Especialistas da Emparn e Lapis/INSA explicam as razões de previsões em direções opostas quando o assunto é chuva e seca no nordeste
A meteorologia não é uma ciência exata, mas os meteorologistas procuram divulgar previsões o mais perto possível da precisão. Mas o que dizer e pensar quando uma mesma região recebe duas previsões completamente diferentes? Especialistas da Empresa de Pesquisa Agropecuária do Rio Grande do Norte (Emparn) e do Laboratório de Processamento de Imagens de Satélites em parceria com o Instituto Nacional do Semiárido (Lapis/INSA) apontam direções opostas. Enquanto o primeiro prevê chuvas para o nordeste, o segundo afirma que a ocorrência do El Niño pode indicar seca na região em 2017.
Recentemente, a Emparn divulgou uma previsão de retorno de chuvas mais intensas, principalmente por conta da mudança de estação – verão e outono. Analisando as condições climáticas, com base nos modelos e nas imagens do satélite meteorológico, o gerente da meteorologia, Gilmar Bristot, prevê chuvas mais concentradas com a melhora das condições de instabilidade, principalmente com a umidade mais elevada e as águas superficiais mais frias no Pacífico Equatorial. A previsão deve se confirmar também com as condições favoráveis do Oceano Atlântico e com a presença da Zona de Convergência Intertropical.
Para Bristrot, a leve discordância entre as previsões se dá porque as instituições (INSA e Emparn) fazem parte de núcleos diferentes. “O INSA é ligado ao Ministério de Ciência e Tecnologia e eles divulgam a previsão numa reunião que é feita pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), junto com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e o Instituo de Pesquisa da Amazônia, o INPA. Então há uma leve discordância entre as previsões feitas pelos núcleos do nordeste com essa previsão feita por esse núcleo do sudeste. Essa discordância vem acontecendo desde janeiro, numa previsão que fizemos em Fortaleza e em fevereiro numa reunião realizada em Natal e em março agora numa reunião feita em Recife”, relata.
Aquecimento dos oceanos
De acordo com o gerente, a questão do El Niño apontada pelo Lapis/INSA, deveria ser tratada com mais cuidado. “Eles estão colocando sem um maior cuidado, porque nós fazemos um monitoramento diário do oceano Pacífico e estamos observando sim um aquecimento nesse oceano, mas que é restrito ao setor leste, próximo à América do Sul. Então não teríamos interferência das condições do oceano Pacífico nem para as chuvas do setor do semiárido – norte do nordeste, nem para o setor oeste do nordeste. Na reunião de Recife, eu coloquei essa situação, deixei clara a posição da Emparn, mas não somos obrigados a divulgar uma coisa que eles acham que é consenso, mas que para nós não condiz com a realidade do que está acontecendo aqui no nordeste”, esclarece Bristrot.
Ainda segundo ele, a Bahia, Pernambuco, parte da Paraíba e do RN, principalmente o leste e o agreste, ainda estão numa situação muito difícil porque as chuvas continuam não ocorrendo. No entanto, ele espera uma melhora para o setor agreste a partir de abril, com a entrada do sistema de leste. Na previsão para abril, maio e junho em que se tem o início do período chuvoso aqui no litoral leste do nordeste, estamos também colocando uma situação um pouco diferente da condição que eles colocaram na reunião do sudeste do Cemaden, INPE e INPA. Nós colocamos que, devido às condições do oceano Atlântico que está com aquecimento um pouco acima do normal na costa da África e esse aquecimento se expandindo praticamente até a costa aqui do nordeste, na faixa equatorial, as instabilidades que se formam no oceano Atlântico poderiam chegar e trazer uma condição de normalidade para o setor leste do nordeste, com exceção do litoral da Bahia, que seria prejudicado, pois as águas ali naquela faixa do oceano Atlântico estariam mais frias que o normal. Essa divergência não é muito profunda”, analisa o gerente da Emparn.
El Niño e a seca no nordeste
No final de 2016, o curto período em que as águas do oceano Pacífico estiveram mais frias que o normal e houve a formação de um fraco fenômeno La Niña, aumentando as expectativas dos cientistas sobre a possível chegada das chuvas em 2017 no Semiárido brasileiro. A região já enfrenta seu sexto ano de seca e a tendência de ocorrer El Niño possivelmente venha a agravar a atual situação de falta de chuva no nordeste.
