Na coluna SCIARÁ, pesquisa mostra que ainda há no ambiente escolar uma naturalização da desigualdade e o não reconhecimento do preconceito
Em janeiro 2003, foi sancionada a Lei 10.639, que inclui no currículo oficial de ensino das escolas brasileiras, a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”.
Apesar de ter sido o primeiro Estado brasileiro a abolir o regime escravista, em 25 de março de 1884, há, ainda hoje, dificuldade em reconhecer a cultura afrodescendente no Ceará. O trabalho de conclusão de curso realizado em 2007 por Marlene Pereira dos Santos mostrou, por exemplo, que diretores e professores de escolas cearenses afirmavam que no Ceará não existia cultura negra. O pesquisador Cunha Junior relaciona essa negação da existência de população negra com base no fato de que “no Ceará não havia produção açucareira e de que como o Estado tinha abolido o escravismo antes do restante do País, os negros foram embora”.
Com o objetivo de investigar a compreensão de educadores e estudantes sobre a história e a cultura afro-brasileira, a professora Maria Edleuza Maia desenvolveu sua dissertação de mestrado: “A escola e a formação do estudante negro: o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana”, defendida em 2015 na Fafidam/Uece.
A pesquisa foi realizada com professores e alunos da escola pública estadual de ensino médio Lauro Rebouças de Oliveira, situada em Limoeiro do Norte, no interior do Ceará. Foram utilizados como recursos metodológicos enquetes, histórias de vida e entrevistas. A dissertação teve como desdobramento o artigo “Reflexões sobre história e cultura afrobrasileira e africana na sala de aula”, com coautoria de Edvanir Maia da Silveira, publicado na edição de janeiro-junho de 2017 da revista Historiar.
Os resultados mostraram que “persistem na escola comportamentos que desqualificam a estética negra e suas expressões religiosas, bem como desacreditam da capacidade intelectual das pessoas negras. E essas posturas quase sempre passam despercebidas, pois há a naturalização da desigualdade e o não reconhecimento do preconceito, mesmo, por parte dos negros”.
Ao trabalhar a temática “Brasil Colônia”, a professora Edleuza solicitou a alunos do 1º ano do Ensino Médio que pesquisassem as expressões religiosas existentes no Brasil nesse período. Ao perceber a ausência de expressões religiosas dos africanos e de seus descendentes nos resultados, a docente questionou os alunos. Uma das respostas foi “Os africanos não têm religião, eles cultuam o diabo!”, o que provocou um debate “doloroso e pouco exitoso”, nas palavras da professora.
Em outro relato, Edleuza narra que uma professora passou em sua sala de aula para convidar os alunos a participarem de um mutirão de limpeza. Um aluno negro respondeu ao convite afirmando que o trabalho era muito pesado. A professora então respondeu que “negro é para ir para o tronco mesmo”, gerando risos e desconforto. Mais uma demonstração de racismo e preconceito no cotidiano escolar.
A pesquisadora lembra que “o espaço da pesquisa, a escola, e as ações que nela se desenvolvem deixam “marcas” na formação dos sujeitos que a compõem”. Ao final da pesquisa, ela afirma ter constatado que “persistem na escola comportamentos que desqualificam a estética negra e suas expressões religiosas, bem como desacreditam da capacidade intelectual das pessoas negras”.
Para Edleuza, a implementação da Lei 10.639, demanda inúmeras ações de sensibilização dos educadores, de desconstrução dos estereótipos muitas vezes reforçados pela academia e pela mídia, o desenvolvimento de um novo processo de formação de educadores sobre a temática, entre outras iniciativas.
Trabalho do pesquisador Cunha Junior
Artigo “Reflexões sobre história e cultura afrobrasileira e africana na sala de aula”
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