Compreender o mesmo processo a partir de paradigmas distintos Saúde

quinta-feira, 10 dezembro 2015

Cláudio Tadeu Daniel-Ribeiro, criador do Simpósio de Cognição Imune e Neural aponta dificuldades em tentar estabelecer uma ponte entre diferentes campos de conhecimento.

O discurso da necessária ampliação do campo de estudo de uma determinada área do conhecimento para outras não é novo. Desde o final da década de 1980, a Teoria da Complexidade vem defendendo a transdisciplinaridade dos campos como horizonte de desenvolvimento. Do discurso à prática, porém, há um enorme caminho, às vezes impossível de ser percorrido. Ciosos dos conceitos de seu campo, pesquisadores não costumam enveredar por outros nem para observar as semelhanças e nem para utilizar os conceitos desenvolvidos naquele para entender o seu próprio.

Desde 2009, quando foi realizada a primeira Jornada Fluminense sobre Cognição Imune e Neural, imunologistas e neurocientistas têm tentado compreender a partir de uma visão diferente e com paradigmas distintos, o fenômeno que é o “conhecer e o reconhecer”, que é um processo mecanístico e que é operante, tanto no sistema nervoso, quanto no sistema imune. Em 2015, em sua quarta edição, a Jornada foi transformada em Simpósio e perdeu o gentílico fluminense, tendo vindo aportar na terra de Poti, o Rio Grande do Norte, sob a coordenação do diretor do Instituto do Cérebro, professor Sidarta Ribeiro, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Acompanhe a entrevista exclusiva ao Nossa Ciência, concedida pelo criador do evento, Cláudio Tadeu Daniel-Ribeiro, que é chefe do Laboratório de Pesquisas em malária da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e coordenador do Centro de Pesquisas, Diagnóstico e Treinamento em Malária (CPD-Mal) do mesmo laboratório (link para o currículo do pesquisador na plataforma lattes disponível no final da matéria).

A entrevista, concedida no segundo dia do Simpósio, é uma aula. O pesquisador Cláudio Ribeiro explica conceitos, reforça ideias e defende a construção de “pontes gentis” entre pesquisadores de áreas distintas para a ampliação do conhecimento. Tangenciando a interação entre neurociência e imunologia, o membro de diversas sociedades científicas brasileiras e internacionais falou de autonomia das máquinas e de ficção científica como realidade possível.

Nossa Ciência: Como surgiu a ideia de juntar pesquisadores de áreas distintas para discutirem conjuntamente?

Cláudio Ribeiro: Entre 2000 e 2010, montamos um doutorado interinstitucional em parceria (da Fiocruz) com a Universidade Estadual do Pará, a Universidade Federal do Pará e o Instituto Evandro Chagas, em Belém/PA. Formamos através dessa iniciativa 15 doutores. Tivemos uma aproximação com dois profissionais neurocientistas – um neurofisiologista e um neuroquímico – professores Luiz Carlos de Lima Silveira, que é presidente de honra desse evento e o professor José Luiz Martins do Nascimento em discussões sobre o mundo, com a ótica de neurocientistas e de imunologistas. Surgiram alguns subprodutos dessa aproximação, primeiro uma muito grande amizade. Depois, ele que é editor do Jornal Brasileiro de Neurociências, me convidou para ser editor associado porque entendeu que era rico que tivesse um imunologista  porque tinha uma visão diferente com paradigmas distintos de um fenômeno que é o “conhecer e o reconhecer”, que é um processo mecanístico, que é operante tanto nas neurociências, no sistema nervoso, quanto no sistema imune. Em ambos a gente conhece/reconhece coisas e porque as reconhece a gente pode responder a elas. São sistemas que a gente chama, por conta disso, de cognitivos, sistemas de conhecimento. Ambos têm especificidades – nós podemos ver uma flor e saber que estamos vendo uma flor, sentir o perfume dessa flor, associar o perfume dessa flor, mobilizar memórias associadas ao perfume da flor com o repertório de vivências que nós acumulamos, do mesmo jeito a gente pode ter o nosso sistema imune confrontado com a presença de um micróbio e vamos aprender a conhecê-lo, de maneira a poder reconhecê-lo se no futuro ele for de novo confrontado com a exposição a esse micróbio. Nós podemos inclusive simular o encontro com esse micróbio, através de um procedimento vacinal. Eu aplico uma vacina num indivíduo que tem a propriedade de gerar memória desse encontro sem gerar a doença que o micróbio nativo causaria. Ainda que isso não seja um consenso, que existam visões que propõem que são os humanos que são cognitivos, os cientistas, os imunologistas e os neurocientistas e não os sistemas nervoso e imune, a gente acha sim que a gente está falando de sistemas cognitivos.

