El-Sharkawy diz que o trabalho liderado por Cruz mostra que o aumento de CO2 pode aliviar bastante o efeito do estresse hídrico, mas acrescenta que gostaria de ver essa pesquisa ser levada a campo, utilizando uma técnica de enriquecimento de CO2 denominada FACE (Free-Air CO2 Enrichment), ou ser desenvolvida em casa de vegetação com teto removível, que proporciona condições mais próximas do ambiente de cultivo. O método FACE, segundo ele, foi empregado em um único trabalho de campo para analisar o comportamento da mandioca com CO2 elevado realizado na Universidade de Illinois, no norte dos Estados Unidos. Porém, esse trabalho foi conduzido em ambiente com boas condições hídricas. Por isso o trabalho desenvolvido por Cruz e colaboradores é importante porque se detém em um tema ainda pouco explorado: a interação entre aumento da concentração de CO2 e a seca.
Na pesquisa de Jailson Cruz, em casa de vegetação, o incremento de CO2 associado à boa disponibilidade de água levou a um aumento de aproximadamente 17% na produção de raízes tuberosas. “Em Illinois, eles fizeram um estudo diretamente no campo e esse aumento foi de 100%. Além da variedade diferente, que pode responder melhor à elevação na concentração de CO2, o cultivo diretamente no campo também pode ter favorecido esse aumento significativo”, analisa Cruz. Por isso, na sua avaliação, há a possibilidade de, no campo, a resposta da mandioca à elevação na concentração de CO2 e ao déficit hídrico ser ainda maior do que o observado em seu trabalho de pesquisa.
“Em casa de vegetação, existe o que chamamos de aclimatação da fotossíntese. Se elevo a concentração de CO2 no ambiente de cultivo, a planta aumenta a atividade fotossintética. Isso é particularmente verdadeiro para as plantas do grupo fotossintético C3, ao qual a mandioca pertence. Na casa de vegetação, chega um momento que o pequeno tamanho do vaso não permite o crescimento normal das raízes tuberosas, comprometendo a assimilação dos compostos orgânicos enviados pelas folhas. Esse processo leva à aclimatação da fotossíntese, por um processo denominado ‘retroinibição’, cujo objetivo é balancear a produção de carboidratos pelas folhas com o consumo pelas raízes. Mesmo em campo, no início do crescimento das plantas, ocorre essa aclimatação da fotossíntese. No entanto, quando as raízes começam a se desenvolver, essa inibição tende a desaparecer. Daí a possibilidade de que no campo, com o aumento do número e tamanho das raízes, a fotossíntese volte a crescer, e a resposta ao CO2 sob déficit hídrico possa ser ainda maior do que o observado em nosso trabalho na casa de vegetação”, sugere o responsável pelo trabalho, Jailson Cruz.
Marcio Porto, que lidera a Equipe Técnica de Mandioca da Embrapa Mandioca e Fruticultura, adianta que estão sendo desenvolvidas propostas de projeto no sentido de avaliar esses estudos em condições mais próximas ao que se observa no campo.
A mandioca no futuro
Projeções agroclimáticas mostram que a mandioca deve migrar para o Sul e o Sudeste do País, em função do elevado aumento de temperatura em todas as regiões. A previsão geral é que culturas como soja, arroz e café sejam prejudicadas e tenham suas áreas reduzidas. Já em relação à mandioca, pode-se aumentar sua área e produção. “Existe a possibilidade de a mandioca migrar para essas regiões para substituir parte da área daquelas culturas. No entanto, há a possibilidade de que a área de mandioca não seja reduzida no Nordeste, porque, como mostra o trabalho, a elevação no CO2 compensará, ainda que parcialmente, a redução da precipitação”, analisa Cruz.
O especialista em mudanças climáticas Hilton Silveira Pinto, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que coordenou a elaboração de um relatório para o Banco Mundial com projeções dos efeitos das mudanças climáticas na agricultura nas próximas décadas, estudou o comportamento de 11 culturas, entre as quais a mandioca. “Estudos indicam que a mandioca se adapta melhor do que outras culturas ao aumento de temperatura, tanto que é cultivada praticamente no Brasil inteiro, com inúmeras variações climáticas. É uma cultura que vai tolerar muito bem o aquecimento global”, afirma.
Silveira Pinto diz que, havendo um aumento de temperatura, algumas plantas mais sensíveis ao calor vão ser deslocadas para áreas mais frias. “No caso da mandioca, esse deslocamento pode ser mais lento em direção ao Sudeste e Sul do Brasil, mas certamente deve ocorrer uma melhoria no desenvolvimento da planta nas áreas que hoje são mais frias e que tendem a ser mais quentes”, observa.
O pesquisador da Embrapa Informática Agropecuária (SP) Eduardo Assad, autor de diversos trabalhos sobre mudanças climáticas e seus impactos na agricultura, concorda com esse raciocínio. “Nas simulações que fizemos, a mandioca fica com alta vulnerabilidade na região do Semiárido. Portanto, ela tende a se deslocar para regiões onde há mais água, mesmo com temperaturas elevadas”, salienta. Assad diz ainda que, em um dos cenários projetados, mantendo-se a situação da produção da mandioca atual, seria registrado um prejuízo em torno de R$ 100 milhões até 2020 na região Nordeste. “Com o deslocamento da mandioca para outras regiões, até o ano de 2050 a gente passa a ter um ganho de aproximadamente R$ 320 milhões”, acrescenta.
Cruz reitera que, com base nos estudos conduzidos pela Embrapa e o USDA, é possível sugerir que um aumento na concentração de CO2 poderá contribuir para reduzir os efeitos negativos do déficit hídrico e da elevação da temperatura sobre a produtividade e o agronegócio da mandioca em situações de mudanças climáticas.
E para buscar saídas para o Semiárido, já que a mandioca é basicamente uma cultura de subsistência e extremamente importante para o agricultor familiar, os especialistas citam uma das principais estratégias a serem alcançadas: a identificação e desenvolvimento de variedades mais tolerantes ao déficit hídrico e a altas temperaturas.
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