Crianças oriundas de lares onde há violência doméstica têm mais chance de sofrer ou praticar a mesma ação quando adultas, verifica pesquisa realizada pela UFC, Instituto Maria da Penha e Institute for Advanced Study in Toulouse
Quatro em cada 10 mulheres que cresceram em um lar violento disseram sofrer o mesmo tipo de violência na vida adulta, ou seja, há uma repetição de padrão em seu próprio lar. A chamada transmissão intergeracional de violência doméstica (TIVD) é definida como um mecanismo de perpetuação do problema, que, segundo os estudos, sugere maior incidência em lares onde a mulher, seu parceiro ou ambos estiveram expostos à agressão na infância.
Os dados estão no terceiro relatório da Pesquisa de Condições Socioeconômicas e Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (PCSVDF), que será divulgado nesta quinta-feira (23), em Brasília, durante evento promovido pela ONU Mulheres, entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e Empoderamento das Mulheres.
A pesquisa, realizada pela Universidade Federal do Ceará (UFC), em parceria com o Instituto Maria da Penha e o Institute for Advanced Study in Toulouse mostra outros dados sobre a transmissão da violência entre gerações.
A violência doméstica também afeta aos homens, mas os efeitos são em sentido inverso. O mesmo percentual (4 em cada 10 mulheres) também surge em relação ao impacto no comportamento masculino, revelando que parceiros que cresceram em um lar violento também cometeram agressões contra suas parceiras.
1 em cada 5 mulheres teve contato com algum tipo de violência doméstica na infância ou na adolescência; 23% afirmaram ter lembranças da mãe sendo agredida e 13% sabem que a mãe do parceiro também sofreu algum tipo de agressão
Segundo a pesquisa, 1 em cada 5 mulheres teve contato com algum tipo de violência doméstica na infância ou na adolescência; 23% afirmaram ter lembranças da mãe sendo agredida e 13% sabem que a mãe do parceiro também sofreu algum tipo de agressão.
O estudo sugere que crianças expostas à violência doméstica têm maior probabilidade de sofrer agressões em relações afetivas ao longo de suas vidas adultas.
O coordenador-geral da pesquisa José Raimundo Carvalho, professor do Programa de Pós-Graduação em Economia da UFC, destaca que os resultados são oriundos de um trabalho inédito de cientistas nacionais e internacionais. “Pela primeira vez na América Latina, estamos comprovando que há um link entre as gerações. Se nós conseguirmos diminuir a violência hoje, vamos não só melhorar a vida das mulheres que estão vivendo agora como também das pessoas que viverão daqui a 15, 20 anos”, afirma.
Violência durante a gestação
Outros dados apresentados pelo estudo revelam os percentuais da violência doméstica contra gestantes. Segundo a pesquisa, essa é a realidade para 6,2% das mulheres entrevistadas que já engravidaram. As cidades de Natal, Salvador, Recife e Fortaleza apresentam taxas maiores que a média.
Natal, Salvador, Recife e Fortaleza apresentam taxas maiores de violência doméstica contra gestantes do que a média
As conclusões revelam que mais do que ameaçar a saúde e o bem-estar da mulher, a violência durante a gestação pode trazer graves consequências para as futuras gerações. Revelam ainda que há 10 vezes mais incidência na gestação em casos de mulheres com menor grau de instrução. Além disso, negras e pardas representam 77,4% dessas mulheres que sofreram agressão durante a gravidez.
“Ficamos extremamente chocados (…) A violência doméstica não é um problema só de mulheres, que deva ser tratado só por mulheres e apenas na esfera social. É um problema de todos e todas que deve ser amplamente discutido se quisermos realmente enfrentar esse mal que mata nossas mulheres e deixa órfãs nossas crianças”, frisa Maria da Penha, fundadora do Instituto que leva seu nome.
Desigualdade racial e financeira
O peso da violência doméstica também é maior quando há comparação entre mulheres brancas e negras. Uma em cada 4 entrevistadas negras afirmou se lembrar de episódios de violência contra a mãe. Já entre as entrevistadas brancas, 1 em cada 5 afirmou ter presenciado algo.
Além disso, a mesma pesquisa apontou que, quando divididas por faixa de renda, as mulheres que ganham menos são as que mais estiveram expostas à violência doméstica na infância. À medida que a faixa de renda aumenta, diminui a probabilidade.
A pesquisa
A amostra da PCSVDF, composta por mais de 10 mil mulheres, é quantitativa, probabilística e representativa das moradoras das 9 capitais do Nordeste, com idades entre 15 e 50 anos.
Para o estudo do tópico violência na gestação, a análise se restringiu às mulheres entrevistadas que tiveram pelo menos uma experiência de gravidez ao longo da vida, resultando em 4.056 mulheres que, efetivamente, responderam a questões relativas à experiência de violência na gestação.
A pesquisa tem financiamento da Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres, do Governo Federal, e apoio do Banco Mundial e do Instituto Avon.
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Redação, com informações da Ascom UFC
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