Para o físico cearense Cláudio Lenz é preciso criar no Brasil uma conexão entre o ensino, a pesquisa e a indústria. Radicado no Rio, ele sonha em ter um núcleo de pesquisa e dar aulas no Ceará
Filho de professores universitários, o físico cearense Cláudio Lenz Cesar pesquisa há 20 anos a antimatéria, quase o mesmo tempo de docência na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Por conta de suas pesquisas, cujos resultados podem gerar uma revolução no conhecimento da Física, integra o Centro Europeu para a Pesquisa Nuclear (CERN, na sigla em inglês).
Sua trajetória acadêmica é coroada de êxitos. Fez a Graduação na Universidade Federal do Ceará (UFC), Mestrado na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e o Doutorado no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês) nos Estados Unidos (EUA).
Em sua entrevista para o Nossa Ciência, concedida no salão de festas do seu prédio, no Rio de Janeiro, falou de sua certeza de que a educação básica é a alavanca que poderá ajudar o Brasil a dar um salto e que vai criar as condições ideais para a formação de cientistas.
Nossa Ciência: O que é ser cientista?
Cláudio Lenz: Ser cientista é ter curiosidade, querer desvendar, saber como o mundo, o universo funciona.
NC: Como foi sua trajetória como aluno antes da Graduação?
CL: Na escola, eu fui um aluno que sempre detestei fazer dever de casa, eu tive problemas ao longo de toda a minha carreira com dever de casa. Só quando eu cheguei no Mestrado, eu comecei realmente a fazer as listas de exercício, que eram mais interessantes. Eu me lembro, eu pequenininho, a vergonha que eu sentia cada vez que chegava a chamada, (que a professora perguntava) cadê o dever? Ah, esqueci, professora. Eu como pai e como professor hoje, realmente não consigo ver muito valor no tal do dever de casa. É um tempo gasto numa coisa de repetir, eu gosto de coisas não-repetitivas, de desafio. Quando eu estava no Ensino Médio, tinha um trabalho, um exercício e assim que eu matava a charada, perdia o interesse de continuar e descrever tudo aquilo.
NC: Quando entrou na Universidade para fazer Física, você já queria fazer pesquisa?
CL: Eu fiquei em dúvida entre Engenharia e Física, mas meu pai, com a força dele, disse, ‘a Física é a base da Engenharia’ e ele matou a história. Então quando eu entrei já queria ser um pesquisador.
NC: Você tem uma carreira que está no topo e desde muito cedo. Você teve modelos, pessoas em quem se inspirou?
CL: Meu pai foi a maior influência na minha vida, nesta questão científica, sem dúvida nenhuma. Ele foi um professor excelente, como pai foi dedicado, teve sete filhos e se dedicou a cada um, estudava com cada um. Eu tive outros grandes professores. Na Escola Técnica Federal do Ceará tive dois grandes professores que me marcaram: o professor Aluizio de Silva, que dava aula de eletricidade e o Antônio Mauro de Oliveira, que até virou Secretário Nacional de Telecomunicações. Depois, já no Recife, meu orientador, o José Rios Leite e a figura do Sergio Rezende e depois no MIT, o meu orientador foi uma pessoa extremamente influente e inteligente. Daniel Kleppner era um pesquisador nato, não era um homem carreirista, não era um homem que queria virar ministro, era uma pessoa que realmente gostava de ciência; ele foi orientado por um Prêmio Nobel de Física (em 1989, Norman Ramsey), o orientador dele foi orientado por outro Prêmio Nobel de Física (em 1944, Isidor Isaac Rabi) e ele foi orientador de pelo menos dois (ganhadores de ) Prêmio Nobel de Física. No caso dele especificamente, ele gostava de atacar problemas fundamentais. Foi daí que eu herdei essa vontade de fazer uma ciência mais fundamental, de testar as teorias da Ciência, da Física, ir aos limites mesmo.
NC: Você é um pesquisador importante há muito tempo, mas por que sua carreira não vingou no nordeste?
CL: Eu preferia ter ficado no nordeste e entram três aspectos nessa questão. Em 1995, quando eu voltei do Doutorado, o Brasil estava numa fase financeira muito ruim. Eu cheguei a dar aula por seis meses na UFC, em mecânica quântica, mas eu trabalho com a Física de baixas temperaturas e para executar um projeto que eu tinha, eu precisava de Hélio (He) líquido e o Ceará não tinha essa estrutura. Por conta disso e de todos os contatos que eu já tinha, o Recife (UFPE) era minha opção número um. No Recife, a proposta que houve foi: ‘se junta aqui aos grupos que já existem, vamos fazer o que já estamos fazendo aqui e depois as possibilidades vão surgir’. Mas eu vim com um projeto tão bem definido e já engajado no experimento com antimatéria e eu disse: ‘não, eu passei tanto tempo no exterior, tem uma coisa nova que é valiosa e eu quero realizar meu próprio projeto’. Eu dei seminários em todo o Brasil, eu vim ao Rio, fui a Campinas, fui a São Carlos para divulgar o que eu estava fazendo, o que eu queria fazer. Na época, surgiu um edital dos Núcleos de Excelência (Pronex) e houve 20 grupos de excelência no Brasil, e um deles foi feito aqui em colaboração com o Luís Davidovich, Moyses Nussenzveig, Nicim Zagury e outros professores importantes da UFRJ, onde eu era a parte experimental e eles eram a parte teórica do projeto, que era grande e que me permitiu começar o meu próprio projeto.
NC: Então seu primeiro edital foi um Pronex?
CL: Sim, junto com professores brasileiros extremamente conhecidos. E esse é o motivo pelo qual eu vim para o Rio de Janeiro.
