Médicos e enfermeiros da UFRN criam check list para o parto seguro, com base em modelo da OMS. Depois de validado, documento poderá ser recomendado para todo o país.
A Organização Mundial de Saúde recomenda que sejam aceitáveis índices que 35 mortes maternas por 100 mil nascimentos. No Brasil, segundo números de 2010, a proporção é de 64 por 100 mil. As causas evitáveis como hemorragias, hipertensão ou por infecção têm destaque na mortalidade materna em países em desenvolvimento. Em Natal (RN), um grupo de médicas e enfermeiras da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) tem trabalhado na elaboração e validação de um documento que orienta os profissionais que atuam no atendimento às mulheres na hora do parto.
Chamado de Lista de Verificação ou Check list do Parto Seguro, o documento tem sido aplicado, desde o mês de janeiro, na Maternidade Escola Januário Cicco (MEJC) e na maternidade do Hospital Universitário Ana Bezerra (HUAB), ambos administrados pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), e tem por base o check list da OMS (WHO Safe Childbirth Check list, na sigla em inglês). A escolha dos hospitais se deve à sua condição de hospitais sentinela. A Lista de Verificação foi criada para assegurar que médicos obstetras e pediatras realizem todos os procedimentos necessários à segurança da mãe e do bebê, tanto nos momentos que antecedem o parto, quanto durante e depois do nascimento.
Os hospitais sentinela são unidades hospitalares referência no sistema de vigilância em saúde do Ministério da Saúde para notificar problemas diversos que eles identifiquem, como os relacionados a hemotransfusão , infecção hospitalar, a materiais e equipamentos.
Práticas essenciais
“O check list entra tanto no sentido de identificar, no momento do parto, se essa mãe chegou sem assistência, como de ter clareza sobre estar lidando com uma mulher que é hipertensa ou é HIV positivo. O check list (também) alerta à equipe que está no cuidado no bebê, sobre quais são os riscos que aquela mulher corre e que cuidados necessita.” Quem explica é médica Marise Reis de Freitas, professora do Departamento de Infectologia da UFRN e uma das coordenadoras da implantação. “O check list pergunta em vários momentos se a mulher precisa usar antibiótico; se está tomando ou se precisa usar hipertensivo; e se a paciente está sangrando”, emenda a enfermeira Edna Marta Mendes, chefe do Serviço de Vigilância à Saúde e coordenadora do Núcleo de Segurança da MEJC. Em quatro momentos um conjunto de práticas essenciais deve ser conferido pelo médico ou pelo enfermeiro-obstetra a fim de se evitar as principais causa de complicações relacionadas ao parto, como pontua a enfermeira: na entrada da paciente no hospital, imediatamente antes do parto ou da cesariana; até uma hora depois do nascimento e no momento da alta. “O check list é multiprofissional e pode ser preenchido pelo médico, pelo enfermeiro-obstetra ou pelo residente, desde que acompanhado pelo docente. Quando ela entra, tem várias informações que o médico estará mais apropriado, mas antes da paciente seguir o trâmite do parto, o enfermeiro também pode preencher essa informação, por exemplo, se ela trouxe o cartão pré-natal, se está realmente em trabalho de parto.”
Proposto pela OMS, o documento foi construído em inglês por especialistas do Brasil, México, Venezuela, Tanzânia e Peru. A adaptação à realidade local, processo chamado de tradução transcultural tem sido desenvolvido em cada país, a partir de consultas a especialistas locais em várias etapas, segundo a infectologista, que participou da discussão na OMS. O resultado do trabalho realizado na MEJC e HUAB será referência para o Brasil.
“Mortalidade materna está relacionada à qualidade de assistência. Hoje os índices de mortalidade materna são altos nos países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos. Ela está associada à assistência ao pré-natal e ao parto. Está relacionada com acesso a serviço de saúde e atenção. Principalmente ao pré-natal não adequadamente conduzido. Se durante a gestação, a mulher tiver um pré-natal bem conduzido, vão ser diagnosticados hipertensão, riscos para complicações durante o parto e pós-parto, infecções; os fatores que realmente trazem complicações na hora do parto”, reforça a doutora Marise.
Dissertação
A enfermeira do Hospital Deoclécio Marques e do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN), Isis Cristiane Bezerra de Melo, que é mestranda do Programa de Saúde Coletiva da UFRN tem como objetivo de sua dissertação a validação do check list. Isis informa que o documento da OMS foi avaliado por três obstetras e três pediatras da MEJC, do HUAB e do Hospital Santa Catarina. Em outro momento foram realizadas oficinas de trabalho no Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva com o mesmo propósito. “Depois dessa conferência o check list passou de 21 para 59 itens”, revelou.
A médica explica que o documento foi proposto como ação universal, de fácil aplicação, que resultasse no uso de poucos recursos e que fosse facilmente aplicável em hospitais de primeiro mundo ou de países subdesenvolvidos, em qualquer nível de complexidade. “Por exemplo, ele trazia alguns termos que nós já não usamos aqui. Com relação a material, ele recomenda disponibilizar uma tesoura para cortar o cordão umbilical do bebê e aqui nós não usamos esse instrumento e sim uma lâmina de bisturi. Então, colocamos no nosso check list a lâmina de bisturi”, declarou.
Baixa adesão
A primeira tentativa de implantação do check list nas maternidades da UFRN ocorreu há dois anos, porém a adesão foi muito baixa, como explica a professora Marise, enquanto esclarece que essa falta de interesse vai gerar resultados a longuíssimo prazo. Questionada sobre as razões dessa rejeição, afirma: “Esse é o nosso maior desafio, pois o projeto é maravilhoso, é bem intencionado, é para proteger a mãe e o bebê, há outros trabalhos mostrando que adoção do check list melhora a qualidade da saúde, mas a dificuldade é o corpo docente e técnico. A adesão é um problema na implantação de qualquer mudança.”
A adesão ao check list adotado nas duas maternidades entre os dias 20 de janeiro e cinco de fevereiro foi de 80%, segundo informações da Assessoria de Comunicação da MEJC. A partir de agora, a cada 15 dias seguindo-se à aplicação de uma nova rodada de check lists vem a análise dos dados. A professora informa que esse é o processo necessário para a validação do instrumento, mas reconhece: “Implantar uma mudança não é um processo simples.”
Deixe um comentário