Laboratório da UFC estuda formas de melhorar o atual tratamento da doença que ainda afeta 10 milhões de pessoas por ano
O mais recente relatório da Organização Mundial da Saúde assusta: a tuberculose registrou 10,4 milhões de casos no mundo em 2015; 84 mil apenas no Brasil. Desse total, 1,8 milhão de pacientes morreram, apesar de o tratamento já ser conhecido há mais de 60 anos. Isso porque, além dos enormes problemas nos sistemas de saúde pública dos países mais pobres, a doença apresenta características que atrapalham sua erradicação, como o longo tempo de tratamento, a alta resistência e a latência (adormecimento) das bactérias.
Estudar os compostos essenciais do tratamento da tuberculose e melhorá-los tem sido uma das preocupações do Laboratório de Bioinorgânica da Universidade Federal do Ceará (UFC). A pesquisa tem se voltado para a isoniazida, principal substância no combate à doença, que hoje enfrenta problemas sérios de resistência das bactérias.
O medicamento já foi melhorado pelo laboratório, gerando o IQG-607, um candidato a fármaco. Os pesquisadores já conseguiram comprovar que a nova substância possui capacidade de atacar as bactérias já resistentes ao fármaco original e tem um potencial muito menor de toxicidade.
Coordenada pelo Prof. Eduardo Henrique Sousa, a equipe trabalha com diversas linhas de pesquisa, tendo se dedicado ao desenvolvimento de compostos anti-tuberculose à base de ferro. O IQG-607, por exemplo, é formado pela isoniazida cercada pelo grupo pentacianoferrato (Fe(CN)5).
Apesar de parecer mais tóxica pela presença de cianeto (altamente letal e utilizado em venenos), quando associado ao ferro e à isoniazida, a substância é menos danosa às células animais. Para comprovar isso, pesquisadores parceiros da Pontifícia Universidade Católica (PUC/RS) realizaram o que chamam de teste com “doses em limite máximo” em camundongos.
Entendendo a resistência
Como a isoniazida é um pró-fármaco, ou seja, precisa de uma ativação da própria bactéria para que aja no organismo, o tratamento pode ser prejudicado, já que os micro-organismos criam resistência ao “perceber” que eles próprios ativam o remédio. “A nossa ideia é incorporar complexos metálicos, para ele funcionar como autoativador e não precisar do sistema enzimático da bactéria”, explica o Prof. Eduardo.
O próximo passo do IQG é justamente o teste em humanos (fase clínica I), quando os pesquisadores testarão essa possível rota de autoativação e, consequentemente, sua capacidade de vencer a resistência da bactéria. Essa fase deve ser realizada na PUC-RS, sede do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Tuberculose (INCT-TB).
“Não é fácil desenvolver fármacos que combatam essa bactéria, pois ela tem uma parede celular muito peculiar, importante para sua sobrevivência”
O professor explica a necessidade de aprimorar a isoniazida, evitando que ela se torne ineficaz no combate à tuberculose, ao lembrar que as alternativas a ela não são tão vantajosas, tanto pela toxicidade quanto pela atuação menos eficaz. “Está chegando a um ponto em que, mesmo entre os fármacos de segunda e terceira linha, fica-se sem opção. Já há resistência a quatro fármacos simultâneos. É preocupante”, avalia.
“Não é fácil desenvolver fármacos que combatam essa bactéria, pois ela tem uma parede celular muito peculiar e hidrofóbica, quase como uma cera no lado externo, importante para sua sobrevivência”, explica. A eficácia da isoniazida, e consequentemente de compostos como o IQG que têm nela sua base, está na capacidade de desfazer essa parede.
O laboratório, em parceria com o INCT-TB e a PUC-RS, segue tentando identificar outras associações com a isoniazida, em compostos que precisam ainda atender a níveis de pureza e demonstrar potencial farmacológico.
Latência
Outra pesquisa, ainda em fase inicial, investiga como driblar a latência das bactérias da tuberculose, um dos principais fatores que atrapalham sua erradicação. Estima-se que um terço da população tenha as bactérias adormecidas no organismo. O problema é que, se elas não forem totalmente eliminadas no tratamento, podem voltar a entrar em ação em um momento de baixa imunidade.
O laboratório estuda agora as proteínas que levam ao estado de latência, no intuito de buscar formas de evitar esse processo. O Prof. Eduardo explica que essas proteínas funcionam a partir de sinais dados pelo organismo e enviam uma espécie de “recado” às bactérias para que elas se readaptem. “A literatura tem mostrado que o sinal é a falta de oxigênio. O organismo enclausura a bactéria em um granuloma, sem oxigênio. Ela adormece e pode ficar nesse estado por décadas”, esclarece.
O bloqueio desse processo de latência, além de garantir mais eficiência na erradicação total da bactéria, pode também contribuir para a diminuição do tempo de tratamento da tuberculose, hoje de pelo menos seis meses. “Esse tempo se dá justamente por conta das bactérias em latência. Com um fármaco já capaz de lidar com o problema desde o início, diminui-se esse tempo, um dos fatores que geram resistência”, diz o pesquisador.
Redação com informações da Agência UFC
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