A ciência em 2017 e as lições para o ano novo Coluna do Jucá

quinta-feira, 11 janeiro 2018
A Marcha pela Ciência foi um grande sucesso (Bill Douthitt/AAAS)

Que os saltos científicos de 2017 possam ser ainda maiores em 2018

A prestigiada revista científica Science publicou no final do ano passado um editorial (2017- BREAKTHROUGH of the year) contendo uma retrospectiva dos assuntos que mais marcaram a comunidade científica. Entre os dez destaques positivos, o fato mais marcante do ano ocorreu em agosto, quando cientistas em todo o mundo testemunharam algo nunca visto antes: a milhões de anos-luz de distância, duas estrelas de nêutrons se espiralaram em uma explosão espetacular. O fenômeno foi captado por observatórios, cujos detectores cobriram desde os raios gama até as ondas de rádio. A explosão confirmou vários modelo-chaves astrofísicos, o que possibilitou revelar não só os locais de nascimento de muitos elementos pesados, como testar a teoria geral da relatividade como nunca antes havia sido feito. A “generosidade científica” revelada por esse evento de convergência cósmica tornou-o a descoberta do ano. Cito a seguir as outras nove descobertas consideradas marcantes:

Vida no nível atômico – uma inovação de grande impacto que, naturalmente, ganhou muito destaque foram os avanços na resolução da microscopia crio-eletrônica, uma técnica que permite aos cientistas criar imagens congeladas de moléculas complexas, à medida que interagem umas com as outras. Os múltiplos conhecimentos fornecidos por essa técnica renderam a três cientistas o Prêmio Nobel de Química em 2017;

Um pequeno detector para as partículas mais tímidas – Físicos detectaram a dispersão coerente das partículas subatômicas conhecidas por neutrinos, pela primeira vez, usando o protótipo de um novo detector. A conquista reflete uma busca de quase quatro décadas, e não exigiu o enorme e complexo hardware usado geralmente para detectar neutrinos. Em vez disso, os pesquisadores conseguiram o sucesso com um detector portátil que pesa tanto quanto um forno de microondas;

Uma reconstrução computacional de fósseis de mais de 300 mil anos de Jebel Irhoud. (© PHILIPP GUNZ, MPI EVA LEIPZIG / CC BY SA)

Raízes mais profundas para o Homo sapiens – Um crânio negligenciado (descoberto em 1961) de uma caverna no Marrocos tornou mais antigo, o registro fóssil de nossa espécie e, estimulou mais ainda o estudo das origens do homem moderno. Os pesquisadores determinaram que o crânio remonta a um período surpreendente de 300 mil anos, cerca de 100 mil anos mais velho que os fósseis da Etiópia, os quais eram até então, responsáveis pelos registros mais antigos e amplamente aceitos do H. sapiens;

Edição precisa de genes – Mais de 60.000 aberrações genéticas foram associadas a doenças humanas, e cerca de 35.000 delas são causadas pelo menor dos erros: uma mudança em apenas uma base do DNA em um ponto específico do genoma. Os pesquisadores anunciaram uma grande melhoria de uma técnica, chamada de edição de base, para corrigir essas mutações pontuais, não apenas no DNA, mas também no RNA;

As pré-impressões na biologia decolam – Durante décadas, os biólogos “estiveram à margem”, pois seus colegas da física rotineiramente compartilhavam os rascunhos dos seus manuscritos “online” antes de serem publicados nos periódicos revisados por pares. Mas o compartilhamento das pré-impressões na biologia decolou ano passado, quando milhares de cientistas disponibilizaram os rascunhos de seus manuscritos. O ponta pé inicial foi dado há quatro anos, quando o laboratório Cold Spring Harbor, em Nova York, lançou o servidor de pré-impressão de biologia grátis, “bioRxiv”;

