Estudo avalia ação da canabis medicinal na Doença de Parkinson Artigos

quinta-feira, 22 maio 2025
Endocanabinoides atuam regulando algumas funções no corpo humano, como o humor, o apetite, a memória e a dor.

Grupo identifica que déficits de memória não são decorrentes das alterações do sono

(John Fontenele de Aráujo)

Após quase um século de proibição baseada em preconceito, a maconha está se tornando uma planta fundamental no tratamento de diversas doenças, aliviando crises convulsivas, náuseas, dores crônicas, tremores e rigidez muscular, especialmente em doenças neurodegenerativas como o Parkinson. Agora a maconha passou a ser frequentemente referida como “canabis terapêutica” ou “remédio natural”. Depois de anos de preconceito, a maconha ganha seu papel na medicina.

Cannabis e Doença de Parkinson: Novas Pesquisas

Algumas evidências clínicas sugeriam um potencial do CDB como um potencial benefício para pacientes com doença de Parkinson, em especial para os sintomas não motores. Por isso, um grupo de pesquisadores brasileiros, incluindo pesquisadores da UFRN, resolveram testar os efeitos de fármacos que atuam ativando ou inibindo o Sistema Endocanabinoide em modelos animais de doença de Parkinson. Os resultados  estão no artigo publicado no European Jornal of Pharmacology (Jornal Europeu de Farmacologia).

O modelo animal utilizado foi do uso de rotenona em ratos. A rotenona tem sido utilizada experimentalmente em ratos para induzir sintomas motores e não motores semelhantes aos observados em pessoas com doença de Parkinson. Esses modelos ajudam a estudar os mecanismos subjacentes à doença e a testar potenciais abordagens terapêuticas.

A rotenona é um composto químico natural extraído de plantas do gênero Derris e Lonchocarpus. Trata-se de uma substância lipofílica e insolúvel em água, amplamente utilizada como inseticida e pesticida devido à sua capacidade de interferir no metabolismo energético das células dos organismos-alvo.

Efeitos no sono

Em nossa pesquisa estudamos a modulação dos receptores CB2 através do uso de dois fármacos, um agonista e outro antagonista dos receptores CB2. Na primeira fase do experimento foram que a administração do fármaco AM630, que é um  antagonista/agonista inverso do receptor CB2. Ser um antagonista significa que a molécula se liga ao receptor sem ativá-lo e o bloqueia, já agonista inverso significa que ele se liga ao receptor, mas produz o efeito oposto ao do agonista.

Os resultados mostraram uma reversão das alterações induzidas pela rotenona na macroestrutura do sono e na dinâmica de sincronização inter-hemisférica. Como sabemos que que os experimentos de modelos animais de Parkinson, em que são provocadas lesões na pars compacta da substância negra (SNpc), ocorre uma redução do sono de movimento ocular não rápido (NREM) e alteram a dinâmica de sincronização inter-hemisférica.

Neste caso podemos afirmar então que a ativação dos receptores CB2 provocado pelo fármaco AM630 reverteu estes efeitos da rotenona. Porém não provocou uma reversão nos déficits de memória provocado pela rotenona.

Na segunda parte dos experimentos, foi realizado uma infusão do agonista parcial do receptor, GW405833 que promove uma ativação do receptor CB2. Os resultados que ocorreu uma atenuação do comprometimento na consolidação da memória no teste de reconhecimento de reconhecimento de objetos.

Em conjunto, os experimentos mostraram que os mecanismos dos dois fármacos são relativamente independentes. Esta é a primeira vez que se mostra que os déficits de memória não são decorrentes das alterações do sono no modelo da rotenona de Doença de Parkinson.

Outros estudos com análises abrangentes e que superem as limitações destes estudos são essenciais para confirmar esses achados e aprimorar a compreensão desse contexto. Se confirmadas, abordagens terapêuticas que visem a modulação do receptor CB2 podem representar uma estratégia valiosa para reduzir os sintomas não motores e melhorar a qualidade de vida em pacientes com doença de Parkinson.

Esta é mais uma evidência dos benefícios da maconha medicinal e da necessidade de que novas pesquisas sejam realizadas e para isto precisamos superar o mais importante desafio, o preconceito.

Os Compostos da Cannabis e suas Descobertas

Os efeitos terapêuticos da maconha são decorrentes da presença de vários compostos em suas flores, especialmente o THC (tetra-hidrocanabinol) e o CBD (canabidiol). Estes compostos foram isolados e identificados em meados do século XX. O THC foi descoberto em 1964 por Raphael Mechoulam e sua equipe na Universidade Hebraica de Jerusalém, enquanto o CBD foi identificado anteriormente, em 1940, por Roger Adams e seus colaboradores. Essas descobertas abriram caminho para uma compreensão mais ampla dos efeitos químicos da maconha e seu potencial terapêutico.

Após as descobertas e os isolamentos das moléculas THC e CBD, as pesquisas se direcionaram para descobrir onde e como estas moléculas agiam no nosso corpo. O primeiro passo foi descobrir os seus receptores. Estes são moléculas localizadas nas membranas celulares onde tanto o THC e CBD podem se ligar e promover seus efeitos em nível celular. Os receptores foram descobertos e chamados de CB1 e CB2.

Os receptores CB1 e CB2, que são parte do sistema endocanabinoide, foram descobertos por cientistas que estudaram os efeitos dos canabinoides no organismo. O receptor CB1 foi identificado em 1988 pela neurofarmacologista Allyn Howlett e sua equipe, enquanto o receptor CB2 foi caracterizado posteriormente, em 1993, por Sean Munro e outros pesquisadores.

Estes descobertos foram um marco na ciência, pois permitiu que se compreendesse Sistema Endocanabinoide, uma rede biológica que usa os endocanabinoides (substâncias endógenas similares ao THC e CBD) que atuam regulando algumas funções no corpo humano, como o humor, o apetite, a memória e a dor.  A compreensão da existência do Sistema Endocanabinoide contribuiu significativamente para o entendimento do papel da canabis no tratamento médico e seus efeitos biológicos.

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John Fontenele Araújo é professor titular do Departamento de Fisiologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicobiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

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