Por que evoluímos em marcha lenta? Disruptiva

quinta-feira, 16 janeiro 2025

Como a Estratégia Evolutivamente Estável (EEE) explica a resistência à inovação no mercado, alinhando princípios da biologia e cultura organizacional ao impacto da inércia em processos de ruptura

(Gláucio Brandão)

“A cultura come a estratégia no café da manhã!”. Frase atribuída a Peter Drucker, um dos mais renomados pensadores sobre gestão corporativa, frequentemente referido como o “pai da administração moderna”. Ele quis destacar a importância da cultura organizacional, afirmando que mesmo a melhor estratégia pode falhar se não estiver alinhada com a cultura da empresa.

Para continuar entregando conteúdo de qualidade, Nossa Ciência precisa do apoio de seus leitores. Faça um pix para contato@nossaciencia.com

E por que cargas d’água, menestrel evolucionário, depositas essa frase aqui? A intenção é descobrir de onde o homem tirou essa frase e se ela é realmente aplicável ao mercado. Para isso, farei um paralelo com a natureza, a maior empreendedora que conheço, na tentativa de entender a fundo tal princípio, pois sempre que tenho dúvida de como modelar um processo, recorro a ela, já que tem experiência de bilhões de anos. Usei o mesmo artifício ao desenvolver um índice de falhas no crescimento de empresas. Desta vez, utilizarei as leis da evolução para entender a resistência ao tentarmos promover rupturas no mercado. Para ficar divertido, substituirei a frase do guru pela expressão lanche de Drucker, remontando àquele velho adágio mercadológico que nos lembra sobre a inexistência de almoço grátis. Acompanhem-me, pois.

Estratégia Evolutivamente Estável

Se você está longe da área biológica, muito provavelmente não ouviu falar na Estratégia Evolutivamente Estável (EEE). Trago da Wikipedia o conceito:

“Um conceito importante para a teoria da evolução é o de estratégia evolucionariamente estável (EEE) ou estratégia evolutivamente estável, o qual utilizou da teoria dos jogos para ser estabelecido. EEE é uma estratégia que se perpetua no tempo por não ser vulnerável a estratégias alternativas. Ou, segundo Richard Dawkins: ‘Uma EEE é uma estratégia que se sai bem contra cópias de si mesma. Pode-se pensar da seguinte maneira: uma estratégia bem-sucedida é aquela que é dominante na população, então ela tem grandes chances de encontrar cópias de si mesma. Sendo assim, se ela não se sair bem contra cópias de si mesma, ela não continuará sendo bem-sucedida’. Essa segunda definição não tem a precisão matemática que a primeira tem (definida por John Maynard Smith), porém ela tem a capacidade de transmitir a essência do que é uma EEE”.

Em outras palavras, quando indivíduos de uma população buscam maximizar o próprio sucesso, a única estratégia que persiste é aquela que, uma vez desenvolvida, não pode ser superada por qualquer estratégia alternativa. Ocorrendo uma mudança significativa no ambiente, pode haver um período de instabilidade evolutiva e com oscilações populacionais. No entanto, assim que uma EEE é atingida, ela se estabelece, pois a seleção natural penaliza qualquer desvio em relação a ela. Ou, trocando em miúdos, “em terra de sapo, de cócoras com ele”. E, de acordo com a EEE, ao tentar se levantar, um sapão baterá com força em sua cabeça. Muito top, né não.

Sobre a relação entre EEE e o lancha de Drucker

Havendo gente “no traçado”, existem regras sociais, que são embasadas em arcabouços naturais. Portanto, os processos de competição podem ser aplicados ao meio corporativo, pois ainda não conseguimos nos libertar dos padrões animais naturais cravados em nosso cérebro reptiliano. Botando tudo isso na mesma cuia, se envolve gente, pode-se aplicar trâmites evolucionários tecidos pela mãe natureza. Sendo ainda mais taxativo, a EEE é o DNA que rege qualquer cultura, seja ela natural ou negocial. O mercado não é chamado de selva por acaso. Taí outro aforismo explicado pela EEE.

E como isso explica a resistência do mercado?

Lembram daquela Aula Condensada (AC) em que pergunto O que será que tem do outro lado? Com esse paralelo entre mundos negocial e natural, agora fica mais fácil de responder: existe uma Estratégia Evolutivamente Estável de Mercado “matadora”. Vou chamar de EEEM.

De forma resumida, naquela AC descrevi o abismo de Moore, o qual separa o mercado inicial (16%) do grande mercado (84%), citei o povo que ocupava esses espaços, apontei um algoritmo para saltar o abismo (para quem pretende alcançar todo mercado), mas esqueci de falar sobre um detalhe, que aqui nomeei de EEEM: não adiantará utilizar qualquer matemática ou física negocial parruda, se a cultura não puder ser modificada. Isso também explica porque tecnologias vingam como inovação em algumas culturas e noutras não decolam. A EEEM é a maior resistência que há no mercado. Ela está por trás, na frente, por cima e por baixo do que chamaríamos de escala… ou sucesso.

Assim, tentar estrear num mundo em que as empresas estão estabelecidas e se mantém exatamente pela EEEM que lá vigora, não é tarefa para amadores, pois uma das características mais robustas das EEEM reponde pelo nome de inércia. De modo figurado, como parar um trem, ou, de forma inversa, botá-lo em movimento? A esforço para ambas situações é imenso.

Sendo assim, como promover a evolução ou a inovação?

Estabelecido que a EEEM é a maior aliada de quem está por ela ungido e a maior inimiga de quem deseja contrariá-la – aqui vale a máxima Para os amigos tudo; para os inimigos, a EEEM! – percebe-se que mudar uma cultura ou alterar a inércia, seja de um grupo, organização ou sociedade, é um processo complexo e gradual… se puder ser feito. Como tudo que está estabelecido envolve alterar crenças, valores, normas e comportamentos profundamente enraizados, e se é a cultura que tem de ser quebrada, temos que começar pela inércia reinante.

A melhor forma de fazer isso é criar um grupo atômico, cujo processo está descrito na AC O efeito de rede, capaz de promover uma cisão na estrutura por meio de uma reação em cadeia. Das duas uma: ou essa estratégia é capaz de colocar um paraquedas naquele trem, ou descarrila o bicho. De um modo ou de outro, a inércia sofrerá mudanças, e é assim que as rupturas no mundo estão acontecendo.

Finalizando… Prefiro a expressão “incrementalmente e sempre” do que a versão com o termo “devagar”. A EEEM e o lanche de Drucker corroboram minha preferência. Embora ensine a meus alunos que uma boa solução terá de (i) desenvolver clientes, (ii) prototipar produtos e (iii) esquadrinhar o mercado tudo isso sendo feito ao mesmo tempo, sem se estabelecer uma estratégia para “furar” a EEEM, a luz no final do túnel será aquele trem voltando. Não basta achar que se tem em mãos uma potencial inovação. A ruptura – por isso que o nome é esse – só acontecerá quando a EEEM for, pelo menos, arranhada. A EEEM é o maior freio do mercado. É ela que, quando não inviabiliza, torna tudo lento.

Leia também: Por que estamos errando tão feio

Leia outros textos da coluna Disruptiva

Gláucio Brandão é professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e gerente executivo da incubadora inPACTA (ECT-UFRN)

Gláucio Brandão

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Site desenvolvido pela Interativa Digital