Ciência e tecnologia quânticas têm que estar nas prioridades estratégicas do Brasil Geral

segunda-feira, 13 janeiro 2025
No Brasil, a ciência quântica ainda é um campo em que há muito espaço para crescimento e desenvolvimento estratégico (Foto: IBM Cryostat Flickr)

Para cientistas nordestinos, investir mais recursos na área é condição para o país figurar entre os que dominam tecnologias essenciais para o futuro.

Dados revelam uma queda na participação brasileira no cenário mundial na pesquisa em ciência e tecnologia quânticas: o país, que ocupava a 19ª posição no mundo em 2014, caiu para o 21º lugar em 2023. Considerando todas as áreas do conhecimento, o Brasil estava em 14o lugar mundial em termos de produção científica em 2023. A produção científica na área quântica está, portanto, abaixo da média nacional. O tema deve ser central na área acadêmica em 2025, com a proclamação, pela ONU, do Ano Internacional da Ciência e Tecnologia Quântica (IYQ). No ano que vem completam-se 100 anos do estabelecimento da mecânica quântica como área de conhecimento científico.

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Os números que abrem essa matéria são do relatório A produção científica mundial em ciência e tecnologia quânticas e a participação brasileira – 2014/2023, da Agência Bori e da Elsevier, publicado em dezembro. O levantamento analisou a produção científica dos 24 países que mais publicaram estudos em ciência e tecnologia quânticas no mundo, entre eles o Brasil, no período de 2014 a 2023. Foram considerados todos os tipos de publicações científicas, incluindo artigos, editoriais, revisões e outros.

No topo das pesquisas na área quântica, estão China e Estados Unidos. Juntos, os dois países concentram metade da produção de conhecimento nessa área em 2023. China e EUA também lideram a ciência mundial em todas as áreas do conhecimento.

Ao todo, 121 instituições brasileiras tiveram publicações na área no período de 2014 a 2023. Instituições do sudeste como USP, Unicamp e UFRJ têm a maior produção. Do Nordeste, cinco instituições aparecem entre as 20 com maior produtividade: UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), UFC (Universidade Federal do Ceará), UFRPE (Universidade Federal Rural de Pernambuco) e UFAL (Universidade Federal de Alagoas).

INSTITUIÇÃONº DE PUBLICAÇÕES
Universidade de São Paulo (USP)122
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)96
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)87
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)85
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)73
Universidade Estadual Paulista J de M. Filho (Unesp)65
Universidade Federal Fluminense (UFF)63
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)59
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)57
Universidade Federal do ABC (UFABC)41
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)40
Universidade Federal do Ceará (UFC)38
Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE)34
Universidade Federal de Alagoas (UFAL)32
Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF)30
Pontifícia Universidade Católica (PUC-RJ)29
Universidade Federal de Goiás (UFG)26
Universidade de Brasília (UNB)22
Universidade Federal do Paraná (UFPR)22
Laboratório Nacional de Computação Científica20
Instituições brasileiras com publicações em ciência e tecnologia quântica (2014-2023). Fonte: Agência Bori/Elsevier

Cientistas avaliam os dados

Pesquisadores da área ouvidos por Nossa Ciência atribuem a queda à redução de investimentos do Brasil em todas as áreas de ciência e tecnologia, a partir de 2017. Pontualmente, entretanto, eles têm análises diferentes dos dados apresentados pelo relatório.

O professor Anderson Stevens Leônidas Gomes, do Departamento de Física da UFPE, observa que apesar da queda de dois pontos na escala, houve crescimento da produção científica brasileira na área quântica. “Se olharmos os mesmos dados de outra forma, vemos que a produção brasileira no tema cresceu 234%, quase o mesmo crescimento que os Estados Unidos (238%), pouco acima de Israel (224%) e abaixo da Holanda (444%), que em 2014 havia publicado 55 artigos enquanto o Brasil havia publicado 61”, justifica.

Rafael Chaves, Vice Diretor do IIP-UFRN (Foto: Guilherme Bezerra)

Líder do grupo de pesquisa em Informação Quântica do Instituto Internacional de Física, da UFRN (IIP, da sigla em inglês) Rafael Chaves Souto Araújo, lembra que o no início do século 21, o Brasil se destacava no campo da informação quântica, que é a ciência fundamental por trás das tecnologias quânticas. Iniciativas como a criação do Instituto do Milênio de Informação Quântica e a depois os INCTs (Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia) possibilitaram a formação de cientistas qualificados, porém a redução de investimentos a partir de 2016 resultou na perda desses cientistas, que acabaram sendo atraídos para outros países. Fato que acaba justificando a participação brasileira em patentes de outros países, fato observado pela pesquisa da Agência Bori/Elsevier.

