Pesquisa em prol da transformação social Entrevistas

quarta-feira, 27 dezembro 2017
Foto: Luana França

O Laboratório de Inovação Tecnológica em Saúde (LAIS/UFRN) se consolida como centro de excelência e planeja ações de internacionalização a partir de 2018

Fazer da ciência um instrumento de amor ao próximo e uma ferramenta para a transformação social. O lema que define a missão do Laboratório de Inovação Tecnológica em Saúde (LAIS) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) se traduz nos números positivos alcançados por esse centro de excelência em seus seis anos de existência. São 60 projetos e quase 80 registros de softwares e cinco patentes, devendo alcançar em 2018 mais de 100 registros e 12 patentes. Situado no Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL), em Natal, o laboratório tem como alicerce a combinação entre os saberes da Saúde, das Engenharias e das Tecnologias de Informação e Comunicação.

No comando do LAIS está o professor Ricardo Alexsandro de Medeiros Valentim, doutor em Engenharia Elétrica e de Computação, que também coordena a área de Tecnologia da Informação e Comunicação da Secretaria de Educação à Distância SEDIS/UFRN. Ele é consultor do Departamento de Ciência e Tecnologia – DECIT, da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos – SCTIE, do Ministério da Saúde e Membro do Grupo de Pesquisa Telemedicina, Tecnologias Educacionais e eHealth da Universidade de São Paulo – USP.

Assista

Consciente da importância do trabalho que é desenvolvido no LAIS, o professor Valentim traduz os números alcançados pelo laboratório nos impactos sociais dos projetos desenvolvidos. “A pesquisa num laboratório de inovação tecnológica em saúde, seja de graduação, mestrado ou doutorado, ela tem que ser transformada em produto que a sociedade possa absorver. Não focamos nosso trabalho somente nos indicadores que são mensurados pela Capes. Apesar de considerá-los importantes e relevantes, gosto de medir a relevância dos nossos trabalhos pelos impactos sociais que eles têm”, define.

Segundo Valentim os bons resultados alcançados pelo LAIS tem um reflexo direto nos indicadores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte no país todo. “Hoje a UFRN está em terceiro lugar no ranking nacional de registro de softwares competindo com universidades como UFMG, USP, UnB e isso se deve muito ao trabalho que o LAIS tem feito”, afirma.

Veja entrevista com o professor Ricardo Valentim

Visão humanista

De acordo com o gestor do LAIS, transformar a ação científica em resultado para a sociedade dá muito mais trabalho que publicar um artigo num periódico A1, porque exige do pesquisador, do grupo de pesquisa amor pelas pessoas. “Nós procuramos colocar para os nossos pesquisadores, para os nossos alunos essa visão humanista da ciência e não a ciência pela ciência que produz apenas cientistas, mas eu consigo realmente melhorar a qualidade de vida da nossa população que é carente. O trabalho que produzimos dentro do laboratório produz ciência que tem impacto social, ela produz empreendedores sociais, essa é a nossa preocupação”, ressalta.

Foto: Luana França

E no extenso e fértil terreno de projetos do LAIS é difícil destacar o mais impactante para o desenvolvimento do laboratório e para a sociedade. O coordenador lembrou o primeiro projeto que transformou e permitiu que o laboratório chegasse onde está, que foi o sistema de arquivamento de imagens médicas no HUOL. “Esse foi um desafio que na época o Ricardo Lagreca, então diretor do hospital, me deu e isso realmente mostrou que nós estávamos ali para desenvolver ciência aplicada que pudesse transformar a realidade de um hospital público. Esse foi um projeto importante”, recorda Valentim.

Além desse projeto que ajudou na construção do laboratório de forma institucional dentro do hospital universitário; ele cita o Autonomus que permitiu que o laboratório fosse conhecido nacionalmente pelo Ministério da Saúde, pelos pares e por pessoas que tinham interesse na área de inovação tecnológica em saúde. “Esse projeto repercutiu na grande mídia e as pessoas começaram a ter um olhar diferente para o laboratório. Eles viram que era um laboratório que poderia ter alcance nacional nas suas ações de pesquisa”. Fechando a seleção, Valentim destaca o projeto AVASUS – o Ambiente Virtual de Aprendizagem do Sistema Único de Saúde, que hoje tem mais de 400 mil pessoas cadastradas em sua base de dados, quase 200 mil alunos matriculados e mais de 130 mil certificados emitidos. “Hoje, com segurança essa é a maior plataforma de formação humana em saúde das Américas. Esse projeto permitiu que apresentássemos os resultados desse trabalho a convite da Escola de Saúde Pública de Harvard. Eles que nos procuraram para irmos apresentar o que nós estávamos fazendo aqui no Brasil no SUS”, orgulha-se Valentim.

Entraves da legislação

Para Ricardo Valentim o principal problema para a ciência hoje no Brasil é a legislação obscura que amarra os gestores públicos. “A universidade é um espaço plural que está na vanguarda do que está acontecendo no mundo, ou procura estar. Então precisamos de legislações que tenham um olhar diferente para as pesquisas que estão sendo feitas dentro da universidade, sobretudo para não criminalizar essas ações. A universidade hoje vive um dilema que é: as legislações muito velhas que são aplicadas de forma generalista e no contexto da universidade é preciso uma legislação específica, sobretudo para a pesquisa”, aponta.

