Série de reportagens revela o grave quadro de crise pelo qual passa a Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
Uma série de reportagens especiais revela o quadro de crise da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) que passa por um dos momentos mais difíceis desde sua criação. Orçamento limitado, proposta de federalização e greve dos professores com salários atrasados são alguns dos problemas enfrentados pela instituição. Nossa Ciência ouviu o reitor Pedro Fernandes Ribeiro Neto; a doutora do Mestrado em Filosofia e líder de um grupo de pesquisa no campus de Caicó, Shirlene Mafra Medeiros e a presidente da Associação dos Docentes da Universidade (ADUERN), professora Rivânia Moura.
Nessa primeira parte, a professora Shirlene Medeiros fala como as pesquisas são afetadas pela falta de investimentos e ingerência política.
A UERN foi criada em 28 de setembro de 1968, pela Lei Municipal nº 20/68. Nasceu com o nome de Universidade Regional do Rio Grande do Norte – URRN, vinculada à Fundação Universidade Regional do Rio Grande do Norte – FURRN. Na história de sua criação aparecem duas outras instituições, mostrando que a ideia de uma universidade em Mossoró tem origem mais remota. A primeira é a Faculdade de Ciências Econômicas de Mossoró, criada em 1943 pela Sociedade União Caixeiral, que já mantinha uma escola técnica de comércio, mas passando a funcionar, de fato, apenas em 1960. A segunda é a FUNCITEC – Fundação para o Desenvolvimento da Ciência e da Técnica -, fundada em 1963. Com a FUNCITEC, acelerou-se a oferta do ensino superior na cidade. Sob sua coordenação, são criadas a Faculdade de Serviço Social de Mossoró, em 1965, e o Instituto de Filosofia, Ciências e Letras de Mossoró, no mesmo ano, com os cursos de Pedagogia, Letras, História e Ciências Sociais, e, em 1968, a Escola Superior de Enfermagem de Mossoró.
A falta de credibilidade com a Universidade é um problema grave na UERN, aponta a professora doutora do Mestrado em Filosofia e líder de um grupo de pesquisa no campus de Caicó, Shirlene Mafra Medeiros. Segundo ela, isso acontece devido à carência de recursos para investimentos no ensino, na pesquisa e na extensão. Inclusive, relata, muitos professores manifestam o desejo de fazer concurso para outras instituições dentro do estado e fora.
Para Shirlene Mafra Medeiros, a UERN sofre com a ingerência de líderes políticos que têm se sobreposto aos interesses sociais dentro da Universidade: “Eles não estão dando o valor que a própria Universidade tem e isso dificulta o nosso trabalho de pesquisa; dificulta a credibilidade com a sociedade. Essa falta de reconhecimento social, destaca, é muito ruim para a Universidade.
A professora desenvolve pesquisas na área da educação. Uma delas em parceira com a Universidade Santiago de Compostela, na Espanha, com a pesquisadora Rita Maria Radl-Philipp. Outra pesquisa na qual atua é na extensão em duas escolas públicas no município de Cruzeta, região do Seridó potiguar, com foco na filosofia do autor norte-americano George Herbert Mead. De acordo com ela, é primeira experiência de prática de educação desse filósofo no Brasil.
Nesta pesquisa, ela não conta com bolsista e a maioria dos colaboradores é de voluntários. A greve dos professores paralisou o andamento da pesquisa mas, segundo ela, a paralisação é necessária diante da falta de valorização dentro da instituição. Mesmo assim, Shirlene Mafra Medeiros conta que não para de trabalhar porque tem compromisso social dos profissionais envolvidos na pesquisa articulada com Radl-Philip desde 2016.
O trabalho com base em Herbert Mead, explica, é baseado no interacionismo simbólico, “uma forma de reconhecimento social, de valorização do ser humano, dentro da Filosofia e da Cociologia articulados, e Psicologia Social. São três áreas de atuação com profissionais da UERN das áreas da saúde, da educação, da filosofia, da ação social.
A professora foi diretora de duas escolas estaduais. Na Otávio Lamartine, onde desenvolve o Projeto de Educação de Valores e a Filosofia a Sociologia para crianças. Essa escola já foi referência no Ideb, mas por falta de continuidade, os indicadores começaram a cair. “A escola está em processo de declínio e estamos tentando reconstruir com projetos de extensão da UERN”. Na Escola Joaquim José de Medeiros, referência estadual nos resultados do Ideb, ela desenvolve o projeto de extensão “O alto preço do silêncio e o cuidado interativo: a violência em suas múltiplas dimensões individuais e sociais” para combater as formas de violência na escola e na comunidade, e originou sua dissertação de Mestrado na UFRN e cuja experiência ganhou destaque nacional e internacional.