“Com a criação do Instituto do Milênio de Informação Quântica e a posterior formação de INCTs (Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia) na área, o país conseguiu formar duas ou mais gerações de cientistas altamente qualificados, muitos dos quais escolheram permanecer no Brasil, formando novos grupos e impulsionando novas linhas de pesquisa. Contudo, a partir de 2016, com a drástica redução dos investimentos em ciência e tecnologia, o Brasil experimentou uma fuga de cérebros sem precedentes. Vários pesquisadores de renome internacional, já estabelecidos no país, foram atraídos para o exterior por condições de trabalho incomparáveis, enquanto cientistas brilhantes que estavam no exterior deixaram de retornar ao Brasil”, afirma o pesquisador, que também é vice-diretor do IIP-UFRN.

Baixo investimento

Roner Costa, professor do PPG em Ciência e Engenharia de Materiais da Ufersa (Foto: Cedida)

Para o professor Roner Ferreira da Costa, do Programa de Pós-Graduação em Ciência e Engenharia de Materiais da Universidade Federal Rural do Semi-Árido (Ufersa), a queda pode ser atribuída a limitações no investimento em pesquisa durante esse período de 2014 -2023. Ele destaca também o baixo investimento em manutenção da infraestrutura de pesquisa nas instituições de ensino superior aliadas a políticas públicas menos agressivas em comparação com nações que têm priorizado áreas emergentes, como tecnologias quânticas.

De acordo com o pesquisador, que atua com Bioquímica quântica aplicada no desenvolvimento de moléculas com atividade anticâncer, merece atenção o fato do Brasil manter colaborações importantes como, por exemplo, Estados Unidos e países europeus, e contar com instituições de ensino superior públicas liderando a produção científica nacional. Apesar disso, “essa queda (é) um alerta para a necessidade da implementação de estratégias mais robustas, especialmente considerando a crescente importância da ciência quântica no desenvolvimento de setores estratégicos, como segurança e soberania tecnológica”, diz.

O relatório aponta uma situação preocupante, mas poderia ser ainda pior. Essa é a opinião do Daniel Felinto Pires Barbosa, coordenador dos projetos Instituto de Tecnologias Quânticas da UFPE, Comunicação quântica multiplexada para redes quânticas híbridas.

Ele afirma que a mudança da posição do Brasil em 10 anos, quando passou da 19ª posição e para a atual 21ª colocação não muito significativa. “Acho até pequena para o tamanho do descompasso entre o investimento global na área e o investimento no Brasil. O fosso aumentou muito nos últimos 10 anos. Não caímos mais pois, como o relatório apontou, temos fortes colaborações internacionais, que acabam aumentando os números do Brasil junto com o resto do mundo.”

Brasil não tem uma iniciativa nacional em tecnologias quânticas

Quando comparada à situação do Brasil em termos de produtividade científica total, a área de ciência e tecnologia quântica também fica atrás, de acordo com os números do relatório. No geral, o Brasil fica em 14º lugar no mundo em produção científica.

Para Daniel Barbosa, isso não é muito surpreendente, pois o Brasil tem áreas em que é mais forte que em Física. “Além disso”, prossegue, “muitos países tem focado em tecnologias quânticas, mas o Brasil ainda não lançou nenhuma iniciativa nacional com esse fim.” Ele fala da diferença no enfoque europeu e brasileiro nas tecnologias quânticas. Há aproximadamente quatro anos, essa era uma das três grandes iniciativas de pesquisa europeia, enquanto isso no Brasil, o INCT de Informação Quântica era um entre mais de cem outros.

“O Brasil pode estar concentrando seus esforços científicos em áreas mais consolidadas ou com maior impacto imediato, como saúde, agricultura ou energia, enquanto a pesquisa em tecnologias quânticas, sendo altamente especializada e emergente, pode não estar entre as prioridades estratégicas do país nos últimos anos.” Essa é a opinião de Roner Costa.

O pesquisador da Ufersa acredita que no geral, esses números mostram que, enquanto o Brasil tem uma base científica ampla e diversificada, a ciência quântica ainda é um campo em que há muito espaço para crescimento e desenvolvimento estratégico. “Isso exige mais atenção, especialmente em um momento em que o mundo caminha rapidamente para explorar as aplicações práticas dessa área”, alerta.

Anderson Stevens, da Academia Pernambucana de Ciências (Foto: Cedida)

Com larga atuação na gestão Anderson Gomes, que foi Secretário de Estado das pastas de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente e de Educação de Pernambuco, não duvida do relatório, mas entende que é complicada a comparação desses números. “A produção científica total inclui, naturalmente, todas as áreas e subáreas, e Tecnologias Quânticas é uma subárea que pode estar incluída em engenharias ou em física, por exemplo, dependendo da metodologia empregada. Certamente este fato acontece em várias outras subáreas”, explica o coordenador do Instituto Nacional de Fotônica.

Mônica Costa

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