As diferenças entre ciência e pseudociência Artigos

segunda-feira, 4 dezembro 2017
Foto: Alex Garcia

Cleanto Fernandes discute ciência e pseudociência, destacando que esta se caracteriza como uma farsa ao tentar se apresentar como ciência e confundir a compreensão pública

Em sua busca persistente por interpretar e intervir sobre o mundo à sua volta, a humanidade tem utilizado várias formas de produção de conhecimento. Arte, religião e ciência são algumas delas. Todas legítimas, cada uma com suas características, vantagens e limitações. Os objetivos e métodos frequentemente não são os mesmos. Uns se baseiam na crença, outros, na dúvida. Uns tem o compromisso com a ficção, já outros buscam aproximar-se da realidade. Nesse universo epistemológico, a ciência é uma forma de produção de conhecimento caracterizada pela observação crítica da natureza e a elaboração de proposições testáveis e falsificáveis [1].

A ciência tem legado à humanidade muitos avanços, boa parte deles da maior relevância para nossas vidas, como métodos terapêuticos (quem não tomou um medicamento para aliviar a dor?) e tecnologias (como o computador que você usa agora). Por tudo isso, a ciência ganhou prestígio social, o que não veio acompanhado de compreensão pública do que seja essa ciência. Pior que essa ignorância científica – e aproveitando-se dela – é que existem muitas pessoas que tentam validar suas proposições alegando serem científicas, quando, de fato, não as são. Fazem isso para convencer o público com suas crenças pessoais ou vender seu produto/serviço. A essa prática chamamos de pseudociência, ou seja, uma falsa ciência. Uma vertente sofisticada do charlatanismo. Cada ciência tem sua pseudociência, como uma sombra que a persegue, a exemplo de astronomia (ciência) e astrologia (pseudociência). E são muitas as falsas ciências: “teoria do design inteligente”, “cura gay”, “teoria da Terra plana” etc.

Como a pseudociência funciona e por que ela convence? Bem, como dito, a essência está em se fazer passar por ciência boa e verdadeira. Como diz a bióloga e divulgadora de ciência Natália Taschner, “A pseudociência queria muito ser ciência, usa a linguagem da ciência e quer sua credibilidade, mas não quer ser submetida ao seu crivo. Baseia-se em uma teoria fixa, imutável e dogmática.” [2, pág. 254]. Seu mecanismo, portanto, depende de convencer as pessoas de que suas crenças e produtos/serviços seriam confirmados por amplo conjunto de pesquisas. Nessa tentativa de cobrir com o manto da ciência a sua farsa, o pseudocientista usa várias estratégias que se aproveitam das falhas ou limitações da cognição humana e do analfabetismo científico da população.

Em seu livro o “O cérebro imperfeito: como as limitações do cérebro condicionam nossas vidas” [3], o neurocientista Dean Buonomano discute, entre outros assuntos, a irracionalidade do pensamento humano e como somos susceptíveis à publicidade/propaganda e outras formas de manipulação. Características intrínsecas à nossa mente como ilusões perceptuais, falsas memórias, aversão a perdas materiais, cegueira à probabilidade, susceptibilidade ao convencimento pela simples repetição, confiança cega nas figuras de autoridade, viés de confirmação e tantas outras criam o terreno fértil para a proliferação das pseudociências [4].

Além disso, tem a pouca compreensão das pessoas do que seja a ciência, um problema especialmente grave no Brasil. A mais completa avaliação internacional sobre qualidade da educação [5] coloca o Brasil na 66ª posição (de um total de 72 países avaliados) no ranking de conhecimento científico dos estudantes. À parte esses aspectos quantitativos, uma observação qualitativa do mesmo estudo é que os estudantes brasileiros têm um desempenho particularmente fraco no conhecimento sobre o método da ciência. Isso, provavelmente, torna a população brasileira ainda mais vulnerável às enganações propagadas usando o nome da ciência.

Pois se o baixo letramento científico da população é nossa tragédia, a farsa fica por conta do pseudocientista, e isso envolve, quase sempre, validação acadêmica, e ele busca credibilidade de diferentes formas. Em uma estratégia, ele próprio é um cientista renomado em determinada área, e usa seu reconhecimento para dar credibilidade à pseudociência que propaga em matéria adversa. Mas nem todo mundo é cientista. Outra estratégia é ganhar, usando qual justificativa for, espaço para debate nos meios acadêmicos. Ao sentar ao lado do cientista no auditório universitário, o pseudocientista tentar elevar sua proposição ao status de teoria científica, válida de ser discutida no meio acadêmico e respeitada como tal. No entanto, sua pseudociência não atendeu ao mínimo necessário para que seja considerada uma teoria, nem o debate pode ocorrer de forma séria, pois não há um nivelamento lógico entre ciência e pseudociência. Mas este espaço acadêmico é importante para o pseudocientista, para conseguir credibilidade e promover suas distorções [6]. Enquanto a ciência convence pela razão, a pseudociência o faz pela repetição [2].

Por ser uma farsa, a pseudociência não merece nossa credibilidade. Mais que uma questão de merecimento, contudo, é oportuno perguntar: a pseudociência faz mal à sociedade? Outra questão: qual deve ser a posição da comunidade científica nesse cenário? Alguns opinam que devemos ignorá-los, que saiam por aí falando o que quiserem, e que devemos, sobretudo, nos esforçar em produzir a boa ciência (“publicar!”). Já outros entendem que devemos acolher a pseudociência no meio acadêmico, dando-lhe espaço nos debates, pois assim ficará evidente para todos o quão irracional ela é.

Em uma série de três breves textos, discuto o assunto. Neste primeiro, tratamos da diferença entre ciência e pseudociência, destacando que esta se caracteriza como uma farsa ao tentar se apresentar como ciência e confundir a compreensão pública. Nos próximos textos, discutirei os danos da pseudociência para a sociedade e como as pessoas envolvidas com o progresso da ciência devem enfrenta-la, usando para isso fundamentação em trabalhos nas áreas de filosofia, ensino e divulgação da ciência.

Referências

Leia o artigo As engrenagens dos relógios biológicos, do mesmo autor.

Cleanto Rogério Rego Fernandes Secretário Regional Adjunto Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência

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