Trabalho inédito foi publicado em revista internacional do grupo Nature
De forma inédita no mundo, profissionais da Fiocruz Pernambuco isolaram e sequenciaram o genoma do vírus zika coletado no organismo de mosquitos do gênero Culex. Também pela primeira vez, se fotografou, por meio de microscopia eletrônica (foto abaixo), a formação de partículas virais na glândula salivar do inseto. Essas conquistas, obtidas com o uso exclusivo das plataformas tecnológicas da Fiocruz PE, estão descritas no artigo “Zika virus replication in the mosquito Culex quinquefasciatus in Brazil”, publicado na quarta (09/08) na revista Emerging microbes & infections, do grupo Nature.
A equipe do Departamento de Entomologia da instituição detectou a presença do vírus em amostras naturais de Culex colhidas na Região Metropolitana do Recife e também comprovou em laboratório que esse vírus consegue se replicar no interior do mosquito e alcançar a glândula salivar. Utilizando cartões especiais para a coleta, foi comprovada a presença de partículas do vírus na saliva dos mosquitos, o que indica a possibilidade de transmissão ao picar uma pessoa. Para a coordenadora do estudo, Constância Ayres, o artigo demonstra, “de diversas formas diferentes”, a possibilidade do Culex ser um dos vetores do vírus zika na cidade.
O pesquisador Gabriel Wallau, que também integra a equipe, considera que esse artigo vem mostrar, “com dados consistentes”, que o zika consegue se replicar dentro do organismo de Culex e que existem mosquitos dessa espécie infectados no campo. Responsável pelo sequenciamento do genoma, Gabriel explica que a cepa do vírus isolada de dois pools (grupos) de C. quinquefasciatus é semelhante à que foi previamente sequenciada, a partir de amostras humanas, pela equipe do Departamento de Virologia e Terapia Experimental da Fiocruz PE, em parceria com pesquisadores da Universidade de Glasgow. Ele destaca que o ineditismo de agora reside no fato do vírus ter sido obtido de amostras de mosquito.
Mutações
Para Gabriel, essa semelhança era esperada, pois trata-se de uma linhagem de vírus que estava circulando no estado. Mas o fato de terem sido encontradas mutações nas amostras corrobora a metodologia utilizada nas análises, mostrando que não houve contaminação no laboratório. O pesquisador explica que os vírus de RNA de fita simples, como o Zika, têm uma altíssima taxa de mutação e que já existem trabalhos na literatura científica reportando que a simples replicação desses vírus dentro do organismo, humano ou do mosquito, gera novas mutações.
Os resultados encontrados estão servindo de base para o início de novos estudos. De um lado, na verificação das mutações presentes nos genomas e se elas influenciam na capacidade de replicação do vírus no organismo do mosquito. Por outro lado, agora que estabeleceu a competência do Culex quinquefasciatus como vetor do zika, o grupo parte para estudar a sua capacidade vetorial, ou seja, será analisado o conjunto de suas características fisiológicas e comportamentais, no ambiente natural, para entender o papel e a importância dessa espécie na transmissão do vírus zika.
Mais detalhes da pesquisa:
O estudo foi conduzido pela Fiocruz Pernambuco na Região Metropolitana do Recife, onde a população do Culex quinquefasciatus é cerca de vinte vezes maior do que a população de Aedes aegypti. Os resultados da pesquisa de campo apresentados no artigo mostram a presença de Culex quinquefasciatus infectados naturalmente pelo vírus zika em três pools* (grupos) de mosquitos Culex (de um total de 270 pools) e dois pools de Aedes (de um total de 117). Em duas dessas amostras os mosquitos não estavam alimentados, demonstrando que o vírus estava disseminado no organismo do inseto e não em uma alimentação recente num hospedeiro infectado. O vírus foi isolado dessas amostras e seu genoma foi sequenciado.
Na etapa de laboratório, com o objetivo de investigar a competência vetorial das espécies Culex quinquefasciatus e Aedes aegypti, os mosquitos foram alimentados com uma mistura de sangue e vírus, permitindo o acompanhamento do processo de replicação do patógeno dentro do inseto. Foram realizadas duas infecções de mosquitos, cada infecção com duas concentrações de vírus diferente (104 e 106). A menor simula a condição de viremia de um paciente real. Depois os mosquitos foram coletados em diferentes momentos: no tempo zero (logo após a infecção), três dias, sete dias e 15 dias após a infecção pelo vírus.
Um grupo controle, com mosquitos alimentados com sangue sem o vírus, também foi mantido. Cada mosquito foi dissecado para a extração do intestino e da glândula salivar, tecidos que representam barreiras ao desenvolvimento do vírus. Se a espécie não é vetor, em determinado momento o desenvolvimento do vírus é bloqueado pelo organismo do mosquito. No entanto, se ela é vetor, a replicação do vírus acontece, dissemina no corpo do inseto e acaba infectando a glândula salivar, a partir da qual poderá ser transmitido para outros hospedeiros durante a alimentação sanguínea, pela liberação de saliva contendo vírus. Segundo Constância, a partir do terceiro dia após a alimentação artificial, já foi possível detectar a presença do vírus nas glândulas salivares das duas espécies de mosquito investigadas. Após sete dias, foi observado o pico de infecção nessas glândulas.
Além da detecção do vírus nesses tecidos (intestino e glândula salivar), foram investigadas amostras de saliva expelida pelos mosquitos infectados. A carga viral encontrada nas duas espécies estudadas (Aedes aegypti e Culex quinquefasciatus) foi similar.
Leia o artigo na íntegra (em inglês).
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