Referência nacional no campo teórico do Serviço Social, Maria Ozanira Silva e Silva explica a pobreza como resultado da organização social capitalista
Maria Ozanira da Silva e Silva é uma referência de grande importância para o desenvolvimento do Serviço Social no Brasil no campo teórico e na intervenção das realidades sociais. A professora da Universidade Federal do Maranhão está no topo da carreira como Bolsista de Produtividade em Pesquisa nível 1A do CNPq. Com mais de 50 anos de atuação, Maria Ozanira elegeu como temas fundamentais de suas pesquisas a Pobreza, as Políticas Sociais, com destaque à Política de Assistência Social e Programas de Transferência de Renda.
“A pobreza decorre de uma determinação que é estrutural. O pobre não é pobre por opção, ele não está no trabalho informal e precário por opção, é por determinação do modo como a sociedade se organiza para distribuir as riquezas que são socialmente produzidas no sistema capitalista”, afirma ao criticar a redução dos programas sociais do atual governo. De sua vasta produção científica consta a publicação de 31 livros, como autora ou organizadora e de capítulos em outros 81 livros; publicou 47 artigos em periódicos especializados nacionais e internacionais e 77 trabalhos completos em anais de eventos científicos nacionais e internacionais. Orientou 12 dissertações de Mestrado e 16 teses de Doutorado, e supervisionou três estágios pós-doutorais, na área de Políticas Públicas.
Tendo coordenado 19 projetos de pesquisa, a pesquisadora não tem certeza de receber do CNPq os recursos remanescentes necessários às pesquisas que coordena. “Atualmente eu estou com um projeto no CNPq. Depois que esse governo entrou, passou um ano para reconhecer que o projeto já tinha sido aprovado para financiamento, depois passou mais seis meses para ser liberado o que eles chamaram de primeira parcela e não sei se vem a segunda, se vem ainda recursos para esse projeto”, desabafa. Em sua opinião, o atual governo federal não tem compromisso com a ciência.
Nós estamos vivendo uma conjuntura que não considera que a pobreza está aumentando e que tem atitudes de desqualificação e criminalização da pobreza
Acompanhe a entrevista concedida ao Nossa Ciência em Natal (RN), durante sua participação em evento realizado pelo Departamento de Serviço Social e pelo Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Nossa Ciência: A senhora escreveu que “O sentido da universidade deve se expressar nas contribuições para a melhoria de vida dos subalternizados”. Como avalia o atual momento que o Brasil está passando?
Maria Ozanira: O meu pensamento continua o mesmo. A minha atuação acadêmica, minha atuação profissional se volta, sobretudo, para a construção de um conhecimento comprometido com a transformação da realidade. Aliás, eu acho o papel da universidade não é só formar profissionais, mas estar inserida nas questões da realidade, nas questões sociais e eu destaco como sujeitos que merecem mais atenção, aquelas pessoas subalternizadas, que são os trabalhadores que vivem às vezes desempregados, com salário instável, com salário baixo. Realmente a gente está vivendo um momento da conjuntura atual muito preocupante, até porque a primazia é muito clara, é dada para o capital e não só isso, como também os subalternizados são desconsiderados. Nós estamos vivendo uma conjuntura que não considera que a pobreza está aumentando e que tem atitudes de desqualificação e criminalização da pobreza. Haja vista a diminuição do atendimento em programas como o Bolsa-Família (PBF), a rigidez no Benefício de Prestação Continuada com o aumento da idade, com mais exigências da comprovação de que o fulano é pobre, porque o pobre parece sempre que não está dizendo a verdade.
NC: Em alguns dos seus textos, a senhora pontua que o Programa Bolsa Família pode incluir pessoas na economia e no consumo, porém de forma marginal e precária. De que forma isso ocorre?