Por ter visitado outras universidades no mundo, Valentim conheceu legislações mais claras e eficientes com processos mais céleres, o que favorece a relação do pesquisador com a universidade. No Brasil, segundo ele, o gestor trabalha muito mais amarrado com coisas que poderiam ser flexibilizadas. “Se olharmos o arcabouço mundial, os países que tem autonomia e o povo tem mais liberdade são países que tem índices de investimento significativos em pesquisa e esses pesquisadores não tem amarras burocráticas”, afirma.

O coordenador do LAIS declara que mesmo com a iniciativa do Marco Legal, responsável por tirar algumas amarras das universidades, esses entraves burocráticos e legislativos acabam por promover a fuga de cérebros do país. São pesquisadores que vão para outros países desenvolver seus trabalhos. “Quando você vai para grandes universidades do mundo todo, existe uma relação muito diferente do que é praticado no Brasil. Então eu pergunto, porque no Brasil não temos um prêmio Nobel? Será que os brasileiros estão indo para outros países ajudar a esses países a produzir outros prêmios Nobel? Na hora que você constrói no Brasil uma pesquisa é algo que produz riqueza e o pesquisador, mesmo no setor público, ele tem que ser remunerado de acordo com o impacto da pesquisa que ele está trazendo, são coisas totalmente diferentes. Em todos os países do mundo esse grande pesquisador é mensurado com o ganho da pesquisa que ele vai produzir. Essa não é uma relação capitalista, ao contrário, é uma relação de responsabilidade”, opina Valentim.

Cortes orçamentários

Foto: Luana França

Analisando o momento pelo qual passa o país, Ricardo Valentim avalia que os cortes realmente são muito ruins para a C&T, para a economia e para a área social de uma forma geral. Ele constata que se essa situação persistir o país terá uma perda enorme. “Em dez anos os grupos de pesquisa que estavam bem estruturados serão desestruturados e o país terá outro custo, vai levar um tempo enorme para formar essas pessoas. O país não vai perder 10 anos, serão 20, 30, vai perder uma geração toda que foi qualificada”.

As dificuldades financeiras do país também levam à saída de pesquisadores mais qualificados e que tem liderança internacional. De acordo com Valentim, isso vai na contramão do que está acontecendo, por exemplo, na Coreia do Norte e na China. Esses países incentivaram a formação de seus cientistas fora do país e agora investem de forma maciça para repatriar seus talentos. “O Brasil está perdendo sem ter perspectiva de volta, então o custo disso nós não podemos nem mensurar. Não adianta falar de variáveis econômicas, de ajuste fiscal se eu não penso em sustentabilidade e a ciência é um pilar importante para a sustentabilidade”, pondera.

No LAIS também houve cortes no orçamento, o que gerou, por exemplo, a retirada de 20% de um único projeto. Em contrapartida, Valentim viu na crise oportunidades. “Nós não ficamos no vale das lamentações. Você tem duas opções num período de crise: chorar ou vender lenços. Eu prefiro ficar no grupo que vende lenços. Então fomos procurar oportunidades e estamos buscando fortemente trabalhar com a iniciativa privada para captação de recursos além de procurar parcerias dentro do governo que também tem interesse em fazer projetos”.

Horizontes

Foto: Luana França

Internacionalizar é a palavra de ordem para o LAIS em 2018. Um conceito que começou a ser trabalhado em 2016 e viabilizado em 2017 passará a ser executado no próximo ano com perspectivas de projetos até 2020. “Para 2018 temos parcerias a serem firmadas com a Universidade de Havard, especificamente com a Escola de Saúde Pública, projetos para desenvolver junto com o MIT, em Boston, vamos formalizar um trabalho com previsão até 2020. Com a Universidade de Athabasca, no Canadá e com as universidades de Lorraine, na França, e Aberta de Lisboa, vamos trabalhar toda a parte de recursos educacionais para área de Saúde, observando sempre as metas de educação da ONU para 2030”, detalha.

Valentim revela que também haverá espaço e dedicação para o projeto da Sífilis, um desafio mundial, visto que em cinco anos a doença aumentou mais de 5 mil por cento o número de casos. “A UFRN, por meio do LAIS, será a líder desse projeto no Brasil e vamos tentar fazer para que tudo que seja feito aqui seja repercutido nos países do Mercosul e nos de língua portuguesa. Essa é nossa meta para 2018”.

Olhando o horizonte um pouco mais além, Ricardo Valentim adianta os planos do laboratório. “Iremos trabalhar com a questão das startups fora do Brasil. É a nossa meta chegar em 2020 com nossos alunos e pesquisadores com startups internacionais, transformando e colocando nossos produtos, desenvolvidos através de pesquisas no LAIS, no mercado internacional”, planeja.

Edna Ferreira e Mônica Costa

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