Num texto emocionado, Vanderlan Bolzani narra a trajetória do cientista Raimundo Braz Filho
(Vanderlan da S. Bolzani)
Graças às universidades públicas, nas últimas décadas o país produziu um amplo conjunto de conhecimentos multidisciplinares sobre a biodiversidade brasileira.
Pouco valorizado pela sociedade, esse capítulo de nossa história científica muitas vezes envolveu a vibrante e apaixonada dedicação de pesquisadores que abriram fronteiras em diversas áreas, entre elas a de produtos naturais. O trabalho que realizaram no estudo da flora e da fauna é uma das bases sobre a qual se apoia hoje a pesquisa feita pelas novas gerações, em busca de respostas, inclusive para a inovação tecnológica.
Esse conhecimento nos ajuda entender melhor o patrimônio natural que herdamos, seu potencial econômico, e também serve para dimensionar a tragédia da destruição da natureza denunciada a cada dia pelos jornais.
É nosso dever valorizar e divulgar o esforço desses pioneiros e, para isso, não há melhor iniciativa que homenagear o professor Raimundo Braz Filho, que aos 90 anos continua contribuindo para o estudo dos produtos naturais do Brasil.
Para os que têm o privilégio de conhecê-lo pessoalmente, e de ter trabalhado com ele, fazer esse perfil é reunir memórias onde se misturam o reconhecimento profissional, a admiração pelo ser humano e afeto. E se os jovens precisarem hoje de um exemplo para guiar suas carreiras, nada mais inspirador do que olhar para a história desse cientista brasileiro.
Raimundo Braz Filho foi relacionado como um dos pesquisadores mais influentes do mundo, no ano de 2020, a partir do ranking elaborado por equipe da Universidade de Stanford e divulgado pela revista Public Library of Science (Plos) Biology. As métricas para selecionar os 100 mil cientistas que ganharam essa referência, entre eles 600 brasileiros, incluem o número de artigos publicados, as citações em trabalhos científicos e os índices de coautoria, entre outras.
Braz Filho é reconhecido por seus colegas como “a maior autoridade brasileira na determinação estrutural de moléculas orgânicas naturais”. Ao mesmo tempo, destaca-se pela vocação para a docência, pela singular habilidade de transmitir conhecimento para alunos e colegas. Mas como essa carreira se situa no contexto geral da vida científica do país?
A geração do professor Raimundo Braz Filho foi responsável por estabelecer uma etapa mais avançada na pesquisa com produtos naturais e na química orgânica, a partir dos anos 1960. Tais avanços ocorreram quando a atividade era marcada por inúmeras limitações. As tecnologias utilizadas para análise das substâncias isoladas das plantas – em particular a Ressonância Magnética Nuclear (RMN) e a Espectrometria de Massa -, estavam em um estágio de capacidade ainda muito inferior ao atual, o que tornava mais difícil a tarefa de “determinação de moléculas orgânicas”. Ao mesmo tempo, as universidades enfrentavam a constante falta de recursos para adquirir esses equipamentos.
Mas naquele momento estava em construção uma mentalidade inovadora voltada para a “descoberta” da natureza brasileira pela química, que atraia para a pesquisa e docência profissionais de vários estados e instituições. Além do apelo que o uso das novas tecnologias exercia nos ingressantes, pois elas representavam o futuro da pesquisa, surgia uma abordagem científica inovadora, liderada pelo professor Otto Richard Gottlieb, de quem Braz Filho foi aluno e colaborador nos anos seguintes. Um traço distintivo dessa nova visão é que ela ultrapassava os limites da química levando a investigação para outras áreas como a biologia, a bioquímica ou a ecologia química. No horizonte surgia o fascinante e complexo campo de estudos que busca entender as relações das plantas com o ecossistema em que vivem. Mas, para isso, é necessário primeiro isolar e decifrar as estruturas químicas de suas substâncias de interesse.
(Não perca a continuação desse texto)
Vanderlan da S. Bolzani é professora-titular do Instituto de Química da Unesp/Araraquara
Texto publicado originalmente no JC Notícias, em 03/02/2025
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