MO: Nós temos uma extensa população ou desempregada ou em trabalhos precarizados, instáveis – os chamados bicos, como eles mesmo falam – e o PBF é muito significativo para as famílias que não tem renda ou que tem uma renda insignificante. Ele contribui, mas não tem a perspectiva de tirar a pessoa da pobreza, de resolver ou de minorar a questão da pobreza até porque não é objetivo de programas sociais nos países capitalistas, eles querem que os pobres continuem vivendo, que não produzam violência, mas ninguém está interessado em terminar com a pobreza. A pobreza decorre de uma determinação que é estrutural. O pobre não é pobre por opção, ele não está no trabalho informal e precário por opção, é por determinação do modo como a sociedade se organiza para distribuir as riquezas que são socialmente produzidas no sistema capitalista.
No Brasil, a ciência e tecnologia, infelizmente, está secundarizada como secundarizadas estão as pessoas que integram as classes subalternas.
NC: A senhora, que esteve no processo de criação da Fundação Amparo à Pesquisa do Maranhão (Fapema), como avalia as políticas de amparo às pesquisas nos últimos 20 anos e qual a perspectiva para o futuro?
MO: Instituições como o CNPq, que é uma agência nacional de apoio e fomento à pesquisa, a Capes, que apoia a formação de recursos humanos, mas também apoia pesquisa, e as posteriores criações das fundações estaduais foram a expressão de um apoio estendido para a pesquisa e para a tecnologia. A gente sabe que a produção do conhecimento no Brasil é essencialmente concentrada nas instituições públicas, com muito pouco apoio das instituições privadas. Então, essas instituições de amparo à pesquisa, quer sejam federais, quer sejam estaduais são fundamentais, elas tem prestado um papel fundamental na ampliação da produção do conhecimento no Brasil, mesmo ainda muito limitado às instituições públicas de ensino, de pós-graduação etc. Desde o momento que este governo entrou, tudo está regredindo no país e a ciência e tecnologia não está de fora, haja vista, por exemplo, os orçamentos contingenciados, os orçamentos diminuídos. No Brasil, a ciência e tecnologia, infelizmente, está secundarizada como secundarizadas estão as pessoas que integram as classes subalternas.
NC: O conhecimento produzido pelo Serviço Social é sempre local ou pode ser aplicado em regiões distintas de onde foi produzido?
MO: O conhecimento no campo das Ciências Sociais é aquele conhecimento que é produzido sobre a realidade social. De um modo geral, para as ciências sociais e não só para o Serviço Social, as realidades sociais têm especificidades históricas e de localização. Então o conhecimento não pode ser aplicado em todo lugar, essa concepção de universalidade do conhecimento não é adequada quando se fala de ciência no campo das Ciências Sociais e mais especificamente no campo do Serviço Social. Não tem uma teoria, um conhecimento que se aplique a qualquer lugar, os conhecimento são relativos, são históricos e são mais adequados para determinadas realidades e para outras não.
NC: A senhora reconhece um certo preconceito da sociedade em relação à superação do conhecimento nas Ciências Sociais, superação que está na base da ciência?
MO: Todo conhecimento é relativo e é histórico. Teve um tempo que se pensava que o sol girava em torno da terra e depois se viu que é a terra que gira em torno do sol. Em todos os campos, e também nas Ciências Sociais, o conhecimento pode ser superado, é sempre localizado historicamente e geograficamente. Eu nem diria preconceito propriamente, mas existe uma restrição maior ao conhecimento no campo das Ciências Sociais, porque nesse campo, se a gente constrói um conhecimento crítico, ele questiona a ordem estabelecida, mexe com interesses, geralmente de grupos e pessoas da classe dominante, por isso ele é mais vulnerável a esses questionamentos ou até como você disse, possíveis preconceitos. Nós entendemos que o conhecimento, de fato, é aquele que tenta desvendar a essência da realidade social.
Em todos os campos, e também nas Ciências Sociais, o conhecimento pode ser superado, é sempre localizado historicamente e geograficamente.
Mônica Costa
Deixe um comentário