Pesquisadores discutem conceitos de cognição e memória aplicados aos sistemas nervoso e imune
Durante dois dias em Natal/RN, importantes pesquisadores do Instituto do Cérebro, do Instituto Oswaldo Cruz e da Academia Nacional de Medicina apresentaram as possíveis analogias, homologias e dessemelhanças entre os sistemas nervoso e imune. Acompanhados por professores e estudantes, imunologistas e neurocientistas discutiram aspectos que ajudam a entender se o uso das palavras tem significado apenas como metáforas. “É rico esse encontro, porque apresenta visão diferente, com paradigmas distintos do fenômeno, que é o conhecer e reconhecer , que é um processo mecanístico, que é operante tanto no sistema nervoso quanto no sistema imune”, explica um dos coordenadores do evento, imunologista Cláudio Tadeu Daniel -Ribeiro, chefe do Laboratório de Pesquisas em Malária, da Fiocruz.
Outro coordenador do 4º Simpósio sobre Cognição Imune e Neural, Sidarta Ribeiro, diretor do Instituto do Cérebro (ICe) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), acredita que já existem pontos de contato entre as duas áreas. “Existem muitas diferenças, mas existem semelhanças interessantes e o que estamos fazendo aqui é um exercício de fazer uma discussão conceitual, teórica, profunda e ao mesmo tempo buscar exemplos práticos, concretos e eventualmente localizados, pequenos do que de fato há homologia”, propõe. Como semelhanças, Sidarta aponta partes das cascatas metabólicas envolvidas, os genes compartilhados. Porém reconhece a dificuldade de se fazer uma homologia direta entre os dois sistemas. “Afinal de contas um é totalmente móvel, (composto por) células que interagem, mas que depois se separam, enquanto no sistema nervoso, as células estão fixadas num substrato de glia e com relações que mutam com o tempo nos seus detalhes, nas sinapses, mas o corpo celular não sai caminhado por ai.”
O estudo conjunto dos dois sistemas, excluindo-se os desenvolvidos pelos neuroimunologistas, que estudam as interações do sistema imune com o sistema nervoso, não é consenso entre pesquisadores, como reconhece o próprio Cláudio Ribeiro, quando fala das visões que defendem a cognição como prerrogativa exclusiva dos humanos e não do sistema que o compõe. Ele, ao contrário, defende que o sistema é cognitivo e envolve tomada de decisão mesmo que forma não consciente. “No sistema imune nunca é consciente, mas existe uma tomada de decisão, não existe um padrão de resposta que vai ser estabelecida em função de um estímulo, nós temos sempre muitas possibilidades de respostas que dependem de contexto, dependem da vivência imunológica do indivíduo, da rede de anticorpos que ele estabeleceu em função das infecções, das alergias , das doenças imunológicas que ele já teve ou não.”
O presidente da Federação Internacional de Medicina Tropical explica que o sistema cognitivo é preciso como o sistema não cognitivo. São exemplos de sistemas não cognitivos, o renal e o cárdio-respiratório, cujo funcionamento é muito fino, preciso e regulado, complexo da mesma forma que no sistema cognitivo, mas o seu funcionamento não depende de aprendizado, não tem memória e é possível a tomada de decisão. O Médico deu como exemplo o sujeito que se tomar um litro de cerveja, vai excretar um litro de urina. “Nos sistemas imune e nervoso tem o que a gente chama de tomada de decisão. O padrão de resposta vai ser decidido contextualmente.”
O público do Simpósio foi formado por cerca de 50 profissionais e estudantes de áreas tão distintas quanto medicina e licenciatura em dança. De acordo com a organização, estavam inscritos professores e alunos de mestrado e doutorado oriundo dos estados de Pernambuco e Rio de Janeiro, além do Rio Grande do Norte, onde foi realizado.
Paulo José Faria Carrilho, médico da Secretaria estadual de Saúde, classificou a palestra da professora Selma Jerônimo, da UFRN como de grande importância. “Foi muito pertinente a discussão da professora Selma Jerônimo, que falou dos parasitismos interferindo no desenvolvimento pleno do indivíduo. Ela mostrou o ganho estatural observado nas populações brasileira e japonesa, a partir do controle das parasitoses, com ganho nutricional desses indivíduos”, destacou o professor do curso de medicina da Universidade Potiguar.
Em sua opinião, na condição de país em desenvolvimento, se o Brasil controlar as doenças nutricionais, poderia ter um ganho em termos de desenvolvimento cerebral e estatural, da criança até o adulto. O médico entendeu que a relação entre os sistemas nervoso e imune foi estabelecida na palestra da professora Selma. “Ela traz a imunologia envolvida com os parasitismos, com lepra e leishmania interferindo no desenvolvimento neural do indivíduo, como esses parasitas interferem no desenvolvimento neurológico do ser humano desde a infância até a idade adulta.”
Alto nível
“Poder fazer ciência de alto nível, poder discutir ciência em alto nível numa capital nordestina é um exemplo do como o Brasil, a despeito de todos os seus problemas, cresce e se desenvolve. É muito bom estar falando de ciência, falando de biologia, de coisas muito interessantes, que dizem respeito a toda a humanidade”, declarou o diretor do ICe sobre a importância das discussões tratadas no evento. Entre os palestrantes da área de imunologia estava Marcelo André Barcinski, um dos mais importantes nomes da medicina tropical no Brasil, e o diretor da Fiocruz, Wilson Savino. Dos neurocientistas pode-se citar Sérgio Neuenschwander, da UFRN e Claudia Domingues Vargas, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
O Simpósio de Natal inaugurou a descentralização das discussões depois de três edições realizadas no Rio de Janeiro e que contaram com o Instituto do Cérebro como um dos organizadores. Sidarta esclareceu que está nos objetivos do ICe trazer eventos de alto nível para Natal. Por outro lado, acrescentou que há interesse em estabelecer uma parceira estratégica com a Fiocruz. O 5º Simpósio deverá ocorrer em 2017, em Belém/PA.
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