O motivo é que desde janeiro deste ano, a Temperatura da Superfície do Pacífico equatorial encontra-se em elevação. Essa característica oceânica indica possibilidade de ocorrência de El Niño, fenômeno diretamente ligado às secas no nordeste brasileiro. Embora as projeções não sejam consensuais, as tendências indicam que no período de abril a junho, o El Niño possivelmente influenciará no clima do nordeste brasileiro, ocasionando mais secas.
De acordo com Humberto Alves Barbosa, coordenador do Laboratório de Processamento de Imagens de Satélites (Lapis) e pesquisador visitante do Insa, realmente os modelos oceânicos indicam o surgimento do fenômeno El Niño a partir de junho de 2017. “As variações ou a distribuição de chuvas no Semiárido brasileiro têm sido afetadas pela influência das temperaturas das águas do Oceano Atlântico. Desde fevereiro (que seria o início da estação chuvosa no Semiárido), as temperaturas do Oceano Atlântico Norte têm estado mais aquecidas do que as do Oceano Atlântico Sul. O que significa que a atuação da Zona de Convergência Inter-Tropical (ZCIT), principal sistema atmosférico responsável pelas chuvas no Semiárido, está mais próxima somente dos estados do Ceará, Piauí, um pouco do Oeste da PB e BA, e norte de MG. As demais regiões do Semiárido estão tendo chuvas abaixo da média desde fevereiro. Isso também tem sido evidenciado pelo monitoramento via satélite da cobertura vegetal da região. Além disso, o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe/CPTEC) também divulgaram em seus prognósticos chuvas abaixo da média para abril e maio”, explica.
As metodologias que o Lapis e o Insa utilizaram para divulgar os dados sobre a volta do El Niño foram baseadas em modelos oceânicos, simulações divulgadas por reconhecidos centros mundiais de monitoramento, a exemplo do NOAA, Bureau of Meteorology e Instituto de Pesquisas Internacional (IRI). O Lapis e o Insa realizam o monitoramento das temperaturas dos oceanos Pacífico e Atlântico, bem como as simulações divulgadas pelo referidos centros internacionais.
Essas informações foram complementadas pelos resultados do monitoramento diário que o Lapis e o Insa realizam da saúde da vegetação do Semiárido brasileiro, por meio do Índice de Vegetação por Diferença Normalizada (NDVI), que identifica as áreas de ocorrência de seca e de chuva, de acordo com o processo de recuperação da cobertura vegetal. No mapa ao lado os tons de vermelho significam vegetação afetada pela seca. Os tons de verde significam vegetação afetada pela chuva. (Fonte Lapis/INSA).
Previsão objetiva x subjetiva
O gerente da Emparn, Gilmar Bistrot, explica que há também algumas situações relacionadas a previsão objetiva e a subjetiva. “A objetiva é o resultado de modelos matemáticos que são processados em super computadores lá em São Paulo, no Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos – CPTEC/INPE, e o resultado é assimilado como fosse a previsão. A previsão subjetiva, que eu prefiro, é quando você analisa os modelos, faz uma crítica desses modelos e analisa o que está acontecendo na atmosfera e nos oceanos e, em cima disso, faz uma discussão e elabora uma previsão. É isso que a gente utiliza, além de inserirmos outras variáveis que no momento estão um pouquinho mais favoráveis do que as variáveis oceânicas e atmosféricas. Então, existe esse balizamento que nós utilizamos aqui no RN ,que dá uma pequena diferença daquela previsão. E nós não tratamos o nordeste como um todo, nós tratamos por região. Por que penalizar e dizer que as chuvas no Ceará serão abaixo do normal, se nos meses de fevereiro e março as chuvas foram acima do normal? Na previsão deles, o Ceará como um todo ficaria com chuvas abaixo do normal, mas o que temos observado nesses dois últimos meses é que as chuvas no Ceará ficaram acima do normal. Então, é preciso particularizar as características regionais e eles não estão fazendo isso. Esse será um debate nas próximas reuniões que nós participaremos para que não aconteça o que está acontecendo, é um erro muito sério para a sociedade quando se vê diante de duas previsões para uma mesma região. Já discuti com o pessoal do Ministério de C&T, convidei para a reunião aqui em Natal para apararmos essas arestas, mas eles não vieram e não se pronunciaram. Não podemos obriga-los a sentar e ter essa discussão, a gente faz o que pode e tenta fazer o melhor”, desabafa Bistrot.
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