Ciência longe da costa Pesquisa

quarta-feira, 6 dezembro 2017
Foto: Leonardo Cândido/ Divulgação

Pesquisas realizadas nas ilhas de São Pedro e São Paulo garantem soberania nacional em território marítimo

Há pouco mais de duas décadas, um conjunto de ilhas próximo à linha do Equador era frequentado somente por viuvinhas, atobás, atuns, cavalas, peixes-voadores, entre outras espécies da fauna. Posteriormente, recebeu a visita de um dos primeiros cientistas a estudar o local: Charles Darwin, naturalista inglês autor da Teoria da Evolução, em 1832, a bordo do “HMS Beagle”. Único conjunto de ilhas oceânicas brasileiras acima da linha do Equador atualmente a área está cada vez menos inóspita e tem se tornado estratégica para o país nos aspectos político, econômico e científico, além de ter proporcionado um alargamento no limite da fronteira brasileira.

Estamos falando do Arquipélago de São Pedro e São Paulo (ASPSP), localizado a cerca de mil km do litoral do Rio Grande do Norte e a 520 km do Arquipélago de Fernando de Noronha, com uma área total emersa de aproximadamente 17 mil m2 e uma elevação máxima de 18 m acima do nível do mar. É o ponto do Brasil mais próximo do continente africano, a uma distância aproximada de 1.820 km de Guiné Bissau.

O conjunto de ilhas propicia oportunidades econômicas, devido à rota migratória de peixes que incrementa a atividade pesqueira nacional; políticas, pois o Brasil acrescentou uma área de 450 mil km2 ao território, o que representa um aumento de 6%; e científicas, porque apresenta rica biodiversidade e condições únicas de realização de pesquisas.

Um dos fatores que garantiu a habitação permanente do local como território brasileiro foi a criação da primeira Estação Científica, construída em 1998, onde são desenvolvidas pesquisas da UFRN nas áreas da Psicologia, Geologia, Geofísica, Genética, Zoologia, Oceanografia e Limnologia. “A UFRN participa desde o início do programa, há mais de 20 anos, com pesquisas multi e interdisciplinares”, lembra o professor Jorge Eduardo Lins Oliveira, do Departamento de Oceanografia e Limnologia (DOL) e coordenador do Programa Arquipélago de São Pedro e São Paulo (Proarquipélago).

Professor Jorge Eduardo Oliveira, coordenador do Proarquipélago. Foto: Cícero Oliveira

Potencial científico

Ele considera que o local é um laboratório natural e estratégico, não apenas por causa da localização, mas também pelas informações que podem ser geradas através de pesquisas. Os estudos já renderam 39 artigos científicos em revistas indexadas nacionais e internacionais, 12 estudos publicados em anais de congresso, seis orientações de dissertações de mestrado e três de doutorado, publicação de um capítulo de livro técnico-científico e um documentário cinematográfico.

Ao relatar a história do Proarquipélago, o coordenador disse que há alguns anos o programa tinha 21 projetos de pesquisa e hoje são somente sete, mas deste total quatro deles contam com a participação da UFRN. “Isso mostra o potencial de trabalho nosso dentro do programa, e o papel da universidade na consolidação da soberania nacional e do desenvolvimento do país, além da capacidade de integração e de captação de recursos com outras instituições como a Marinha do Brasil e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico”, explica Lins.

Uma das pesquisas desenvolvidas é a do docente Thomas Ferreira da Costa Campos, do Departamento de Geologia (DG), que tem analisado São Pedro e São Paulo há 17 anos, observando a formação do arquipélago com base em estudos tectônicos e geoquímicos. Seus estudos renderam uma publicação na revista científica internacional Nature Geo-science, na qual ele explica o motivo de o Arquipélago possuir características geológicas únicas no mundo. Para termos uma ideia, a Terra é dividida em três camadas principais: a crosta, o manto e o núcleo, sendo esta a parte mais interna. As ilhas são rochas que vieram do manto terrestre e “furaram” a crosta oceânica. “É o único lugar na Terra em que pisando na crosta, você está pisando no manto”, ilustra o pesquisador.

Outra pesquisa é desenvolvida pelo professor Aderson Farias do Nascimento, do Departamento de Geofísica (GEOFÍS). Ele iniciou em meados de 2008, a partir de um convite da Secretaria da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (SECIRM), a instalação de uma estação sismográfica, no intuito de entender porque os terremotos acontecem na área. Conforme o cientista, São Pedro e São Paulo pode trazer explicações sobre como o território se moveu entre aos continentes americano e africano, envolvendo questões da formação das nações.

Professor Aderson Farias. Foto: Cícero Oliveira

Espécies únicas

O Arquipélago de São Pedro e São Paulo situa-se na área da falha transformante de São Paulo, uma das maiores do Oceano Atlântico. Uma falha transformante, ao lado das placas convergentes e placas divergentes, são os três tipos de contatos entre placas tectônicas. Contudo, mantém diferença para os outros dois por não haver produção nem consumo de placas, tampouco ocorrência de movimentação do magma no interior da Terra. Neste caso, a falha penetra inteiramente a crosta oceânica e atinge a superfície do manto.

Das principais descobertas, Aderson Nascimento cita a identificação da sismicidade do local, a qual ele considera rica em razão da proximidade com o foco, e o regime de ondas que é dominado pelo Hemisfério Norte. Desse trabalho, também houve a instalação de um GPS (sistema de posicionamento global) de alta precisão que mede a deformação do conjunto de ilhas. “Em cerca de quatro anos, por exemplo, vamos saber como o Arquipélago está se movimentando e isso pode corroborar ou corrigir os modelos teóricos elaborados por outros colegas de outras áreas que também estão desenvolvendo pesquisas lá”, prospecta o pesquisador.

O professor Guilherme Ortigara Longo, do DOL, faz parte do Programa Ecológico de Longa Duração e analisa o bioma das Ilhas Oceânicas, especialmente, as comunidades recifais. “Lá (no ASPSP) tem espécies únicas, em um ambiente relativamente isolado, sem tanto impacto humano. O que desenvolvemos no Arquipélago traz um ganho científico e de formação de pessoal porque podemos levar para sala de aula exemplos práticos e bem próximos de nós”.

Foto: Leonardo Cândido/Divulgação

História

Formado por um conjunto de ilhas rochosas, o arquipélago tem clima quente e úmido, ausência de praias e de vegetação de médio e grande porte, relativa violência do mar em seu entorno, grande possibilidade de abalos sísmicos e biodiversidade rica. Levando em consideração essas características, o local é um ponto crítico de navegação, o que ocasionou alguns naufrágios. O primeiro e mais famoso deu origem ao seu descobrimento, quando em 1511 a nau portuguesa São Pedro se dirigia às Índias e se chocou com os rochedos do Arquipélago. Em seguida, a caravela São Paulo foi socorrer a tripulação e daí surge o nome “São Pedro e São Paulo”.

O Brasil detém o domínio territorial ancorado nos preceitos da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), tratado multilateral celebrado em 1982, que define e codifica conceitos herdados do direito internacional e referentes a assuntos marítimos, como mar territorial, zona econômica exclusiva e plataforma continental.

Redação com informações da Ascom/UFRN

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Site desenvolvido pela Interativa Digital