Artigo dos professores John Fontenele-Araújo e Rhowena Jane Barbosa de Matos que apresentam a ideia de criação da Agência Nacional de Integridade Científica
A ciência brasileira é uma atividade praticada e organizada – em quase sua totalidade – em universidades e alguns institutos de pesquisa públicos, e é realizada a partir de um financiamento essencialmente público. Esse fato implica dizer que a sociedade fornece o fomento necessário para que os pesquisadores executem suas ideias em prol do beneficiamento comum. Estes investimentos têm produzido muitos benefícios à sociedade brasileira, e dentre os diversos melhoramentos, podemos destacar: a revolução na agricultura, a nossa liderança na indústria aeronáutica, bem como a intensa e efetiva formação de recursos humanos qualificados nas universidades.
A fim de dar continuidade aos avanços científicos e tecnológicos, assim como favorecer ainda mais o incentivo de execução de ideias transformadoras em diversas áreas de estudo, o financiamento e a execução da pesquisa no Brasil necessitam de ações que envolvam a integridade na atividade científica. Estas ações norteiam os pilares éticos.
Recentemente, casos de má conduta de cientistas brasileiros foram publicados e divulgados na mídia nacional. Este é um problema que não é exclusividade do Brasil. Como resultado dessa divulgação – e o que também temos percebido claramente – é o efeito da redução de credibilidade na ciência, por parte da população. Diante deste fato, algumas atitudes podem ser tomadas por nós cientistas, com urgência, com intuito de garantir a prática da ciência com ética, honestidade e probidade.
Para isso estamos propondo a criação de uma organização independente que tenha como objetivo incentivar a promoção da integridade da pesquisa através dos diversos setores e áreas científicas. Na proposta, vislumbra-se uma organização que tenha uma estrutura independente e autônoma com a finalidade de elaborar normas de conduta e padrões de qualidade, além de investigar as más condutas de pesquisadores, com apoio jurídico, pelas quais as instituições universitárias são ineficientes. Essa organização seria uma Agência Nacional de Integridade Científica (ANIC).
Como propósito inicial da ANIC, poderíamos começar com uma ampla e abrangente campanha contra a má conduta científica relacionada à fabricação, à falsificação e ao plágio (FFP). Uma outra ação da ANIC pode ser um movimento contra os “autores hóspedes” (“guest authors”), que são incluídos nos artigos científicos sem a real contribuição com o trabalho. Em contrapartida, incentivar que os “os autores fantasmas” (“authors ghost”), que contribuem de fato com a pesquisa e não são listados nos artigos, sejam beneficiados.
Outra estratégia da ANIC seria uma ampla avaliação das condutas dos comitês das agências de fomento responsáveis pela distribuição de recursos, como por exemplo, aprovação e acompanhamento dos INCTs, aprovação de projetos do edital universal, distribuição das bolsas de produtividade, da avaliação dos programas de pós-graduação e dos periódicos que definem o Qualis, etc.
Portanto, é de caráter urgente a criação de uma estrutura tipo ANIC, que tenha funções claras e objetivas, sendo um dos elementos para garantir que a ciência brasileira efetivamente tenha altos padrões de integridade. Tal estratégia irá contribuir para a construção de um Brasil mais ético no presente, e de um país que esteja preparado para enfrentar os desafios do século XXI.
Assim, tendo em vista que mudanças atuais e históricas estão acontecendo – em especial, o desmonte das instituições federais responsáveis pela pesquisa científica – sugerimos uma estratégia enérgica por parte dos órgãos científicos existentes, como por exemplo a proposta da ANIC poderia ser uma Organização Social vinculada à SBPC. Aproveitamos também para sugerir a inclusão deste tema no Projeto de Ciência para o Brasil que está sendo elaborado pela Academia Brasileira de Ciência.
O problema todos já conhecem! Uma proposta está sobre a mesa, cabe agora a comunidade científica decidir se a enfrenta e executa, ou se a “joga para debaixo do tapete”… Não podemos esperar passivamente as mudanças governamentais favorecerem a destruição da ciência brasileira, nem tão pouco nós cientistas ficarmos parados frente ao processo de desqualificação do nosso trabalho científico, e que atinge diretamente a sociedade, para quem devemos prestar contas.
Artigo publicado no blog da Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento
John Fontenele-Araújo, professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e Secretário Regional da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC-RN). Rhowena Jane Barbosa de Matos, professora Adjunta da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
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John Fontenele-Araújo e Rhowena Jane Barbosa de Matos
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