NC: E o simpósio?

CR: Além da parceria na revista, nós resolvemos que cabia a criação de um fórum para discussão desse aspecto do conhecer e reconhecer , que a gente acha que perpassa os sistemas nervoso e imune e que justificaria colocar sentado lado a lado imunologistas e neurocientistas. Nossa tentativa é ver quais são as analogias, as homologias, as dessemelhanças entre o modo da operação conhecer/reconhecer no sistema nervoso e no sistema imune. O modo como a memória imunológica opera. Se ela tem semelhança ou se é só metafórico o uso da palavra memória para um sistema que opera com células que reconhecem pedacinhos do micróbio.

NC: Quando foi decidido que ocorreria em Natal?

CR: O Sidarta (Ribeiro) foi convidado a participar desde a segunda jornada. A terceira, ele organizou junto comigo, no Rio de Janeiro. Decidimos que a jornada não precisava mais ser uma jornada e já poderia ser um simpósio, aumentando o seu tempo de duração de uma dia para dois dias. O segundo é que não havia justificativa para ele acontecer sempre no Rio de Janeiro, uma vez que nós temos uma plêiade de cientistas , tanto imunologistas quanto neurocientistas que é crescente no país e como Sidarta já tinha participado, já era um entusiasta e apoiador da iniciativa e como o Rio Grande do Norte tem o Instituto do Cérebro reconhecido como competente, como inovador , como bem equipado, como bem povoado de cabeças pensantes, a gente propôs que pela primeira vez ele saísse do Rio (de Janeiro) para vir para Natal.

NC: E como tem sido fazer o simpósio junto com outra instituição?

CR: Eu organizei com ele e ficou sob minha responsabilidade uma porção de coisas, mas foi o Sidarta, que nos acolhe a todos, que teve mais reponsabilidades, portanto a primeira sensação é de alívio daquele desafio de fazer tudo nas três primeiras jornadas. Sidarta começou esse evento falando que na verdade era um simpósio difícil porque coloca junto coisas que não se tem clareza se elas são verdadeiramente semelhantes. A composição do corpo de palestrantes é difícil porque talvez só seja possível o uso de metáforas de um sistema para pensar o outro. Eu achei que essa definição dele, que pode parecer pessimista, foi muito precisa e mostra que o Sidarta, que já participou de três desses eventos e organiza essa quarta edição, não só entendeu perfeitamente a dificuldade que a gente tem tido, como o desafio grande que representa insistirmos nessa estratégia de colocar junto pessoas que normalmente não sentam juntas pra discutir.

NC: É possível o diálogo entre as áreas?

CR: Eu tenho a sensação de que não é um diálogo muito fácil e que a gente tem discutido depois de cada palestra o tema específico daquela palestra com aquele profissional que pensa um pouco diferente da gente com paradigmas diferentes e com conhecimentos numa outra área. Pode ser uma enorme coincidência, mas eu estou absolutamente encantado com o que está acontecendo aqui (em Natal/RN), porque eu vi colegas que abriram mão da fala que estava preparada, para fazer outra em resposta às intervenções que eles ouviram. Isso mostra uma abertura da mente, uma janela aberta para a interação. Eu acho que o próximo evento já pode ser em três dias porque depois das palestras, a gente tem que ir para o grupo, nem que seja com uma cópia impressa da apresentação e ver quais são as metáforas ou não, quais são as reflexões que podem efetivamente resultar na definição de um projeto que vai ser feito por uma ou outra área ou em parceria. Eu já tenho o projeto de uma doutoranda que trabalha com um neurocientista e comigo, e estamos absolutamente encantados e estimulados com essa mudança de cultura de trabalharmos na nossa área exclusivamente.

Ainda que o simpósio não tenha terminado, eu não tenho nenhuma dúvida que eu noto neste evento uma coisa que eu não notei verdadeiramente nos outros apesar da grande integração dos palestrantes. Dessa vez a gente está com janelas abertas e com a definição de pontes como disse o Sérgio Neuenschwander (UFRN), pontes gentis, delicadas, que nós estamos sendo instados, estimulados a construir com os colegas neurocientistas.

Para ler a continuação dessa entrevista, clique aqui .

Currículo de Cláudio Daniel Tadeu-Ribeiro na Plataforma Lattes (É necessário validação do ip para segurança do sistema do CNPq) 

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