Mariluce Moura faz a resenha do livro Mulheres na Física: casos históricos, panorama e perspectivas. Amélia Hamburger e Marie Curie (foto) têm suas trajetórias apresentadas no livro.
Há um entrelaçamento notável entre proeminência na carreira, participação intensa nas lutas contra a discriminação das mulheres e militância política contra os regimes autoritários em boa parte dos perfis de cientistas estrangeiras e brasileiras que compõem Mulheres na física: casos históricos, panorama e perspectivas, cujo lançamento ocorreu na Universidade Federal da Bahia no dia 8 de março de 2016, Dia Internacional da Mulher.
São cinco físicas de grande destaque na história universal desta ciência — historicamente, o grande modelo para as demais — e dez pioneiras brasileiras que, mesmo tratadas de forma sensivelmente desigual quanto à profundidade e roteiro de cada abordagem , terminam por oferecer ao leitor, via suas trajetórias individuais, uma visão panorâmica tanto da evolução desse campo do conhecimento, ao longo de aproximadamente 130 anos, quanto da luta formidável que as mulheres tiveram que travar para forçar a entrada num território mais marcadamente masculino que outros.
Para completar as duas partes do livro dedicadas respectivamente a cientistas estrangeiras e a cientistas brasileiras, uma terceira faz em poucas páginas uma boa análise quantitativa da presença das mulheres na pesquisa em física e conclui que ainda é muito pequeno o percentual delas no universo total considerado. Pior: ele é assustadoramente menor à medida que se transita para os níveis mais elevados da carreira. Nesses últimos estágios, no Brasil, segundo dados de 2012 do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), as mulheres mal passam de 10% do total de pesquisadores de física, depois de terem começado a corrida com uma presença equivalente a quase 40% do contingente (página 254).
Concebido pela Comissão de Relações de Gênero da Sociedade Brasileira de Física (CRG-SBF), o livro traz na primeira parte os perfis de Marie Curie, Emmy Noether, Lise Meitner, Mary Lucy Cartwright e Mildred Spiewak Dresselhaus. Na segunda parte, dedicada às pioneiras brasileiras, estão Sonja Ashauer, Elisa Frota-Pessôa, Susana de Souza Barros, Neusa Amato, Amélia Império Hamburger, Yvonne Mascarenhas, Victoria Herscovitz, Alice Maciel, Alba Theumann e Carolina Nemes. Esses nomes brasileiros estão vinculados ao Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.
São escolhas extremamente representativas, mas, na visão dos organizadores, limitadas pela disponibilidade de autores que elaborassem os perfis. Assim, nomes inicialmente cogitados tiveram que ser abandonados no percurso.
De qualquer sorte, o que se oferece é notável. A força, a persistência, o talento, a determinação de vencer gigantescos obstáculos — chamem-se eles misoginia, veto machista longamente persistente à atuação de mulheres nas universidades e outras instituições de pesquisa, nazismo ou ditadura militar brasileira, entre tantos outros –, erguem essas mulheres cientistas a uma condição humana inspiradora e admirável. E isso quase sempre sem prejuízo de trajetos afetivos que incluem cuidados com filhos e rotinas estafantes para administrar a família.
Dos textos saltam injustiças clamorosas no quesito reconhecimento à contribuição de cada uma. E há, de perfil em perfil, uma clareza que vai se acentuando no sentido do quanto ainda há a caminhar em termos sociais e culturais até o estabelecimento de uma efetiva igualdade de oportunidades entre mulheres e homens no campo do fazer científico e das instituições que lhe servem de suporte, do começo ao fim da carreira.
O livro
Mulheres na Física: casos históricos, panorama e perspectivas. Elisa Maria Baggio Saitovitch, Renata Zukanovich Funchal, Marcia Cristina Bernardes Barbosa, Suani Tavares Rubim de Pinho, Ademir Eugênio de Santana (organizadores) Editora Livraria da Física, São Paulo – 272 páginas R$60,00
Sobre Mariluce Moura, a autora da resenha.
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