Assim como no livro A Magia da Realidade de Richard Dawkins, algumas descobertas científicas parecem desafiar a nossa compreensão - que de fato ainda é muito limitada - acerca da realidade
“Realidade é tudo o que existe. Parece claro, não? Só que não é. Há vários problemas. O que dizer dos dinossauros, que não existem mais? E das estrelas, tão distantes que quando sua luz finalmente chega até nós e conseguimos vê-las podem já ter se extinguido?”. Esse parágrafo marca o início do livro de Richard Dawkins, A Magia da Realidade. Para quem não o conhece, Dawkins é um biólogo evolucionista, além de escritor e palestrante. Famoso pela autoria de vários best-sellers dentre os quais “O Gene Egoísta” e o “Relojoeiro Cego” e polêmico pelas duras críticas ao cristianismo e ao “design inteligente”, Dawkins é um ateu declarado.
Em “A Magia da Realidade”, Dawkins trata de inúmeras questões acerca do mundo natural, as quais já foram vistas como sobrenaturais em outros tempos, porém hoje são explicados cientificamente por meio da “magia” da realidade. Magia esta que o autor faz questão de explicar: (…) Existem muitas formas de magia. Nossos ancestrais usavam o sobrenatural para explicar o mundo antes do desenvolvimento do método científico. Os antigos egípcios explicavam a noite sugerindo que uma deusa engolia o sol. Os vikings acreditavam que o arco-íris era uma ponte entre a morada dos deuses e a Terra. Os japoneses diziam que os terremotos aconteciam quando um gigantesco bagre que carregava o mundo nas costas balançava a cauda. Essas histórias tinham como tema a magia, acontecimentos extraordinários. Mas há outro tipo de magia, que pode ser encontrado na alegria de descobrir as verdadeiras respostas para essas perguntas. Trata-se da ciência, a magia da realidade (…).
Certamente, o aspecto ilustrativo do livro, o qual contém uma experiência visual incrível, aliado às explicações extremamente didáticas e reflexões fascinantes permite inseri-lo em um contexto no qual pais e filhos, professores (as) e alunos (as), jovens e adultos, crianças e idosos, podem discuti-lo e, acima de tudo, compartilhar ideias de maneira tal que a curiosidade, a criatividade e a inteligência parecerão bilhetes para uma viagem pelo mundo da história natural. Todos os capítulos iniciam com perguntas, mas para mim, os três primeiros, em especial, (1- O que é realidade? O que é magia? 2- Quem foi a primeira pessoa? e 3- Por que existem tantos tipos de animais?) são os mais fascinantes e divertidos, os quais inclusive remetem-me à série de TV de animação brasileira “O Show da Luna”, cuja personagem principal é uma menina de seis anos de idade que ama a ciência e juntamente com seu irmão, o Júpiter, e o seu furão de estimação, Cláudio, não se cansam de fazer a seguinte pergunta: eu quero saber por quê…? Quem tem curiosidade, gosta de ler e/ou entender um pouco mais a respeito da evolução biológica e, assim como a garota Luna, quer saber o porquê? Vale a pena lê-los. Embora o compromisso em responder à pergunta acerca de como sabemos o que é a verdade permeie não só esses capítulos como todo o livro.
Algumas descobertas científicas parecem desafiar a nossa compreensão – que de fato ainda é muito limitada – acerca da realidade. E essa é a magia. Um estudo publicado agora em janeiro na revista científica “Current Biology” reflete bem essa questão. Esse estudo alerta para os efeitos do aquecimento ambiental acerca da feminização de uma das maiores populações de tartarugas marinhas do mundo, as tartarugas-verdes (Chelonia mydas). Os pesquisadores desenvolveram um método inovador, o qual combinou técnicas genéticas e endócrinas para estimar a razão sexual primária nessa espécie. E, embora a comunidade científica já tenha conhecimento há alguns anos a respeito dos efeitos da temperatura, durante a incubação dos ovos na areia, sob a determinação do sexo de algumas espécies, os cientistas alertam que, para essa espécie, há uma proporção sexual extremamente elevada de fêmeas em uma população localizada na parte norte da Grande Barreira de Corais, na Austrália.
Já outro estudo, publicado no final do ano passado na revista científica “Annals of Botany” concluiu que as plantas são sensíveis a vários anestésicos, os quais não guardam nenhuma semelhança estrutural entre si. As folhas de mimosa (Mimosa pudica L.,), por exemplo, perderam tanto o seu movimento autônomo como o induzido por toque após a exposição aos anestésicos. O estudo ressalta ainda que, assim como em animais e seres humanos, os anestésicos utilizados em concentrações apropriadas desempenharam efeitos pontuais nas plantas estudadas como no caso do agrião de jardim (Lepidium sativum L.), para o qual as sementes não germinaram e as mudas não acumularam clorofila. Por fim, o estudo abre perspectivas quanto a possibilidade das plantas serem utilizadas como “modelos ideais” para estudar questões gerais relacionadas à anestesia. Ou seja, podem vir a ser utilizadas como modelos alternativos em testes para anestesia humana.
Ambos os estudos mostram que os fenômenos da natureza parecem ser governados por uma espécie de magia, a qual a ciência tenta desvendar e, quando consegue, mostra para muitos o grande fascínio da magia a qual Dawkins se refere. Entretanto, ainda não é possível desvendar todas “as magias” e certamente nunca será, afinal seria muita presunção nossa. Intervir de maneira reflexiva, crítica, construtiva e responsável nessa realidade é um dos grandes desafios sociais da ciência, embora muitos prefiram utilizar-se de meios mais primitivos como a força, a espada e os canhões para tal. Ou seja, é um cale-se para a verdadeira magia da realidade.
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Leia o texto anterior: O curioso caso da cobra que mordeu o rabo e do sonho que virou realidade, do mesmo autor
Thiago Jucá
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