A estrada da ciência ainda está longe de ser “pavimentada” Coluna do Jucá

quinta-feira, 28 dezembro 2017
Práticas médicas no século XIX.

À medida que o conhecimento científico sobre os microorganismos avança, mais se descobre que o que se sabe acerca desses seres vivos não serve ainda nem para fazer referência ao seu tamanho

É difícil imaginar que o diagnóstico de muitas doenças no século XVIII era feito traçando-se um paralelo entre os sintomas dos pacientes e as alterações em seus humores. Aos que não tinham acesso nem a esse serviço, restava recorrer às plantas fitoterápicas ou aos curandeiros. Nessa época, as doenças infecciosas como a varíola e a cólera matavam milhares de pessoas. As causas dessas epidemias eram, até então, desconhecidas – muitos chegavam a acreditar que o mau cheiro e/ou os odores dos esgotos, da matéria orgânica em putrefação e das enfermarias eram os responsáveis.

Louis Pasteur (Foto: Google Imagens)

Louis Pasteur, um dos gigantes da ciência, foi um dos pioneiros no estudo e na descoberta da influência de minúsculas criaturas vivas – os microorganismos – tanto sobre processos do dia a dia como na causa de determinadas doenças. Certamente, os estudos de Pasteur sobre a fabricação de cerveja, o cozimento do pão e a fermentação do vinho contribuíram sobremaneira para a invenção do processo de pasteurização – cujo nome faz referência a seu inventor – do leite e de outros laticínios, o que revolucionou a segurança alimentar da humanidade. Os estudos de Pasteur acerca da relação entre microorganismos e doenças causaram outra revolução na humanidade, só que dessa vez na ciência médica – com os seus métodos de imunização contra o antraz e a raiva. Vale lembrar que muitas das ideias e métodos de Pasteur na época, principalmente as referentes à imunização, eram tidas como bizarras ou contrárias à intuição.

Por sua vez, o alemão Robert Koch, outro gigante no estudo sobre microorganismos, foi responsável por identificar os “germes” responsáveis pela causa de duas doenças que dizimaram milhares de vidas no século XIX: o bacilo da tuberculose e a bactéria responsável pela cólera.

Mesmo com avanços inimigináveis, os estudos com microoganismos ainda têm muito a revelar.

Atualmente a doença mais temida do século XXI é o câncer. O que talvez poucos pudessem imaginar é que, séculos depois dos estudos pioneiros de Pasteur e Koch, alguns microorganimos pudessem ser o centro das atenções para alguns tipos de câncer.  Os médicos australianos Robin Warren e Barry J. Marshall identificaram em 1982 a Helicobacter pylori, uma bactéria causadora de infecções como a gastrite e a úlcera. Até então, não se imaginava que algum organismo vivo pudesse habitar o ácido estômago humano. Essa descoberta também foi responsável pela quebra do paradigma que vinculava o aparecimento dessas doenças ao estresse e a comida apimentada, e não a um microorganismo. Esse fato lembra muito as associações errôneas de determinadas doenças na época de Pasteur e Koch.  Atualmente sabe-se que a Helicobacter pylori é reconhecida como um cofator importante na etiologia do câncer gástrico e, tendo em vista essa importância médica, o seu genoma foi sequenciado e publicado na revista “Nature” ainda em 1997 pelo grupo de pesquisa de J. Craig Venter.

Pesquisas recentes mostram outras relações entre microorganismos e doenças, inclusive o câncer.

Agora em novembro, a revista americana “Science” publicou um estudo sobre “A análise da persistência da bactéria Fusobacterium nucleatum e a resposta do câncer colorretal a antibióticos”. Essa bactéria é tida como uma das mais prevalentes nos tecidos com esse tipo de câncer, principalmente em lesões metastáticas.  O tratamento de camundongos por meio de um xenoenxerto de câncer de cólon com o antibiótico metronidazol reduziu a carga de Fusobacterium, a proliferação de células cancerígenas e crescimento geral do tumor. Esses resultados abrem perspectivas quanto a estudos mais aprofundados acerca de intervenções antimicrobianas como um potencial tratamento para pacientes com câncer colorretal associado a essa bactéria.

Às vezes certas descobertas e contribuições como as de Pasteur e Koch nos levam intuitivamente a pensar que os caminhos da ciência estão completamente pavimentados, o que certamente deve ser encarado como um pensamento arrogante, prepotente ou apenas ignorante. Entretanto, sabe-se que além de serem caminhos recentes, há muito o que se fazer, ou melhor, pouco foi feito. Há trinta anos (1982), não se imaginava achar microorganismos habitando o estômago e nem que pouco tempo depois antibióticos ajudariam, possivelmente, a tratar, ou controlar determinados tipos de câncer. Para concluir esse texto, acho oportuno citar o seguinte trecho do livro de Carl Sagan – O Mundo Assombrado pelos Demônios – para reflexão: “No coração da ciência existe um equilíbrio essencial entre duas atitudes aparentemente contraditórias: uma abertura para ideias novas, por mais bizarras ou contrárias à intuição que sejam, e o exame cético mais implacável de todas as ideias, antigas e novas. É assim que verdades profundas são separadas de disparates profundos”.

Referências 

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Thiago Jucá

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