Uma droga contra o câncer de amplo alcance – Há muito tempo aguarda-se um medicamento contra o câncer que mata a doença, não com base no órgão onde se originou, mas em seu DNA. Em maio de 2017, a FDA (US Food and Drug Administration) deu sinal verde para o primeiro tratamento. A droga, Pembrolizumab, que já havia sido aprovada para tratar melanoma e alguns outros tipos de tumor, agora pode ser prescrita para qualquer tumor sólido avançado em crianças ou adultos, mas com uma condição: as células cancerosas devem levar um defeito conhecido por “deficiência de reparo incompatível”;

Pongo tapanuliensis é a primeira nova espécie de grande macaco identificada desde o bonobo em 1929. (MAXIME ALIAGA)

Uma nova espécie de grandes macacos – Pongo tapanuliensis foi a primeira espécie nova de grande macaco identificada desde o bonobo, em 1929. Ou seja, já faz quase 90 anos que os cientistas descobriram uma nova espécie viva de Hominidae. Apenas uma pequena população sobrevive em uma floresta ameaçada na Indonésia, o que já gera enorme preocupação;

A atmosfera da Terra há 2,7 milhões de anos – Em agosto do ano passado, pesquisadores da Universidade de Princeton e de Maine anunciaram que recuperaram o gelo da Antártica que congelou há 2,7 milhões de anos. Isso é 1,7 milhão de anos mais antigo do que qualquer amostra anterior de gelo, e repõe o registro atmosférico direto para um momento crucial na história do clima do planeta.

O triunfo da terapia gênica – Um sucesso dramático em um pequeno estudo clínico impulsionou o campo da terapia genética no ano passado. Os pesquisadores relataram que haviam salvado a vida de bebês nascidos com uma doença neuromuscular hereditária fatal, adicionando um gene que faltava nos neurônios da coluna vertebral. Os pesquisadores transportaram o novo gene, através da membrana que protege o cérebro e a medula espinhal de patógenos e toxinas transmitidos pelo sangue. Essa façanha abriu perspectivas quanto ao uso da terapia genética para tratar outras doenças neurodegenerativas. A chave para o sucesso? Um vírus inofensivo (vírus adeno-associado – AAV) que é amplamente utilizado na terapia genética para transportar genes para células alvo.

Uma manifestação na Universidade de Boston contra o assédio sexual. (TAB MEDIA INC.)

Por sua vez, os acontecimentos mais marcantes que deram errado no mundo da ciência em 2017 foram: a relação entre Trump e cientistas, o que se tornou uma desavença épica. Entre as razões para tal vale citar: a renúncia ao acordo climático de Paris de 2015; a revisão de muitas regras ambientais e os pedidos de grandes cortes nos orçamentos das principais agências de pesquisa do país. Além disso, muitos cientistas ficam alarmados com os compromissos que ele não tem assumido em relação à pesquisa. No mês de abril do ano passado, a repulsa dos cientistas americanos à eleição de Trump desencadeou a 1ª Marcha pela Ciência (March for Science), quando mais de um milhão de pessoas ao redor do mundo tomaram as ruas, em cerca de 600 cidades, para dar apoio à ciência. O outro acontecimento negativo marcante foi o assédio sexual na ciência. No ano passado foram apontados inúmeros casos de assédio e discriminação sexual, os quais se tornaram públicos e estarreceram a comunidade científica internacional.

No caso brasileiro, a despeito das muitas coisas boas e de qualidade produzidas, não há como não falar no corte drástico e irracional no orçamento destinado à ciência nacional em 2017. O arrocho irá perdurar tragicamente esse ano, o qual tem gerado protestos e manifestos das mais diversas entidades da sociedade brasileira – não só científicas – como da comunidade científica internacional. Para mim, o ponto forte da ciência nacional em 2017 e que, nos fortalece para 2018, é o discurso uníssono que tomou conta da comunidade científica nacional: “Ciência não é despesa, é investimento” e sem o qual não há emancipação e nem soberania do nosso povo.

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Thiago Jucá

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