Ainda estou aqui – É preciso integrar quem tem demência Artigos

quarta-feira, 26 fevereiro 2025
O filme Ainda estou aqui aborda o tema da demência (Foto: Divulgação)

Neurocientista aborda o filme indicado ao Oscar 2025, trazendo reflexões sobre Alzheimer e inclusão.

(John Fontenele Araújo)

O cinema brasileiro está de volta após anos de ataques por setores reacionários que passaram a dominar a cena nacional e, inclusive, o Estado brasileiro. Temos, além de vários prêmios, o retorno dos brasileiros aos cinemas. Mais do que o cinema, é a cultura brasileira que está superando os obstáculos. E cultura é fundamental para a construção da sociedade humana.

A indicação do filme “Ainda Estou Aqui” ao Oscar de 2025 já foi um sucesso, e talvez comemoremos não apenas um, mas dois Oscars. Afinal, Fernanda Torres também está indicada ao prêmio de melhor atriz.

O livro que inspirou o filme centra-se na vida de um protagonista que começa a perceber os sinais iniciais da demência. Uma personagem que perde suas memórias e se distancia do mundo ao seu redor. No livro, à medida que a narrativa avança, o leitor é convidado a acompanhar a jornada emocional e psicológica da personagem principal, desde os primeiros estágios da doença até o ponto em que a demência afeta significativamente sua memória e suas habilidades cognitivas.

O impacto da demência da vida das pessoas

Um dos aspectos mais poderosos do livro é a forma como ele retrata as relações da protagonista com seus entes queridos. A doença não afeta apenas a pessoa diagnosticada, mas também seus familiares e amigos, que precisam aprender a lidar com a progressão da demência. O livro destaca a importância do apoio familiar e da compreensão, enfatizando que, apesar das dificuldades, o amor e a conexão humana permanecem.

O livro e o filme servem como um poderoso meio de conscientização sobre a demência. Através da narrativa, o autor educa os leitores sobre a doença, seus sintomas e o impacto que tem na vida das pessoas, ressaltando que não devemos abandoná-las. Podemos resumir a mensagem do livro da seguinte forma: é preciso integrar quem tem demência.

Algumas experiências ao redor do mundo já são interessantes. Por exemplo, em Barcelona, na Catalunha, ocorre a Regata pelo Alzheimer. Na edição de 2024, com um céu nublado e um pouco de chuva, mais de 200 pacientes diagnosticados com a doença de Alzheimer participaram. Eles foram divididos em 31 veleiros no Porto Olímpico de Barcelona. Além disso, aproximadamente uma centena de pessoas com mobilidade reduzida participou a bordo de uma “golondrina”, um tipo de embarcação turística a motor que oferece mais estabilidade e acesso facilitado.

Edgar Martinez, presidente da Associação Velas pelo Alzheimer, relatou à jornalista Marina Guedes: “Foi desafiador. As condições meteorológicas não eram ideais. Mesmo assim, estou contente. Vi cenas lindas, rostos felizes. Isso significa que fizemos um bom trabalho. Até golfinhos apareceram, o que é raro em Barcelona”.

Velejar é preciso

Neurocientista e velejador, John Fontenele Araújo. (Foto: Cedida)

Como neurocientista e velejador, considero que as atividades náuticas em veleiros contribuem para a melhoria da qualidade de vida dos pacientes com Alzheimer. Afinal, velejar promove diversos estímulos, por exemplo, nas funções cognitivas, sensoriais e motoras.

Precisamos entender que o paciente com Alzheimer está sempre em sofrimento e se torna ansioso, como relatou muito bem Marcelo Rubens Paiva no livro “Ainda Estou Aqui”. O paciente, às vezes, entende o mundo, mas não em sua totalidade, o que causa estresse. Ao embarcar em um veleiro, ele entra em contato direto com a natureza e tem uma oportunidade para relaxar. O som do vento nas velas, o cheiro da maresia, o balanço do veleiro estimulando o equilíbrio e o convívio social proporcionam um sentimento pleno de pertencimento: eles ainda estão aqui.

A importância da interação social

Esperamos que o sucesso do filme e do livro “Ainda Estou Aqui” contribua para que a sociedade compreenda a condição dos pacientes com Alzheimer e perceba que eles precisam do máximo possível de interação social para estimular o cérebro. É fundamental que a sociedade perceba que o isolamento do paciente implica na diminuição dos estímulos e na piora da doença, ou seja, facilita sua progressão. É essa atitude de negação ao paciente que precisamos quebrar.

Não há uma terapêutica capaz de parar a doença ou revertê-la, mas temos condições de retardar seu avanço. Se garantirmos que o paciente com Alzheimer moderado se mantenha mais estável, talvez, em 10 anos, tenhamos avanços terapêuticos que possibilitem interromper a doença ou até mesmo curá-la.

Não podemos desistir dos pacientes; eles ainda estão aqui. Assim como não podemos desistir da cultura brasileira. Quem sabe, um dia, não realizamos uma Regata pelo Alzheimer no Brasil para dizermos ao mundo que ELES E ELAS AINDA ESTÃO AQUI.

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John Fontenele Araújo é professor titular do Departamento de Fisiologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicobiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

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