NC: Depois de tanto tempo estando fora do Ceará, você ainda é cearense? Em que momento você ainda se percebe cearense?
CL: Primeiro tem a conexão com a praia. Esse foi um dos motivos pelos quais eu acabei não lutando para ir para São Paulo e eu confesso hoje que diante do que a gente passou ao longo desses anos, em São Paulo eu teria tido outro nível de apoio na Unicamp, na USP São Carlos ou São Paulo por conta da Fapesp. Teria feito uma grande diferença no apoio financeiro e até mesmo na quantidade de estudantes, mas na época para decidir entre vir para o Rio ou ir para Campinas, que era uma possibilidade, poder vislumbrar a praia pesou, isso é uma coisa do cearense; eu gosto da comida cearense, eu gosto muito da maneira do cearense. Apesar de que eu me surpreendi no Rio de Janeiro com a facilidade de você conectar com as pessoas, as pessoas são muitos fáceis de você começar uma conversa.
NC: Você mantém trabalhos em colaboração com instituições nordestinas?
CL: Não. Mantenho contatos. No Recife, eu voltei para dar um curso de verão; em Fortaleza, eu vou de vez em quando para dar um seminário. Eu tentei, num dado momento, dar uma escola e ver se começava um projeto de colaboração em Fortaleza, mas a coisa não vingou. Eu ainda tenho esse sonho ou na UFC, e eu digo Fortaleza porque é onde está minha família, meus pais idosos, tenho dois filhos morando lá, tenho irmãos. Eu ainda gostaria de ter um contato institucional, ter um núcleo de pesquisa aonde alunos viessem e eu fosse dar escolas. Eu tenho esse sonho e quero realizar.
NC: O que lhe dá mais prazer é dar aula ou a bancada do laboratório?
CL: Quando eu estou no laboratório, eu tenho meus alunos também. Eu acho que esse processo de tutoria é o que me dá mais prazer, é o laboratório com os alunos nessa troca. As aulas são muito legais quando você tem um bom grupo de alunos.
NC: A aula é a pescaria?
CL: Às vezes é. É o momento que você atrai os alunos. Aula é muito legal, trocar ideia e esse é que é o problema. Se os alunos são passivos, não questionam, não participam a aula é muito chata. Eu tive exemplos interessantíssimos. Teve um semestre que eu dava um curso de Física I para Engenharia Química e o mesmo curso para Engenharia de Produção, uma aula de manhã e outra aula à tarde. Uma das turmas me adorava, a tal ponto que eles pediram para eu voltar a dar aula para eles em Física III, a turma se dedicava, discutia – eu sou um professor relativamente rigoroso, a gente tem que exigir um mínimo, abaixo daquele mínimo, não merece o diploma. E então eu tinha uma turma que foi muito bem, foi uma experiência muito prazerosa. E a outra turma, o mesmo curso, nos mesmos dias, uma após a outra e a experiência foi terrível, os alunos não queriam participar em nada. O aluno não sabe, mas ele é o principal protagonista da aula, ele pode tornar a qualidade da aula excelente ou a qualidade da aula muito ruim, muito chata, muito desinteressante. Esse é o erro da nossa educação básica, onde o aluno não se vê como protagonista, como participante ativo desse processo.
NC: Qual é a grande dificuldade de se fazer Ciência no Brasil?
CL: Eita, são tantas. Não quero desanimar ninguém, antes pelo contrário. Mas o Brasil está muito atrasado culturalmente falando, então o grande problema que a gente tem, hoje eu vejo na minha colaboração em Genebra o desnível financeiro entre o apoio que eu tenho aqui e o apoio que eles têm lá fora é um desnível de ordens de grandeza, é absurda a diferença de apoio financeiro; segundo lugar, tudo aqui é mais difícil, o Brasil não tem uma pesquisa pujante, não tem uma indústria pujante, então tudo a gente tem que comprar, além das coisas que eu fabrico aqui, que eu gosto de fazer, de desenvolver. Falta no Brasil essa conexão com a indústria, a pesquisa virar produto. Quase tudo você acaba tendo que importar e então você cai numa burocracia infernal. Falta essa cultura no Brasil e isso é assim em todas as relações comerciais, você já é tratado como culpado. Você recebe um projeto e já assina um documento quase advocatício, você já se sente culpado de saída e falta uma estrutura de apoio nas universidades, alguém para cuidar das finanças, para fazer sua prestação de contas, no Brasil a gente faz tudo isso. Até hoje isso é um suplício para mim, eu não fui treinado para fazer isso, eu gasto mais da metade do meu tempo fazendo esse tipo de coisa, é um absurdo, é jogar fora todo o potencial que a gente tem de fazer ciência. Então, você tem uma universidade totalmente desestruturada para dar apoio a pesquisa, desestruturada até fisicamente em termos de funcionários, as federais são completamente desestruturadas. Acho que o caso do Rio de Janeiro é uma exceção ainda pior, nós estamos numa das universidades mais mal estruturadas que existe no Brasil, uma universidade que ficou dominada por partidos políticos, dominada por outros problemas e ela funciona muito mal em termos de administração, tem um corpo docente excelente, tem ilhas de excelência, mas ela funciona muito mal. Depois vem oficina e outras coisas que não temos e damos um jeito. Eu atualmente faço o desenho das minhas peças mecânicas e mando construir numa oficina privada em São Carlos, na elétrica faço os desenhos e mando construir uma placa fora, e faço a montagem toda no meu laboratório, mas eu não tenho estrutura mínima. Tem outro problema que já é mais culpa nossa, dos cientistas, a gente fez alguma coisa errada. Nós estamos com poucos alunos nas boas universidades. Eu sei que isso é meio polêmico, mas eu acho que o Brasil expandiu demais.
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