final do ano passado, os ânimos ficaram a flor da pele com a aprovação de uma proposta de Emenda à Constituição (PEC) aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados com vistas à cobrança desses royalties. Vale lembrar que a Constituição Federal prevê a partilha entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios dos royalties decorrentes da exploração de petróleo e gás natural, bem como dos recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e dos recursos minerais. Certamente ainda haverá muito vento para turbinar essa discussão!
A ciência tem trazido à tona muitas evidências de que um dia o sertão fora mar e, quem sabe, um dia tornará a sê-lo novamente. Essas mudanças profundas e lentas até popularizaram-se ao virar letra de música da cantoria popular. Outras mudanças, por sua vez, são rápidas e diárias, como o deslocamento aparente do sol e a intensidade do calor e dos ventos. Estas acompanham a rotina diária do sertanejo. Porém, enquanto esses moradores ilustres do sertão potiguar, bem como aqueles da faixa litorânea, ainda aguardam as mudanças a médio prazo oriundas da geração de energia dos ventos, mantém-se a esperança que, assim como com a chuva, os ventos tragam bonança, prosperidade, felicidade e justiça socioambiental aos moradores dessas regiões. Após isso, as viagens pelas estradas da Terra da Luz (Ceará) em direção à esquina do Brasil (Rio Grande do Norte) e vice-versa serão de vento em popa.
A Coluna do Jucá é atualizada às quintas-feiras. Leia, opine, compartilhe, curta. Use a hashtag #ColunadoJuca. Estamos no Facebook (nossaciencia), no Instagram (nossaciencia), no Twitter (nossaciencia).
Leia o texto anterior: Ser um ser pensante não nos exclui da natureza, do mesmo autor
Thiago Jucá
Deixe um comentário