Problemas
Enquanto se discutem projetos de rumos institucionais para a UERN, a Universidade passa por privações nos investimentos. Shirlene Mafra Medeiros critica a falta de investimentos e reconhecimento na pesquisa, “um problema seríssimo”. E sua análise, é um problema estrutural, de carência de recursos para investimento. No caso do campus de Caicó, onde atua, ela diz não ter sequer um auditório para atividades. E muitas das melhorias, como a pintura do muro da Universidade, são realizadas graças a esforços individuais. Neste caso, dela e de outros profissionais sem a participação institucional.
A greve, descreve a pesquisadora, é por dignidade, por reconhecimento social. “Nós não temos o reconhecimento social na região do Seridó ainda em função desse quadro caótico que a Universidade passa, apesar de termos trabalhos desenvolvidos. Mas falta, principalmente, esse reconhecimento social”, relata e volta a falar da interferência de alguns líderes políticos que, na sua opinião, tentam desvirtuar todo o trabalho acadêmico e de grandes impactos sociais que a Universidade desenvolve.
Caicó, exemplifica, tem um trabalho “excelente” na área de educação na filosofia, da saúde. “Nosso grupo é multidisciplinar, ele tem profissionais na pesquisa, tem filósofos, pessoal da área de ação social, temos pessoal da área da saúde”.
A pesquisa que ela desenvolve tem como viés a questão da emancipação social e como isso se dá no processo de formação social, que só pode acontecer através do conhecimento, responde a professora, que está ja UERN desde 2005. Em 2016, ela ganhou o Prêmio Mulher Pesquisadora da FAPERN. Em 2000, com o trabalho na escola em Cruzeta, onde era diretora, também veio o reconhecimento como educadora como referência nacional e internacional no ensino da Filosofia. “Fui na Argentina, Córdoba, Buenos Aires, Estados Unidos, no estado da Flórida até o estado de Oregon, socializando a experiência de Cruzeta”, que levou para a pesquisa na UERN mas que, por falta de recursos, a continuidade pode ficar comprometida.
Federalização
Criada em 1968 com o nome Universidade Regional do Rio Grande do Norte (URRN), por lei municipal em Mossoró, e foi estadualizada em 1987. Agora, além dos rumores sobre privatização, agora, a discussão é a sua federalização.
A Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) exige esclarecimentos acerca da notícia com declarações atribuídas a técnicos do Tesouro Nacional que teriam recomendado a federalização da UERN.
Em nota publicada no último dia 30 de janeiro, o reitor Pedro Fernandes Ribeiro Neto lembra que há 30 anos foi discutida a estadualização, anexação à antiga ESAM (atual UFERSA) ou federalização, e prevaleceu a primeira proposta. Segundo a nota, na década passada a ideia da federalização voltou a ser discutida e mais uma vez foi rejeitada pelo Governo Federal.
Segundo o reitor, há três anos a ABRUEM (Associação Brasileira das Universidades Estaduais e Municipais) discutiu com o Congresso Nacional e Ministério da Educação a possibilidade de aporte financeiro para as universidades estaduais que seria no valor de R$ 2 mil/mês por aluno. A da UERN ao ENEM/SiSU deveria assegurar o valor de mais de R$ 2 milhões/ano por aluno e nada disse aconteceu.
Por causa das informações atribuídas ao Tesouro Nacional, a UERN está solicitando esclarecimentos ao órgão. “A administração da UERN tem compromisso com o ensino público, gratuito e de qualidade bem como com a estabilidade de técnicos e professores conquistada via concurso público. O momento exige luta pelo fortalecimento da UERN enquanto universidade estadual e gratuita cumprindo o papel de levar o ensino superior a todas as regiões do Estado formando profissionais e, em especial, professores que ajudam a garantir o ensino básico em todas as cidades do Rio Grande do Norte”, encerra a nota.
Silvio Andrade
A UERN é importante para o RN, ela forma docentes e também contribui muito com boas pesquisas em várias áreas.
Mas lendo a reportagem fica claro que o Reitor só está preocupado com essa notícia de federalização porque com isso a UERN mudaria. Deixaria de ser um microcosmo político. Se ela fosse incorporada ao governo federal ou mesmo convertida em um IF seria melhor, já que o Estado nunca se preocupou com a Instituição. Então porque manter do jeito que está?
Lamentável!!! Resultado de Políticas reversas; do Governo. Igualmente na Segurança e Saúde. Mandatários jamais serão eleitos com tantos desmandos sem solução.