Estereótipos que opõem beleza e inteligência feminina sustentam violência simbólica e desigualdade de gênero Humanas

quarta-feira, 21 maio 2025
Estereótipos se manifestam por meio da linguagem, das normas sociais, dos costumes e das instituições

Desigualdade tem por bases assimétricas papéis hierarquizados a meninos e meninas

(Alba Azevedo)

Ela é até bonitinha, mas será que é inteligente? Comentários dessa ordem são recorrentes no nosso cotidiano e são vistos com naturalidade, como se existisse uma suposta incompatibilidade entre os atributos da beleza e da inteligência feminina.

Embora pareçam inofensivos, esses discursos funcionam como mecanismos de violência simbólica de uma sociedade patriarcal – conceito desenvolvido por Pierre Bourdieu -, e contribuem para a manutenção de estruturas de dominação de gênero, que se mantêm quase invisíveis, uma vez que se manifestam por meio da linguagem, das normas sociais, dos costumes e das instituições.

A violência de gênero assume múltiplas formas: física, sexual, psicológica, política, moral e econômica. Porém é quanto à sua expressão mais velada, a simbólica, que Bourdieu nos alerta como especialmente perigosa, por agir de maneira silenciosa na continuidade das diferenças.

Não raro escutamos declarações que revelam estereótipos fincados na sociedade, entre elas, destaco uma pequena amostra: “Ela é muito histérica para liderar”; “Ele é firme, ela é mandona”; “Mulher bonita não precisa ser inteligente”; “As mulheres são muito sensíveis para lidar com pressão”; “Ela deve ter conseguido o cargo por causa da cota, não por mérito”.

Mas por que normalizamos esse tipo de discurso em pleno século XXI?

Por trás de comentários como esses, esconde-se uma ideia que opõe os atributos de beleza e inteligência em mulheres, como se fossem inconciliáveis, nos fazendo ver que a violência de gênero constitui um dos meios pelos quais o poder masculino reafirma sua autoridade. Essa polarização incorreta reflete um imaginário coletivo machista que perpassa gerações, alimentado por um legado histórico em que a educação foi construída sobre bases assimétricas, na qual se atribuíram papéis hierarquizados a meninos e meninas, respaldando estruturas de poder que legitimam a desigualdade de gênero, sob a aparência de senso comum e sem a necessidade de coerção explícita.

Não podemos ser indiferentes a comportamentos carregados de implicações culturais e políticas, que revelam o quanto ainda somos uma sociedade preconceituosa, em que a aparência feminina é colocada em oposição à capacidade intelectual, impactando a constituição identitária, a autoimagem e a autoestima das mulheres. Isso demonstra que ainda somos reféns de uma lógica machista e por isso acabamos reforçando uma cultura seletiva que privilegia a superioridade dos homens, sustentada por uma violência simbólica que cala, humilha, desqualifica e confina as mulheres em papéis limitantes.

É fundamental adotarmos uma postura mais crítica em relação à violência de gênero, que segue influenciando as dinâmicas sociais, sobretudo se levarmos em conta que esses preconceitos, baseados em crenças acerca de supostas qualidades inatas de homens e mulheres, disseminam ideias generalizadas e impõem papéis sociais específicos, que continuam a se reproduzir em todas as esferas, inclusive nos espaços de poder, onde poderíamos supor sua ausência.

A necessária revisão dos estereótipos de gênero se impõe para que não se perpetue essa forma sutil de dominação e inferiorização da feminilidade, porque como nos lembra Rita Segato “as lutas das mulheres não são contra os homens, mas contra a ordem política fundacional, que alicerça todo o edifício das desigualdades e extrações de mais-valia: o patriarcado”.

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Referências

Alba Paulo de Azevedo é juíza de Direito do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, professora da Escola da Magistratura do Rio Grande do Rio Grande do Norte e pesquisadora do Grupo Pesquisa Social da UFRN.

A coluna Humanas é atualizada quinzenalmente às quartas-feiras

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