Pesquisadores do Ceará alertam para a necessidade urgente de proteção dos trabalhadores que lidam diária e diretamente com esses agentes químicos
Diariamente, o DNA de cada pessoa sofre milhares de lesões. São danos ocasionados tanto pelo contato com agentes químicos ou radioativos como por pequenos problemas resultantes do próprio metabolismo celular. Essas lesões são corrigidas por um sofisticado mecanismo de autorreparo: um conjunto de genes identifica os erros e aciona outro grupo para corrigi-los. Com isso, previnem-se mutações e o desenvolvimento de cânceres.
Duas pesquisas recém-concluídas no Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas da Universidade Federal do Ceará (UFC) investigaram a expressão desses genes de reparo em agricultores cearenses da região da Chapada do Apodi expostos ao uso de agrotóxico. Ambas constataram que alguns genes de reparo estão menos presentes nesse grupo e que há uma relação entre o tempo de contato com os agrotóxicos e essa redução.
“Este é o primeiro trabalho da literatura mundial a demonstrar que os genes de reparo do DNA estão down regulated em agricultores expostos a agrotóxicos”, diz uma das autoras, a pesquisadora Marília Braga Costa. “Essas pesquisas são elementos importantes em sugerir os efeitos maléficos da exposição a agrotóxicos. Elas alertam para a necessidade urgente de proteção dos agricultores que lidam diária e diretamente com esses agentes químicos”, avalia o professor Ronald Feitosa, orientador dos trabalhos.
A Chapada do Apodi foi escolhida por ser um dos principais produtores agrícolas do Estado e uma área em que há forte uso de agrotóxicos. Com exceção dos trabalhadores da agricultura ecológica, todos já haviam tido algum tipo de contato com o produto, 48% dos quais tiveram contato direto.
A primeira pesquisa concentrou-se nos genes que reparam lesões ocorridas em uma das fitas do DNA. A segunda no mecanismo de correção de lesões nas duas fitas do DNA.
Como foi feito
Para os estudos, foram coletadas amostras de medula óssea de 90 agricultores do município de Limoeiro do Norte. Eles foram divididos em três grupos: os que trabalham para empresas de agronegócio, os que atuam na agricultura familiar e aqueles que praticam a agricultura ecológica, sem uso de agrotóxicos.
Em paralelo, os pesquisadores coletaram amostras de outras 10 pessoas saudáveis, doadoras de medula óssea, que serviram como grupo de controle. Após essa fase, o RNA das amostras de medula foi extraído e submetido a uma técnica chamada de PCR em tempo real. O resultado foi associado a diversos parâmetros investigados na pesquisa, como o tempo de exposição, tipo de contato e uso de equipamentos de segurança.
A pesquisa apontou que apenas 10% dos agricultores utilizavam todos os equipamentos de proteção individual recomendados (macacão, luvas, botas, máscara de proteção e óculos) e que 6,25% não utilizavam nenhum tipo de proteção. “Os EPIs mais utilizados pelos trabalhadores do agronegócio e agricultura familiar são o chapéu, as botas e as luvas (…). Mas não são os mais necessários para proteção contra exposição a tóxicos”, diz a pesquisadora Izabelle Rocha.
Resultados no DNA
Os pesquisadores comparam a expressão (presença) de cinco genes responsáveis por identificar e reparar problemas com fita simples (CSA, CSB, XPA, XPB e XPG) e outros sete para danos em fita dupla (ATM, BRCA1, BRCA2, XRCC5, XRCC6, RAD51 e LIG4) entre os grupos de agricultores e o de controle.
Na primeira pesquisa, identificaram que os genes XPA e CSA estão bem menos expressos nos agricultores que têm contato com agrotóxico (tanto os que trabalham no agronegócio como os que atuam na agricultura familiar) do que naqueles que usam agricultura ecológica e no grupo de controle. Quando se considera apenas os trabalhadores que tiveram contato direto, ou seja, que manusearam o produto, há menor expressão dos genes XPA, XPG e CSB.
Os resultados não foram muito diferentes dos encontrados pela pesquisa de fita dupla. Nesse caso, os pesquisadores identificaram que os sete genes estudados estavam menos presentes entre os agricultores que trabalham nas grandes empresas. Quando considerado o tempo de exposição (independentemente do tipo de agricultura praticada), a pesquisa constatou que aqueles que trabalham com agrotóxico há mais de 12 anos têm menor expressão dos genes ATM e LIG4. Curiosamente, esse mesmo grupo possui maior expressão do gene XRCC5.
Outras pesquisas
As duas pesquisas recém-concluídas corroboram os resultados de outras investigações já realizadas pelo Laboratório de Citogenômica do Câncer em parceria com grupos de pesquisa da professora Raquel Rigotto. Em 2011, um estudo coordenado pelo professor Ronald Feitosa utilizou amostras de medula óssea de 40 agricultores da mesma região para estudar seus cromossomos.
O estudo encontrou casos de aneuploidia – quando o número de cromossomos é diferente de 46, como em todo ser humano. Também identificou alterações em alguns cromossomos específicos, como os de número 4 e 8.
Deixe um comentário